Tiago Forjaz, The Epic Talent Society: «Passámos do paradigma da felicidade para o paradigma da liberdade»
A abordagem desta consultora de Recursos Humanos passa por ajudar as pessoas a descobrir as potencialidades do seu talento e orientar as suas actividades profissionais para os domínios que vão permitir construir o futuro a partir do presente. «A principal missão da The Epic Talent Society é libertar talento para o futuro», diz Tiago Forjaz, o seu fundador.
Por Tânia Reis
Num mercado de trabalho mais fluído, é responsabilidade das empresas recrutar as pessoas que mais e melhor aprendem, e não as que têm mais especialização ou “expertise”. Para Tiago Forjaz, Portugal não enfrenta uma escassez de talento em Portugal, o que falta são competências específicas. E o segredo para manter os melhores talentos nas empresas passa pelo entreter e pelo aprender em conjunto.
Porquê este foco no talento e no futuro do trabalho?
A tecnologia e as mudanças sociais emergentes, precipitadas pelo efeito despertador da COVID fizeram-me entender que o paradigma da felicidade tinha evoluído para o paradigma da liberdade. Hoje, as pessoas percebem que nenhuma empresa as pode fazer feliz, apesar de poderem contribuir para isso, só nós podemos decidir ser felizes. Paradoxalmente, as pessoas estavam e estão deprimidas, a forma como estamos a trabalhar está a desvitalizar-nos e as pessoas acordaram para a realidade de que elas precisam de ser livres para escolher o que querem fazer, o que querem aprender, e com quem querem trabalhar. Isso mudou o mercado totalmente.
Hoje temos um mercado de trabalho muito mais líquido, as empresas gerem o fluxo das pessoas, – já não o stock de pessoas – e por isso devem querer recrutar as pessoas que mais e melhor aprendem, em vez de recrutarem as que têm mais especialização ou “expertise”. No entanto, as empresas não estão a mudar os seus organogramas o suficientemente rápido, não têm benchmark, nem noção de que novas funções precisam de ter e que poderiam ocupar com os seus melhores talentos.
No futuro, as pessoas querem trabalhar com a liberdade com que trabalharam no período do confinamento. As pessoas abraçaram a ideia e o risco de mudarem de funções vezes sem conta. Hoje, as pessoas apercebem-se que não há risco maior para a nossa longevidade pessoal e profissional do que deixarmos de aprender e entreter.
Já conta com 20 anos de experiência profissional, que principais marcos destaca na evolução da área dos Recursos Humanos?
Acho que houve muitas etapas de evolução, mas ainda assim devia haver mais e mais depressa. Assisti à evolução dos arquétipos de liderança para a aceitação dos princípios da diversidade de liderança personalizada. Vi evoluir uma noção de modelos de cultura baseados em valor para modelos operativos assentes em princípios, vi as pessoas de Recursos Humanos tentarem ser business partners – muitas vezes sem terem nunca feito o business -, para as pessoas do business agora terem todas de assumir a responsabilidade pelas pessoas. É quase como se agora os business people tenham de ser human partners das pessoas que lideram. Há muita coisa a mudar.
De que forma a vossa abordagem é inovadora na identificação e recrutamento de talento?
Acreditamos que a nossa primeira responsabilidade é sempre para com o indivíduo. Só servindo a pessoa é que verdadeiramente servimos a empresa. As pessoas é que têm valor e é por isso que as empresas nos pedem ajuda para identificar as pessoas. Um exemplo disso é o facto de partilharmos os relatórios de apresentação dos candidatos com os próprios antes de os enviarmos aos clientes corporativos.
Outra convicção que temos é que as pessoas devem estar sempre a aprender – as pessoas só querem aprender e amar – e se assim for, propomos a oxigenação das empresas e contribuímos para organizações mais sãs, com líderes que não assumem saber tudo, líderes que mantêm a mente aberta e que conseguem aproveitar as pessoas que lideram de forma mais sustentável. É por isso que medimos learning agility. Se uma empresa quiser recrutar connosco, seguramente não será para substituir uma pessoa que sai porque a sua função não permite aprender ou evoluir.
Somos uma empresa constituída por empreendedores obcecados com a inovação e o nível de serviço e, por isso, acreditamos que devemos medir tudo, incluindo a experiência do candidato, apesar de não gostarmos nada desta palavra. Trabalhamos em representação de clientes que confiam em nós, mas o nosso serviço também afecta a sua reputação e por isso vemos a medição do CNPS não só como uma responsabilidade para com os nossos talentos e clientes, mas como uma fonte permanente de insights para melhorar os nossos processos e produtos.
