Foco e Ruído

Por  Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Qual o recurso mais escasso e decisivo para qualquer gestor? Com base no senso comum, muitos responderão dinheiro. Outros dirão tempo. Cada vez mais académicos, com base nas suas pesquisas e investigações, e uma proporção crescente de executivos, com base no seu empirismo, respondem “foco” ou “atenção”. Ora “Foco” (Focus) foi precisamente o título do livro lançado em 2014 pelo consagrado Daniel Goleman (que popularizou há mais de duas décadas o conceito de Inteligência Emocional). O autor defende que dominar nosso foco, num mundo em que somos bombardeados por estímulos e distrações, é a chave para o sucesso profissional (e para a própria realização pessoal).

A atenção é, efectivamente, uma capacidade limitada e seletiva. É o que nos permite concentrar numa tarefa, apesar das distrações (sejam elas sensoriais ou emocionais). E elas não faltam nos tempos que correm. A internet em geral, as app’s e as redes sociais, em particular, são fontes constantes de solicitações ao nosso cérebro. Em contextos de intensidade e pressão (como a actual pandemia) o chamado FOMO (fear of missing out) leva-nos a estar permanentemente conectados para não perdermos nada de (supostamente) importante. Tudo isto dispersa a nossa atenção e leva-nos a sentirmo-nos perdidos com uma avalanche de informação que, paradoxalmente, dificulta o conhecimento.  Paralelamente, O designado multitasking, propensão muito actual, vem originar períodos de concentração mais curtos, que nos impedem de dedicar tempo a fundo numa determinada prioridade.

Entretanto, já este ano foi lançado o livro Ruído (Noise) por Daniel Kahneman, um dos psicólogos mais consagrados das últimas décadas, Prémio Nobel da Economia em 2002 – em co-autoria com Cass Sunstein e Olivier Sibony, dois experts em pensamento estratégico.  O “ruído” é encarado aqui como tudo o que afecta a consistência dos nossos processos de análise e decisão.  Estes tão fortemente influenciados por fatores individuais aparentemente inócuos como o estado de humor actual, o tempo passado desde a última refeição, o clima, preconceitos ou enviseamentos inconscientes – enfim, uma “variabilidade casual de ruído” de julgamentos. Tal é indissociável de profissões do conhecimento – desde gestores empresariais a médicos, de juízes a software developers. E o resultado materializa-se em decisões de profissionais que se desviam significativamente das dos seus colegas, de suas próprias decisões anteriores e de regras que eles próprios definiram ou afirmam seguir.

Bem sei que estes dois fenómenos, foco e ruído, são independentes. Mas não tenho grandes dúvidas que se intercruzam e, provavelmente, se reforçam mutuamente, afectando a performance humana – na empatia e gestão da relação com os outros, na comunicação e, essencialmente, na capacidade de tomada de decisões.

Soluções? Não existem, certamente, soluções únicas e milagrosas, estilo one size fits all. Cada um terá os seus caminhos para fazer face a estes desafios. Mas existirão linhas de rumo.

Com base no conhecimento gerado recentemente nas neurociências, Goleman sublinha a importância de reforçarmos três tipos de foco: interno, para a nossa autoconsciência (os nossos pensamentos, emoções e sentimentos); num segundo nível, pela empatia (focar no outro que consolida relacionamentos efectivos); e outro externo, para compreender sistemas/ contextos nos quais as organizações operam (suas variáveis e forças motrizes). Práticas como coaching ou mentoring, meditação, preparação focada e procura de emoções positivas ajudarão, certamente, neste ponto. E, adiciono eu, ter sempre consciência das variáveis que podemos influenciar e aquelas que não podemos – focando assim o nosso tempo, energia emocional e talento no que será mais útil.

Para mitigar o ruído, Kahneman propõe “auditorias” de ruído, para detectar variabilidades efectivas nos julgamentos e decisões e suas causas/ erros recorrentes. Em alguns casos, pode fazer sentido complementar o julgamento humano com alguma regra ou algoritmo (que traga ingredientes úteis ao processo). Técnicas de análise de problemas, segmentando e avaliando vários aspectos da opção, julgamentos específicos, baseados em factos e independentes uns dos outros, serão boas práticas. Não será objectivo, sublinhe-se, eliminar a sempre útil intuição humana, apenas adiá-la, enriquecendo o processo na decisão final.

Em suma, auto-consciência, foco e inteligência nos processos de reflexão, análise e decisão. Algo que necessitamos sobremaneira nestes tempos complexos.

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