
Liderança: do egossistema ao ecossistema
Por Nuno Álvaro Gonçalves, Managing partner Bee Leader
“O maior problema não é o que não sabemos, mas o que pensamos que sabemos.”
André Gide
Se perguntarmos a cem pessoas se são bons condutores, mais de 90% responderão afirmativamente. No entanto, essa estatística não bate certo com os dados sobre acidentes rodoviários nem com a percepção que temos ao conduzir nas estradas. Isso acontece porque tendemos a sobrestimar as nossas competências e a ignorar os nossos pontos cegos, um viés cognitivo que protege a nossa autoestima.
O mesmo fenómeno aplica-se à liderança. Muitos gestores acreditam que exercem influência estratégica, definem um rumo claro e garantem o compromisso das suas equipas. No entanto, quando os resultados não aparecem, a culpa costuma recair sobre a falta de recursos, a cultura organizacional ou a hierarquia. Embora esses factores sejam reais, há uma variável muitas vezes negligenciada: a autoconsciência do próprio líder.
O perigo dos ângulos cegos
A cultura organizacional molda comportamentos e pode, de facto, engolir estratégias inteiras – como dizia Peter Drucker, “Culture eats strategy for breakfast”. Mas atribuir exclusivamente à cultura as dificuldades da liderança é uma forma de isentar-se da responsabilidade individual.
Liderar não acontece no vácuo. Há sempre um contexto que influencia decisões e comportamentos. No entanto, o líder eficaz é aquele que reconhece a sua própria influência nesse sistema e desenvolve uma percepção precisa do impacto das suas acções. E aqui surge o maior desafio: a nossa mente não foi projectada para uma autoavaliação objectiva. Assim como o condutor sobrestima a sua habilidade ao volante, o líder pode ter uma visão distorcida sobre a sua própria eficácia.
A neurociência sugere que somos movidos por dois sistemas em conflito: um instinto primitivo e egoísta, focado na sobrevivência individual, e outro social e cooperativo, voltado para a colectividade. Em termos simples, somos 10% abelhas e 90% chimpanzés. No ambiente corporativo, essa dualidade traduz-se em líderes que, por instinto, podem priorizar a sua própria segurança e status, dificultando a construção de uma verdadeira cultura de colaboração.
Desenvolvendo a mentalidade científica na liderança
A boa notícia é que a autoconsciência pode ser desenvolvida. Um líder eficaz adopta um modelo mental semelhante ao de um cientista:
– Cultiva um cepticismo saudável sobre as suas próprias certezas – não assume que a sua visão da realidade é absoluta, mas procura feedback constante;
– Testa hipóteses sobre o seu impacto na equipa – observa reacções, mede resultados e ajusta a sua abordagem conforme necessário;
– Está aberto a novas perspectivas – reconhece que as suas crenças podem ser refutadas e procura uma aprendizagem contínua;
Ao adoptar essa abordagem, o líder deixa de ser apenas um ponto central de comando e passa a actuar como facilitador de um ecossistema colaborativo.
Ele cria condições para que a inteligência colectiva floresça, como acontece numa colmeia, onde cada abelha contribui para o sucesso do todo.
Transformar um egossistema num ecossistema
O grande desafio da liderança não é apenas definir estratégias ou gerir processos, mas sim alinhar diferentes indivíduos em torno de um propósito comum. Isso exige enganar o nosso chimpanzé interior e convencê-lo de que a melhor estratégia de sobrevivência não está na competição, mas na cooperação.
As organizações que compreendem essa dinâmica constroem culturas mais resilientes e inovadoras. E os líderes que cultivam essa mentalidade criam não apenas equipas mais eficazes, mas ambientes onde o sucesso individual e colectivo caminham juntos.
A verdadeira liderança não é sobre comandar um egossistema, mas sobre construir um ecossistema.