Dito isto, achamos que este aspecto diferenciador é um presente para o mercado, gostávamos que ele fosse perene e que todos os nossos concorrentes e colegas na área de recrutamento o implementassem, para criar um mercado de trabalho mais profissional e com uma reputação pelo nível de excelência. As empresas de recrutamento têm uma péssima reputação em relação à gestão da informação e às expectativas dos “candidatos” e isso não tem de ser assim.
Como vê o tema da escassez de talento em Portugal?
Não há escassez de talento em Portugal, há escassez de competências específicas. O talento é potencial e performance. As competências são talentos aplicados a um domínio particular. Posso ter talento para comunicar e decidir ser padre, político ou advogado. Mas a competência de um padre é pregar, a do político convencer e a do advogado representar. As áreas de estudo serão naturalmente diferentes, mas cada vez mais são as competências específicas que fazem a diferença nas carreiras. Sobretudo a recombinação de competências, se for um padre que sabe fazer rap, mais depressa consigo seguidores.
Dito isto, e pensando especificamente no mundo empresarial, penso que há poucas fontes fidedignas das competências que as empresas mais precisam. Arriscaria dizer que a maior parte das competências que conferem empregabilidade, são metodologias de trabalho e experiência de utilização de ferramentas, desde saber usar os frameworks de service design até saber usar o PowerBI, por exemplo. Acho que as universidades ainda não estarem por dentro do que é necessário nas empresas é um problema que deve ser resolvido para acelerar essa consciência e adaptação dos conteúdos lectivos. Cada vez mais os professores terão de ser profissionais que também trabalham nas empresas e cada vez menos teóricos e académicos.
Actualmente quais considera ser as maiores preocupações das empresas?
O que oiço todos os dias é a preocupação da retenção do talento. Não há a noção de que as pessoas não podem ser retidas, têm de ser entretidas. Por vezes acho que não sou entendido quando digo isto. Não é um jogo de palavras ou ideias, é mesmo verdade. As pessoas adoram aprender, e mais quando é em conjunto. Vemos isso nos jogos online.
O problema é precisamente que o trabalho online pressupõe entretenimento. Desde que nasceu o ecrã que o ser humano pressupõe entretenimento. É na TV, é no cinema, é nos telemóveis… Sempre que há um ecrã esperamos interacção e entretenimento. Por isso é que as reuniões feitas em Zoom não funcionam: não há desafios, não há níveis, as pessoas não sabem facilitar reuniões em que todos possam aprender em conjunto, com um espírito positivo, conhecendo as regras do jogo.
Acho que as boas empresas e os bons líderes têm protocolos para poder aproveitar a diversidade das suas pessoas independentemente da sua localização ou forma de trabalhar. Costumo dizer “Trust the people, trust the process”, mas tens de saber propor e facilitar as regras do jogo.
Das empresas com as quais trabalha, quais as competências que mais procuram e valorizam?
O espírito empreendedor e a capacidade de empatizar, as pessoas sãs, capazes de colaborar, de se focar nos problemas mais do que nas suas vitórias pessoais e na competição pessoal pelo progresso das suas carreiras.
Há pouco tempo percebi que as escolas são, antes de mais, ambientes competitivos onde os alunos são comparados uns aos outros e onde são permanentemente avaliados e sentem que têm de demonstrar que são melhores do que os colegas. Isso precisa de mudar.
Cada vez mais me convenço que há cursos, sobretudo os de engenharia, onde os alunos não são treinados para pensar na sua ambição de serem CEO com a maior rapidez possível, estão mais interessados na descoberta dos problemas do que mostrarem que são mais criativos do que os demais. Essas capacidades e características são essenciais. Para além disto, talvez a capacidade de compromisso e responsabilidade, sejam as características que quem recruta mais valoriza.
E do lado dos candidatos, o que mais valorizam numa empresa?
Qualidade da liderança, as pessoas com quem vão trabalhar, a cultura organizacional, o ambiente de trabalho e os processos de trabalho, mas acima de tudo está a liberdade e confiança dada às pessoas.
A remuneração continua a ser um factor decisivo ou outros temas, como modelos de trabalho e pacote de benefícios, já são relevantes na tomada de decisão?
