Um modelo de carreiras? Não, obrigado

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Comecei a trabalhar ainda em pleno século XX. Em 1998, mais concretamente. Para qualquer estudante recém-licenciado em Gestão, como eu, grandes bancos, consultoras ou auditoras eram as primeiras opções naturais de emprego. Não fui excepção. Eram (e sim, mais do que hoje) organizações estratificadas e hierarquizadas, com uma “escadaria” ascendente de títulos que espelhavam status, senioridade e poder. Acima de tudo, alinhados com os conceitos de tempo e permanência. O paradigma do emprego para toda a vida, apesar de já na altura não ser ajustado à maioria das realidades, ainda estava bem vivo do mindset de empregadores e profissionais.
O mundo mudou, como todos já constatámos. E continuará o seu ritmo transformador a uma velocidade estonteante, impulsionado pelos avanços tecnológicos, pelas tendências demográficas e pelas mudanças nas expectativas das diversas gerações. A evolução do conceito de carreira, encarado como a sequência de posições e papéis, em contexto profissional, apresentadas ao colaborador pela organização, é uma dimensão que a mudança é mais evidente.
Para começar, a questão da longevidade. Pelos números e evidências, nas mais variadas indústrias, não será expectável que um jovem profissional que entre hoje numa empresa aí esteja por mais 10 ou 15 anos. Os drivers de permanência serão diversos (desde a percepção de compensação elevada ao desenvolvimento de competências, do propósito e da experiência de projectos desafiantes ao conforto com determinada cultura) mas algo é imperativo para as organizações: pensarem em propostas de valor materializáveis em prazos de 3 a 5 anos – com vista a manter atractividade e compromisso do talento que ambicionam manter.
Em segundo lugar, a mudança nos modelos de negócio, processos e tecnologias que tornará as funções/ áreas funcionais cada vez mais voláteis e mutáveis. O paradigma do job-role rígido, com uma descrição objectiva de actividades e tarefas, dará lugar a uma gestão de skillsets – portfolios combinados de conhecimentos e competências, a mobilizar em contextos e desafios diversos – até numa óptica transdepartamental. De referir ainda, neste âmbito, que as empresas estão com as suas estruturas cada vez mais horizontalizadas, com menos oportunidades internas de evolução vertical e “promoções”, no sentido clássico do termo.
Em terceiro lugar, como resultado lógico do enunciado acima, o paradigma já aceite por (quase) todos da aprendizagem contínua e as qualificações que promovam a empregabilidade. A necessária aquisição de novas competências e conhecimentos vai colocar a tónica (organizacional) nas oportunidades de aprendizagem acessíveis e flexíveis.
Por último, a vontade de uma crescente proporção dos profissionais activos alternar entre fórmulas de emprego tradicional (full-time) para modelos de trabalho parcial ou flexível – que já começam a ser acomodados pela legislação laboral, em muitas geografias, e por programas de gestão de talento de diversas empresas multinacionais. As experiências a que vamos assistindo na gig economy – com oportunidades de trabalho freelance e por projectos é uma realidade cada vez mais presente, em intensidade e proporção da força de trabalho.
Como tal, construir modelos de carreiras tradicionais em 2023, em silos funcionais, com elevado tempo médio de “espera” em cada degrau, é um exercício tão irrealista como inócuo.
O que podem então fazer as organizações? Desistir de olhar para o futuro não é, claro, opção. Devem actuar a dois níveis. Numa óptica de gestão estratégica e prospectiva do seu talento, devem efectuar um mapeamento de competências (actual vs forecast) da organização – avaliando níveis de autossuficiência e lacunas a preencher. Definir os skillsets do futuro e os modelos/ plataformas de aprendizagem para o seu desenvolvimento. Já na óptica de incrementar o compromisso dos seus colaboradores, definir talent journeys, roteiros que incorporem princípios de mobilidade, agilidade, meritocracia e a autonomia possível. Aqui, o conceito de job-crafting (redesign de funções e respectivas tarefas, por parte dos indivíduos, com vista a um melhor aproveitamento de competências e maior impacto organizacional) é algo que deve ser equacionado, com foco e alinhamento, pelas empresas.
Em suma, as organizações que se quiserem afirmar como locais de excelência para trabalhar terão de se assumir com um mix de atractivos de propósito, desenvolvimento profissional, flexibilidade e compensação, muito para além da promessa (vã) de posições, categorias e status.