Vamos ficar mais tech, mas também (e sobretudo) mais humanos (com vídeo)

Para responder á crise provocada pela pandemia COVID-19 e manter as empresas a funcionar, fomos obrigados a ficar mais tech, e acabámos por ficar também “mais humanos”. Mais próximos, pelo menos. Pedro Afonso, CEO da VINCI Energies Portugal, e José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal concordam que são “ganhos” que não devemos perder.

 

Será que, com a distância social a que a actual pandemia nos obrigou, estamos mais tech ou mais humanos? Foi esta a pergunta se serviu de mote à 11.ª re(talk), numa conversa que juntou Pedro Afonso, CEO da VINCI Energies Portugal, e José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal, com moderação de Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.

Em talks anteriores, já se reconheceu que, como consequência da necessidade de resposta à pandemia COVID-19 – nomeadamente de ter que colocar equipas inteiras em teletrabalho -, poder-se-á ter promovido um salto tecnológico de 10 anos nas empresas. Por outro lado, e ao contrário do que se podia pensar, também se tem afirmado que esta crise tem tornado as pessoas mais próximas, sendo o contacto até superior agora, que estão distantes fisicamente, do que quando estavam “lado a lado”.

Pedro Afonso começa por ressalvar, que «este período é ainda bastante curto naquilo que é a história da vida de uma pessoa ou de uma empresa», mas reconhece que «obrigou a uma disrupção muito grande de todos, relativamente à forma como se trabalha e se vive. Por vezes adiamos decisões, num processo de “fuga à dor”, mas esta pandemia obrigou tanto as empresas como as pessoas a reagir.»

Por outro lado, «o ser humano tem o hábito de só olhar para o curto prazo», constata. «Há duas coisas que devemos incorporar na nossa forma de actuar: em primeiro lugar, devemos criar valor em vez de apenas o explorar, e em segundo temos de pensar na edução.» Estando o primeiro intimamente ligado ao propósito das empresas, está o segundo relacionado com a vontade das pessoas em aprender. «Ao longo deste caminho, em que demos efectivamente este salto tecnológico, é preciso ter a coragem de não cortar naquilo que é critico, monitorizando com detalhe e acompanhando de perto os resultados.»

 

Já José Miguel Leonardo faz notar que a pandemia veio apanhar as empresas num momento que podemos apelidar de mais propicio. «Já vivíamos num mundo pós digital, uma vez que o digital já tinha invadido as nossas vidas, tanto privada como empresarial, pelo que aquilo que é o principal salto tecnológico  hoje é o de recorrermos mais e usarmos toda esta tecnologia que já estava à nossa disposição.» Esta tecnologia vem favorecer a vida de todos enquanto indivíduos, mas também das empresas, logo, da própria economia. «Se a nossa economia está a ter o travão que está a ter, se não fosse esta possibilidade de mantermos as empresas a funcionar e de termos aderido com enorme facilidade ao teletrabalho tudo seria certamente bem pior.»

 

Será que havia receio?

Tirando as empresas tecnológicas, a verdade é que havia por parte de muitas outras organizações um certo, chamemos, receio, na adopção de novas formas de trabalho. Sendo mais uma questão cultural do que disponibilidade de meios, será que se estas mudanças vieram para ficar ou vamos assistir a alguma espécie de “retrocesso”?

Na visão de Pedro Afonso, os gestores viram-se perante um verdadeiro ultimato, que os obrigou a reaprender a gerir o quotidiano da sua empresa, «o que nem sempre é fácil». E lembra que quando pensamos numa organização, importa perceber a sua cultura de base, se tem predisposição para aprender, ou reaprender. «E isso não se prepara no momento Covid-19, prepara-se num processo contínuo, persistente e com muita resiliência», defende. «É um caminho longo. Mas o actual momento tem “revelado” pessoas e lideranças que estavam escondidas. É nestes momentos que se percebem as culturas mais fortes e que estão aptas para vencer.»

 

José Miguel Leonardo  espera que, depois de tudo acabar, consigamos capitalizar os ganhos. «Coisas que, na empresa, fazíamos semanalmente, passámos a realizar numa base diária, sempre com recurso à tecnologia. A verdade é que acabamos por estar virtualmente mais juntos, e com maior frequência, do que antes». Não existindo um manual para a gestão de empresas em tempos de Covid-19, as organizações tiveram de improvisar, e para o fazer todos os elementos da organização têm de estar em contacto permanente. «A intensidade com que trabalhamos hoje é um ganho substancial, pois percebemos que estas circunstâncias tiraram de nós o nosso melhor», concorda o CEO da Randstad Portugal.

A contribuição mais transversal dentro das organizações é um ensinamento que, acredita, tem de ficar para o futuro. «É preciso ter a perfeita consciência de que o factor humano é preponderante e que o que a tecnologia vem trazer é alargar as competências das pessoas, que estão, e vão estar sempre, na base de tudo. A suportá-las deve estar uma liderança genuína e transparante.»

 

Uma distância que aproxima

Para José Miguel Leonardo, estamos perante um paradoxo, «a distância humaniza». Enquanto seres humanos, temos a necessidade de estar em contacto uns com os outros, «mas a verdade é que percebemos que o contacto presencial pode ser substituído por outros veículos de comunicação». É também fundamental haver consciência de que «a economia não é tudo, mesmo de forma lenta a ecomonia recupera, já a vida humana não. É preciso encontrar um equilíbrio».

 

O ser humano é, como todos sabem, um animal social. Logo é normal que as pessoas se tenham aproximado, mesmo em confinamento social e em teletrabalho, realça Pedro Afonso. «As pessoas precisavam de estar ligadas a um grupo, a uma comunidade o que acabou por as aproximar de uma forma natural.» E o facto de existirem equipas a trabalhar em casa, tendo outras permanecido a trabalhar no terreno, levou a que algumas equipas se aproximassem ainda mais. «Isso aconteceu de uma forma natural, não foi imposto», destaca. «Mas o que de facto muda tudo é a realidade de termos sido obrigados a vir para casa em teletrabalho por um facto externo à nossa vontade, o novo coronavírus».

 

Propósitos em causa, ou não

Sendo que a VINCI Energies se dedica a duas grandes transformações em curso: a revolução digital e a transição energética, poderá esta crise ser de alguma forma revelar-se “útil” para o propósito que pretendem cumprir, no sentido de ter evidenciado a urgência dessas transformações? Começando por ressalvar que «as crises trazem sempre uma dose de sofrimento, por isso nunca são desejadas», Pedro Afonso reconhece que sim. «As crises são de facto uma certeza, pois isso temos de saber viver com elas e conseguir, a cada momento, ultrapassá-las retirando delas o melhor. Devemos usá-las para nos tornarmos melhores pessoas e, por consequência, para melhorarmos as nossas organizações. Se até há pouco tempo a evolução digital e a transição energética eram apenas urgentes, agora são obrigatórias. E esta realidade é uma consequência causada pela crise originada pela pandemia Covid-19. A evolução de tudo, dependerá da forma como a retoma vai acontecer.»

 

Na Randstad a “matéria prima” são as pessoas. «Com esta crise o grande ensinamento chegou na forma de termos de valorizar mais outros profissionais», afirma José Miguel Leonardo. «O grande desafio que daqui advém, e que é colocado às empresas, reside no facto de terem de dar cada vez mais valor e ênfase às suas pessoas, transversalmente. Todas as funções são igualmente importantes.»

E conclui: «As empresas vão ficar mais tech e mais humanas. E têm o dever moral ético de defender as suas pessoas, sempre.»

Texto: Sandra M. Pinto

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