Tudo é importante, não é uma questão de escolha. É na combinação destes aspectos. Por outro lado, é um erro generalizar porque cada caso acaba por ser específico.
Quais os benefícios mais valorizados pelos candidatos? E relativamente aos modelos de trabalho, o tema é relevante nos dias de hoje?
Acho que o tema do “modelo de trabalho” foi sempre muito mal abordado, porque não me parece que tenha tanto a ver com o 3:2 ou outro formato, para mim tem sim a ver com confiar nas pessoas e acreditar que uma equipa de pessoas vai ser capaz de se auto-organizar para conseguirem colaborar entre si de modo ideal.
Nesse caso, a maior parte dos líderes ainda não confia (e não estou a dizer que fazem mal) porque ainda não deixaram fazer testes suficientes para terem sugestões ou regras para oferecer a quem tem de o fazer. Há consultoras de estratégia que já tem frameworks de “how I work” para se poder conhecer a forma ideal de trabalhar de cada indivíduo e para se comprometerem com as regras de trabalho durante um período. Claro que, apesar da inflação e do cenário de hipercompetitividade, os benefícios tempo e formação são aqueles que vejo serem mais valorizados pelas pessoas que fazem uma boa gestão de carreira.
O reskilling e upskilling são fundamentais para capacitar, motivar e manter talento in house. As empresas apostam verdadeiramente nestas “ferramentas”? Em que áreas?
Acho que as empresas já o fazem, sobretudo nas áreas de tecnologia e mais recentemente na área de service design, mas a dificuldade que encontram está a montante. Não sabem muito bem e no concreto para o quê que estão a fazer upskilling e reskilling. É como se tivessem de resolver um problema que não conhecem e, por isso, apostam em tudo com base nesse argumento.
É preciso ter dados para se poder fazer uma boa estratégia de upskilling ou reskilling orientada às funções, sobretudo as que ainda não existem, mas é sempre bom fazer isto pelas pessoas de modo a não ficarem fora de mercado, independentemente de saber que funções na organização precisam de “novas competências”.
Há quem defenda que há um gap entre a formação dada no Ensino Superior e o que as empresas realmente pretendem. Concorda? Que soluções poderiam inverter essa realidade?
Há sempre um gap entre oferta e procura, por isso concordo naturalmente. Acredito que a forma como as carreiras dos professores académicos estão desenhadas não ajuda a manter a fluência e frescura em relação à realidade prática das empresas.
Há países e escolas que premeiam outro tipo de KPI nos professores e que estimulam as horas que passam dentro das empresas a trabalharem com executivos. No Institute for Management Development (IMD), por exemplo, os professores têm os nomes das empresas que financiam os seus ordenados associados à disciplina que leccionam, como se tivessem patrocínios. Em contrapartida, dos seus vencimentos estão obrigados a entregar horas do seu trabalho às empresas.
Da agenda diversidade, equidade e inclusão, quais os temas que as empresas mais valorizam? Estamos no caminho certo? O que mais falta fazer?
Ainda há muita confusão sobre o que é a diversidade. Há uma visão ainda bastante cosmética e utópica sobre o benefício da diversidade. A primeira ideia essencial é perceber que sem inclusão a diversidade não traz benefício nenhum, aliás aumenta a tensão entre as pessoas. Ter pessoas diferentes só para mostrar no almanaque é um erro.
A segunda ideia essencial é entender que a diversidade cognitiva é a mais importante, porque quando temos pessoas a pensarem de forma diferente sobre um assunto, evitamos a cegueira do grupo, aumentamos a probabilidade de inovação e estimulamos o orgulho de pertença a uma equipa. Mas para isso é preciso apostar na complementaridade entre as pessoas e trabalhar para além das funções e hierarquias em “roles”, atribuindo papéis situacionais às pessoas que trabalham na equipa.
A frase mais interessante que guardo sobre este tema é que é mais importante ouvir as pessoas que já estão dentro da nossa organização do que convidar “estranhos” para se juntarem a ela. Sobretudo se o nosso objectivo seguinte é “normalizá-las”. Acho que há muito por fazer e, como noutras causas organizacionais, primeiro começa-se por conhecer o problema ou a realidade, com assessments. Já existem diversos modelos e tecnologias para o fazer, mas o verdadeiro impacto vem a seguir nas decisões e políticas que se tomam para criar o amor pelo que é diferente – chama-se alofilia.
