Uma lei anti-teletrabalho?

O teletrabalho veio para ficar e o legislador quis acompanhar essa tendência. No entanto, se a legislação peca por defeito, por excesso também.

 Por Tiago de Magalhães, associado sénior de Direito do Trabalho & Fundos de Pensões, da CMS Rui Pena & Arnaut

 

Se dúvidas existiam quanto à possibilidade de se poder exercer funções em teletrabalho ‘misto/híbrido’, as mesmas ficam agora esclarecidas, o que é positivo. Positivo é também o facto de ter de ficar a constar do acordo a necessidade de contactos presenciais, sendo que na ausência de estipulação, os mesmos devem ocorrer a cada dois meses. Talvez por este motivo o teletrabalho deixa de ficar sujeito a uma duração inicial máxima de três anos, passando as partes a ser livres de estabelecer a duração – incluindo indeterminada.

Passa a existir uma maior liberdade para fazer cessar o teletrabalho, tendo o trabalhador direito a regressar ao regime presencial, o que faz todo o sentido, uma vez que o que se pretende não é afastar os trabalhadores das suas estruturas organizativas, mas proporcionar soluções que tornem os trabalhadores mais realizados, logo mais produtivos. Parece-me, no entanto, que ficou por prever a possibilidade dos prazos de denúncia poderem ser reduzidos por acordo entre as partes.

Passa a existir uma maior sobrecarga dos custos para as empresas com a adoptação do regime de teletrabalho quando estabelecido por acordo [se o trabalhador tiver direito ao regime de teletrabalho parece resultar que as despesas são por si suportadas]. Ainda que exista uma «fórmula», em termos práticos afigura-se de difícil quantificação: se não houver despesas do trabalhador no mês homólogo no ano anterior ao do acordo, terá a empresa de suportar na íntegra os custos? E se estivermos perante um trabalhador que partilha casa? São repartidos os custos? E se o trabalhador não for o titular das despesas? a empresa é obrigada a suportar o acréscimo? De que forma se faz prova de que os custos estão associados ao trabalho? Outra pergunta que parece não ter resposta é: até quando é que o trabalhador pode exigir o pagamento dos custos adicionais? Se estes não são um rendimento, parece-me que não deverão gozar das mesmas garantias de que beneficiam os créditos salariais.

Outra previsão, no mínimo suis generis, é a de que o empregador tem de suportar as despesas que “eventualmente” o trabalhador tenha com as deslocações para reuniões ou ações de formação presenciais (táxis?), o que, pasme-se, não sucede com um trabalhador que esteja já em regime presencial… Caso para se dizer que este não é um incentivo a que se reduza o isolamento do trabalhador ou que se proporcione o acordo de teletrabalho.

Quanto às normas que estabelecem direitos aos trabalhadores com filhos entre os 3 e os 8 anos, e ainda que possa ser de louvar a iniciativa legislativa, deveria o legislador concentrar-se em criar políticas de parentalidade e de incentivo à actividade económica ao invés de criar condições para que este direito não seja exercido. Que sentido faz condicionar o exercício de um direito ao exercício por parte do outro progenitor? E se um dos progenitores não tiver este direito? Significa que o direito de um está, além do mais, condicionado à existência do direito do outro? Isto não é ser um estado paternalista, é ser um estado controlador. Mas mais, beneficiarão os adotantes, tutores, destes mesmos direitos ou estamos limitados a aplicar somente aos progenitores?

Por último, dar uma nota positiva à previsão do ‘direito a desligar’ o qual, ainda assim, fica muito aquém da regulamentação que o tema requer e exige. Aguardemos!

 

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