«Temos de ver para além da lógica, daquilo que todos vêem, desconfiar do nosso próprio conhecimento», defendeu Alexandre Real

“Inteligência paradoxal: desconstruir mitos” foi o tema que marcou o arranque da 25.ª conferência Human Resources Portugal – que se realizou ontem, dia 21 de Março, no Museu do Oriente, em Lisboa –, e foi Alexandre Real, co-fundador e partner da Sfori, e primeiro português a receber uma distinção do MIT Professional Education, que os trouxe a palco. Desconstruiu vários mitos: do conhecimento e das competências, da eficácia da comunicação, da produtividade, da transparência e, claro, do poder.

Por Ana Leonor Martins | Fotos NC Produções

 

Recorrendo a um pequeno exercício com uma bola de plasticina, apresentou (e provou) o “paradoxo do conhecimento”. Ao contrário da percepção partilhada pela plateia, uma bola de plasticina não fica “deformada”, “espalmada” ou “colada  e agarrada” quando atirada ao chão. «O nosso conhecimento e experiência de vida, a base a partir da qual todos os dias tomamos decisões, nem sempre nos ajuda a fazer a escolha certa. Como ficou provado com a plasticina, se tomar todas as decisões sem pôr em dúvida o meu conhecimento, provavelmente vamos tomar más decisões», alertou, aconselhando: «Desconfiem do vosso conhecimento e daquilo que é a vossa experiência. A partir desse momento podem começar a crescer do ponto de vista do conhecimento e das melhores tomadas de decisão. E gerir pessoas é tomar decisões, tal como gerir uma empresa e questionar o que achávamos serem “verdades” vai ajudar a tomar melhores decisões.»

Por outro lado, «geralmente, quem tem mais conhecimento nas organizações é quem tem mais competência e quem ocupa lugares de maior destaque». E aqui pode verificar-se o “paradoxo da competência” – quanto mais competentes somos, menor a tendência para sermos inovadores e disruptivos. O especialista explica: «Como fazemos as coisas bem, a tendência é continuar a fazer as coisas como sempre fizemos e não tentar maneiras diferente. Mas o mundo muda constantemente; se nós não mudamos e tomamos decisões sempre “limitadas” às nossas competências, não evoluímos. Isso é válido para nós e para os outros. Quanto mais competente for a pessoa, menor a tendência para inovar. Cabe-nos ter essa consciência e desafiar as pessoas.»

Com este raciocínio, Alexandre Real chega ao conceito («não científico», ressalva) de “inteligência paradoxal”, que mais não é do que «vermos para além da lógica, do normal, daquilo que todos vêem». Dá um exemplo, recorrendo a uma heurística, isto é, «procedimentos mentais simples, breves, que colocamos na cabeça para nos organizar e tomar decisões no dia-a-dia, e que todos temos». Há uma muito simples, que partilha: “a ocasião faz o ladrão”. «É uma heurística, mas errada. Se vir uma pessoa perder uma nota de 50 euros, não é por ter oportunidade, que vou ficar com ela. Cuidado com as heurísticas.»

Avança para outro paradoxo, o da “eficácia da comunicação”. «Todos estamos infoxicados. Já não temos capacidade para reter a multiplicidade de informação com que somos bombardeados todos os dias, desde que acordamos até que nos deitamos, através dos mais diferentes meios. O desafio que temos é seleccionar a informação a que queremos estar expostos. Se querem ter alto desempenho, não ocupem a cabeça com coisas que não interessam nem acrescentam valor. Há uns anos foi-nos vendida a ideia de que temos de estar informados de tudo, mas isso traz pressão a nível psicológico e um desequilíbrio que não é positivo. E as notícias negativas fazem o nosso organismo libertar cortisol – a hormona do medo – deixa-nos em estado de lerta e “agarrados” a esse tipo de conteúdo, e isso é prejudicial.»

