Trabalho Digno: uma agenda de causas ou para os efeitos?

Foi aprovada uma proposta de lei com um pacote de 70 medidas que, segundo o Governo, visa combater a precariedade e valorizar os jovens no mercado de trabalho, em concretização da Agenda do Trabalho Digno e com implementação pretendida para início de 2023.

Por Gonçalo Pinto Ferreira, sócio coordenador da área de Trabalho e Segurança Social da TELLES

 

De acordo com os números repetidamente referidos por Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, os contratos temporários correspondem a 21% do total em Portugal por comparação a 15% na média europeia e, no caso dos jovens, a percentagem sobe para 62% em Portugal face a 49% na União Europeia.

A questão que sempre me fica quando se fala em medidas legislativas para combate à precariedade (e valorização dos jovens) é se, de facto, o tema está a ser abordado de forma estruturante, procurando identificar as razões para tais números e se se está a separar o trigo, nas reais necessidades de flexibilidade na contratação, do joio no oportunismo de um certo estilo de empregador.

Depois fica-me também a sensação de que a pressão estará sempre em excesso no sector privado, excluindo-se o sector público até da discussão de questões tão relevantes como aquela que se adensa cada vez mais em torno da semana de quatro dias de trabalho. E, mais uma vez, resta-me a dúvida se as causas e os efeitos estão ou foram bem avaliados.

Em termos sistemáticos, este pacote de medidas está agrupado nos seguintes pilares programáticos:
a) Do recurso abusivo ao trabalho temporário
b) Da regulação e transparência das empresas de trabalho temporário
c) Do reforço ao combate ao falso trabalho independente
d) Do recurso injustificado ao trabalho não permanente
e) Do período experimental aplicável às pessoas à procura do primeiro emprego
f) Do combate ao trabalho não declarado/ausência de inscrição na Segurança Social
g) Da regulação das novas formas de trabalho associadas às transformações no trabalho e à economia digital
h) Das relações coletivas de trabalho e da negociação coletiva
i) Dos trabalhadores-estudantes no âmbito dos estágios profissionais
j) Do regime de licenças de parentalidade
k) Da conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar
l) Dos cuidadores informais
m) Da autoridade para as condições de trabalho
n) Dos serviços públicos da administração do trabalho
o) Da simplificação administrativa

Para cada um destes pilares são propostas diversas medidas que pretendem ser uma resposta para o desafio do combate à precariedade e para a valorização dos jovens no mercado de trabalho. Mas, ao ler tais propostas, onde esperava encontrar as palavras incentivar, promover ou flexibilizar, encontro, ao invés, a proibição, a imposição e a obrigação. E, mais uma vez atacando os efeitos e não as causas, reforça-se a capacidade de intervenção das autoridades fiscalizadoras, o que por si só não seria necessariamente negativo, não fora a lógica de simplificação na punição que, convenhamos, nem sempre se traduz numa mais justa decisão.

A precariedade em si mesmo é um efeito, uma consequência. E seria bom, parece-me, que todos olhássemos com maior cuidado e com outra atenção para as causas.

Porque motivo optam os empregadores pelo trabalho não permanente? Porque se recorre tanto a trabalho temporário? Será a legislação ajustada à nova realidade do mercado de trabalho e aos desafios de flexibilidade que se colocam cada vez com mais intensidade?

Se continuarmos sem respostas para estas e outras perguntas estruturais, estaremos sempre a reagir nos efeitos e não a agir nas causas.

 

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