Além dos jovens, também os seniores enfrentam dificuldades no mercado de trabalho. Do seu ponto de vista, como pode o tema do idadismo ser contornado?
Tenho uma perspectiva muito optimista sempre em relação às questões e prefiro ver a oportunidade. Acho que, com o actual cenário de dificuldade em contratar jovens para funções que não sejam vanguardistas, nasce a oportunidade de dar bom emprego às pessoas que já têm vida suficiente para terem treinado as competências que demoram anos a desenvolver, sobretudo na área dos serviços. Mais uma vez acredito que é preciso ir mais à procura de domínios e nichos onde o idadismo não existe, e abandonar o retrato generalista, normalmente derrotista também, da nossa realidade.
A inteligência artificial vai ganhando protagonismo no mundo do trabalho. Já a aplicam nos vossos processos de recrutamento? De que forma?
Tenho de ser totalmente sincero, estamos a aprender a usá-la cada vez mais e melhor. A Inteligência Artificial vive de saber fazer as melhores perguntas, mas nem sempre recebemos as respostas mais inovadoras ou esclarecidas, até porque a resposta vem de informação “generalizada”. Mas o que estamos a pensar, objectivamente, – e eu pessoalmente há anos -, é como usar o machine learning, para poder ajudar as pessoas a responderem à pergunta fatídica que sempre se colocou aos headhunters: Como é que está o mercado? Como é que se responde a essa pergunta, quando cada pessoa é única e cada pessoa tem os seus mercados e nichos? É aí que está o valor e é nesse sentido que estamos a pensar e a modelizar algoritmos.
Que principais desafios e oportunidades vê na IA?
Vejo a oportunidade de nos dedicarmos mais à imaginação e à criatividade do que à execução das coisas. Vejo a oportunidade de acelerar a regeneração do planeta. Quase todas as matérias que precisamos de aprender para o futuro mais próximo são do domínio da natureza. Não temos tempo para tirar cursos superiores em ciência e biologia e, graças à IA, não precisamos, só temos de escolher as boas causas e colocar a tecnologia ao nosso serviço. O maior receio que tenho é a utilização da IA para aumentar ainda mais o fosso entre ricos e pobres. Infelizmente, somos muito melhores a usar tecnologia para benefício próprio do que para o bem comum e essa fronteira ética e egoica é uma grande ameaça.
Como prevê o futuro do mercado de trabalho?
Não prevejo o futuro, gosto mesmo muito mais de explorá-lo. As coisas mais interessantes que sabemos dizer sobre o que aí vem têm origem em evidências que já recolhemos do mercado que estamos a explorar na fronteira da actualidade. É um bocadinho como a exploração espacial.
Mas, pessoalmente, acredito que passamos do paradigma da felicidade para o paradigma da liberdade. As pessoas no futuro trabalharão seguramente como agentes livres e independentes dentro das organizações, movidos pela paixão do empreendedorismo e das causas que puderem abraçar, a trabalharem cada vez mais em duos. Vemos isso na música contemporânea, cada vez há mais cantores a solo que fazem featurings com outros para lançar os temas da moda.
O mundo do trabalho é um mundo de fluxo, onde as pessoas valorizam mais e melhores experiências, com menor grau sacrifício ou dor e com um nível de aprendizagem muito superior. Isso para mim, não é obrigatoriamente sinónimo de egoísmo, nem do fim do mundo, é só muito mais líquido.
E como avançará a Gestão de Pessoas?
Um dia o Eng.º Belmiro de Azevedo lançou-me uma provocação dizendo que as pessoas não se gerem, exploram-se. Adorei a provocação, achei-a muito inteligente e cómica até, porque pressupõe (na sua melhor leitura) que as pessoas têm um potencial desconhecido e que é só no exercício da observação ao longo do tempo que podemos ir “explorando” as pessoas.
Essa é para mim a constante que seguirá para além do tempo. Esse é para mim o desígnio supremo atribuído aos líderes: a responsabilidade de ter tempo para observar e explorar o potencial das pessoas – repare-se que não disse, deliberadamente “as suas pessoas”, porque liderar é influenciar positivamente os outros e eles não precisam de ser nem estar nas nossas equipas ou organigramas. Para as pessoas que ainda fazem a leitura mais negativa da palavra exploração, a gestão das pessoas é como hoje se diz, a gestão dos “recursos” humanos.