Transparência salarial: O caminho da igualdade?
Por Cláudio Rodrigues Gomes, associado sénior na DCM Littler
O combate à discriminação remuneratória tem sido um dos focos da União Europeia nos últimos anos. Segundo os dados do ano de 2020, as mulheres ganham, em média, menos 13% do que os homens, por hora, o que acaba por ter um grande impacto a longo prazo na qualidade de vida das mulheres, tornando-as mais vulneráveis na exposição à pobreza. A título de exemplo, dados do ano de 2018 denunciam que a disparidade salarial entre homens e mulheres nas pensões de reformas pagas na União Europeia é de cerca de 30%.
Tendo em conta estas variáveis, foi aprovada a Directiva (EU) 2023/970 de 10 de Maio, com novas regras sobre a transparência salarial, com o intuito de poder dar aos trabalhadores a capacidade de fazerem valer o seu direito à igualdade de remuneração, entre homens e mulheres, para trabalho igual ou de valor igual.
Apesar de o direito à igualdade de remuneração entre homens e mulheres, por trabalho igual ou de valor igual, estar consagrado no artigo 157.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e na Directiva 2006/54/CE, a aplicação e cumprimento deste objectivo tem sido difícil, devido à complexidade de identificação da discriminação remuneratória, o que resulta da falta de transparência salarial existente no mercado de trabalho.
Das novas regras adoptadas na directiva relativa à transparência salarial, destacamos os seguintes temas:
– Acesso à informação: (i) Os empregadores passam a ser obrigados a informar os candidatos a emprego sobre a remuneração inicial ou sobre o intervalo remuneratório das vagas de emprego, nos anúncios e antes da entrevista; (ii) Os empregadores não podem interrogar os candidatos sobre o seu histórico de remunerações; (iii) Depois da admissão, os trabalhadores deverão ter acesso aos níveis médios de remuneração, repartidos por sexo, para as categorias de trabalhadores que realizam o mesmo trabalho ou trabalho de valor igual e os critérios utilizados para determinar a remuneração e a progressão na carreira, que devem, do ponto de vista de género, ser objectivos.
– Obrigação de comunicação de informações: (i) Os empregadores com mais de 250 trabalhadores serão obrigados a comunicar anualmente à autoridade nacional competente, a disparidade remuneratória em função do género. Já para os empregadores com mais de 100 trabalhadores e com menos de 250, deverão fazer tal comunicação de três em três anos. Ficam dispensados desta obrigação os empregadores com menos de 100 trabalhadores. (ii) Com estas informações, no caso de a autoridade nacional competente identificar uma disparidade remuneratória superior a 5% que não possa ser justificada por critérios objectivos do ponto de vista do género, os empregadores serão obrigados a tomar medidas em cooperação com os representantes dos trabalhadores para mitigar tais disparidades.
– Acesso à justiça: (i) Os trabalhadores vítimas de discriminação remuneratória em função do género passam a poder receber uma indemnização, incluindo a recuperação integral de retroactivos e prémios ou pagamentos em espécie; Por outro lado, (ii) o ónus da prova nos casos de discriminação, que por regra incumbe aos trabalhadores, com as novas regras, passa a ser um ónus do empregador que terá de provar que não violou as regras em matéria de igualdade remuneratória e de transparência salarial, sob pena da aplicação de sanções.
– Alargamento do âmbito de aplicação: A nova directiva também prevê um alargamento do âmbito dos critérios para aferição da desigualdade salarial, com a combinação de múltiplos factores como género, etnia e/ou sexualidade. As necessidades dos trabalhadores com deficiência também passam a ser tidas em conta nas novas regras.
Com estas alterações introduzidas pela directiva europeia de transparência salarial, o legislador europeu tem como principal objectivo munir os trabalhadores de mecanismos que permitam detectarem e contestarem eventuais discriminações a nível salarial. Do lado dos empregadores, acredita-se que as novas medidas podem contribuir para a sensibilização geral do problema e assim eliminar, tão breve como possível, quaisquer diferenças salariais, por forma a garantir um mercado de trabalho mais justo em toda a União.
A implementação em Portugal da nova directiva deverá ocorrer nos próximos meses, sendo a data-limite para tal o dia 7 de junho de 2026, pelo que os empregadores poderão e deverão estar em alerta para as situações de desigualdades salariais.
É assim extremamente importante que os empregadores façam um diagnóstico à sua organização a fim de apurarem se de facto existem disparidades salariais, e, na positiva, avançarem com políticas internas de mitigação do problema, garantindo mais transparência salarial, e, em consequência, uma maior igualdade.
Este momento é assim uma ótima oportunidade para o desenvolvimento de estruturas mais transparentes, que permitam uma maior igualdade salarial, mas também que demonstrem o comprometimento dos empregadores na promoção de um mercado de trabalho mais justo, o que também será fundamental para a atracção e retenção de talento.