A cidade que poderia ser empregadora

Por Valter Ferreira – Data Scientist, Marketeer, Economista do território, Inovador e Especialista em cidades humanas e inteligente

A chuva voltou e a ponte complicou, aliás complicou a ponte, o Pragal, Almada, o IC20, a A2 e por aí fora. E logo se levantou o coro dos que defendem mais uma travessia sobre o Tejo. Coro este que ganha eco e razão de ser devido à lotaria que se transformou o cais fluvial da Trafaria e do Seixal, a ausência de resposta da impreparada Carris Metropolitana, a sobrelotada Fertagus e uma MTS demasiado curta e que não une as duas cidades do concelho de Almada.
E eu, mais uma vez dei comigo a pensar, mas desta vez decidi passar a escrito, que Almada mais do que uma nova travessia, precisa de se tornar competitiva, atrativa e se tornar um local onde qualquer empresa queira investir e criar riqueza. Mas não é só Almada, e neste pequeno espaço de opinião vou tentar passar uma visão generalizada mantendo o paralelismo com Almada.
Vejamos, nos últimos 40 anos as cidades periféricas cresceram, ganharam população, e ainda continuam a ganhar população, mas perderam indústria, perderam emprego, elevando-se a dormitórios e zonas de circulação. Voltando à narrativa inicial, nos últimos 5 anos, em Almada, assistimos à continuação do investimento na obra pública em betão rotundas e mais rotundas, reperfilamento de arruamentos, sinalização… obra que, no caso geral, em nada resolve os problemas fulcrais de quem quer viver um desses concelhos, gosta de viver nesse concelho e que lá gostava de passar mais tempo – mas tempo útil e não fechado num transporte (individual ou coletivo).
Sei claramente que extrapola a competência legal de qualquer executivo camarário a construção de uma travessia que una duas margens de concelhos distintos, e não é sobre isso que quero escrever, mas sim sobre outras alternativas, ao alcance destes e que podem minimizar o impacto social, ambiental e pessoal destes fluxos pendulares.
Com a mudança cultural que vivemos agora do “trabalhe de qualquer lugar”, existem bastantes razões para os governos locais ficarem entusiasmados com as possibilidades de desenvolvimento económico e a proximidade com a sociedade civil. Estarão os municípios periféricos portugueses prontos para responder a este desafio? Com os cidadãos a trocarem as cidades mais caras por cidades secundárias ou periféricas, os municípios devem estar preparados para o aparecimento de novos negócios, novas zonas e desse modo desenvolver os serviços (físicos e digitais) e moldar a infraestrutura urbana para acomodar este crescimento, especialmente para dar conforto e qualidade de vida aos seus cidadãos e evitar a proliferação de bairros de lata (ainda que este seja um assunto para abordar em outro artigo).
Aos municípios compete não investir exclusivamente no betão (e quando investe no betão pelo menos terminar as obras), mas sim tornar-se um município competitivo, um município que tenha a capacidade de atrair criadores de emprego e assim assegurar um crescimento sustentável do mesmo.
A teoria dir-nos-ia que são necessárias políticas públicas proativas como disponibilização de terrenos, de habitação, serviços aos novos residentes e planeamento urbano que alinhe a expansão física com postos de trabalho, habitação acessível, transportes de qualidade, hospitais e escolas que garantam igualdade de oportunidade para todos.
Ainda que a criação de emprego seja estimulada num quadro macroeconómico favorável, são necessárias políticas locais que encorajem a inovação, a competência e desenvolvimento de novos negócios. Para que novos empregos possam surgir é necessário que as empresas encontrem nas cidades onde se querem instalar, o acesso as pessoas com as competências necessárias, as redes de negócios que potenciem o seu crescimentos, o financiamento e o espaço para começar e expandir. Não devendo o estado nunca substituir-se à iniciativa privada devendo apenas ter um papel de mediação, interlocução e estimulo, seja pelo estabelecimento de relações, seja pela introdução de políticas fiscais atrativas e benéficas para o seu território.
A diferença chave entre uma cidade competitiva, com capacidade de atrair investimento e por consequência gerar emprego, e as outras, não é a existência de um plano de desenvolvimento estratégico no papel, mas sim uma efetiva implementação de ações estratégicas. Cidades competitivas alinham o seu orçamento municipal com iniciativas prioritárias e não deixam que sejam os gastos do ano anterior a ditar as prioridades de alocação.
Para terminar deixo algumas formas como podem os municípios encorajar o desenvolvimento económico e ao mesmo tempo se tornarem atrativos para investimento e consequente criação de emprego. Em primeiro lugar está a digitalização de serviços, não transformando a burocracia física em burocracia digital, mas agilizado e acelerando a tomada de decisão em processos como licenças e/ou registo de novos negócios. Seguidamente através da transformação do espaço urbano, melhorando as infraestruturas físicas, inclusive as de uso municipal e as de fruição de espaço público e mobilidade. Importa também garantir que a cidade tem múltiplos pontos de acesso à Internet, uma cidade que se queira competitiva deve garantir acesso de qualidade a todos os seus munícipes. Por fim, e porque estamos na era da transformação digital, as decisões devem ser cada vez mais tomadas com dados relevantes e obtidos via cidadãos e empresas e não apenas fechados num qualquer gabinete partidário.