Outro paradoxo é o da “comunicação eficaz”. No nosso dia-a-dia, e com a proliferação de whatsapp, sms, twitter, email, usamos maioritariamente mensagens curtas e concisas. Alexandre Real faz notar que isto traz um perigo: «Estamos a treinar-nos para sermos superficiais. O nosso cérebro tem neuroplasticidade e isso permite-nos aprender novas competências e adaptar-nos. É o que explica que, por exemplo numa situação de cegueira, sentidos como o olfacto ou o tacto fiquem muito mais desenvolvidos. Tudo o que fazemos diariamente é um treino e se só treinamos mensagens curtas, estamos a treinar a superficialidade. Isso vem descrito no livro “Os Superficiais”, de Nicholas Carr.» Para corroborar esta ideia, convida os presentes a fazer uma retrospectiva e perceber se há dez anos não liam um livro com maior facilidade, «hoje temos maior dificuldade em estar focados e concentrados, algo essencial se queremos ser profissionais de alto desempenho. E estamos a treinar o contrário.» E a questão é que as mensagens curtas nem sequer são sempre eficazes, «como comprovam as mensagens nos maços de tabaco, que pode matar ou provocar infertilidade. Liberta cortisol, deixa-nos ansiosos e o que fazemos quando estamos ansiosos? Fumamos mais. É uma mensagem curta com resultado perverso. Daí a importância da inteligência paradoxal, de perceber que o que está à nossa frente é o melhor caminho.»

Dá outro exemplo. «Habituámo-nos a pesquisar através do Google, mas não passamos além das primeiras páginas de resultados, estamos a afunilar conhecimento, a tomar decisões e a procurar informação que molda a maneira de pensar só nessas duas ou três páginas do Google, o que não ajuda à melhor tomada de decisão. O ChatGPT ainda vai afunilar mais. São obviamente ferramentas úteis, mas precisamos de mais. É aí que as empresas vão marcar a diferença.»

Alexandre Real continua, com o “paradoxo da produtividade”, ilustrando-o através do espaço de trabalho da PHC Software, que «mais parece um parque de diversões do que uma empresa». E tem uma explicação: «O Ricardo Parreira sabe que existe ócio criativo, ou seja, para produzir mais, tenho de não estar a trabalhar; para conseguir chegar a soluções disruptivas, tenho de ter momentos em que o cérebro desliga do trabalho para fazer novas conexões e ser inovador.»

Por outro lado, acrescenta, «pessoas mais felizes produzem mais». A discussão sobre se o trabalho deve ou não ser remoto é uma discussão completamente ao lado. «As empresas têm de se concentrar em acrescentar valor às pessoas, fazer com que sintam que estão a ganhar mais do que o salário. O foco deve ser também transformar o trabalho numa experiência, isso ajuda as pessoas a ir para o trabalho motivadas e, logo, a ser mais produtivas.»

Ainda relacionado com a produtividade, o partner da Sfori afirma que não são os portugueses que são pouco produtivos, o problema é do contexto. E avança dados para o comprovar: «Diz-se que os alemães são mais produtivos do que os portugueses, mas então porque é que a Autoeuropa foi considerada várias vezes a fábrica mais produtiva e com mais qualidade, tendo inclusive sido considerada a melhor fábrica do grupo Volkswagen»», questiona. «Porque é que a Bosh tem seis mil colaboradores no nosso país e afirma que os portugueses são muito produtivos; porque é que o Luxemburgo, que é há vários anos considerado um dos países mais produtivos do mundo, tem 30% de mão-de-obra técnica portuguesa? Não digam que os portugueses são pouco produtivos, é um erro, precisam é de um contexto, uma cultura, que favoreça a produtividade.»

Também relativo ao contexto de trabalho, Alexandre Real identifica mais um paradoxo, o da “transparência”, dando como exemplo os open space. «Acreditava-se que aumentava transparência, inovação e bem-estar. Mas os últimos estudos indicam o contrário.» Ao permitir mais facilmente ver-se o que o outro está a fazer, pode descontextualizar a informação e criar-se boatos. E vai inibir tentar-se algo novo. «Num ambiente sem confiança não consigo inovar», afirma.

Para terminar, e indo ao encontro do tema da Conferência – “Quem manda aqui” – o especialista destaca o “paradoxo do poder”, aconselhando o livro de Dacher Keltner precisamente com este título. «Para ter mais poder dentro da organização – e poder entendido como influência –, há que deixar para trás as ideias de Maquiavel e promover o “servir”, focarmo-nos nas necessidades dos outros», defende. «Quanto mais servirmos, mais poder vamos ter, na empresa, na família, na sociedade. Porque o poder é um reconhecimento e uma legitimidade que os outros nos dão. Poder é servir.»

Neste contexto, Alexandre Real prestou homenagem ao Comendador Rui Nabeiro (que faleceu dois dias antes), considerando que personifica este “poder ao serviço dos outros”. «Era uma pessoa respeitada em todo o lado porque levou uma vida a servir os outros.»

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