O “EU” vs o “NÓS”

Por Diogo Alarcão, Gestor

 

O Conselho Editorial da Human Resources Portugal tem vindo a debater a questão do “Eu” versus “Nós”, nos últimos meses. A questão acentuou-se primeiro com a COVID 19 e os efeitos que teve na organização do trabalho e, mais recentemente, com a atual conjuntura mundial e o que a mesma representa em termos de pressão inflacionista, aumento das dificuldades em recrutar e reter pessoas, escassez de recursos naturais e a incerteza quanto aos efeitos da guerra na Ucrânia.

Há muito que o Mundo não se deparava com tantos riscos económicos, políticos e sociais, em simultâneo. Existiram ao longo da História crises económicas, conflitos armados e catástrofes humanitárias. Mas, provavelmente desde a Segunda Guerra Mundial que não assistíamos a tantas ameaças coincidentes e com naturezas diversas. Não é, pois, de estranhar que nos perguntemos que efeitos é que este cocktail de riscos e ameaças terá a nível das organizações e das pessoas.

Parecem-me evidentes as consequências económicas e financeiras que esta conjuntura está a ter nas organizações: aumento dos custos de produção; problemas nas cadeias logísticas; escassez de matérias-primas; atrasos nos fornecimentos; volatilidade de stocks, entre muitas outras.

Mas, quais serão os efeitos nas pessoas? Assistiremos a uma redução do turnover ou continuaremos a assistir, sobretudo nas gerações mais novas, a uma elevada propensão para mudar de emprego com relativa frequência? Continuarão o Propósito e os Valores das organizações a ser fatores determinantes para a atração e retenção de talento ou será a estabilidade do emprego mais valorizada? Serão os benefícios relacionados com a poupança, como por exemplo os planos de pensões, mais valorizados? E os nómadas digitais? Assistiremos à sua extinção precoce?

Será fascinante estudar e estar atento a estes fenómenos nos próximos tempos para procurar encontrar respostas a estas perguntas. Hoje, gostaria de me aventurar na polémica sobre o “Eu” vs “Nós”. Não recorro a estudos ou questionários, mas à forma como encaro o papel da liderança nas organizações. Acredito que o “Nós” prevalecerá sobre o “Eu” não porque seja a forma natural dos seres humanos reagirem, mas porque acredito que as organizações que consigam promover esse movimento estarão mais bem preparadas para superar os desafios que têm pela frente.

A tendência habitual das pessoas, perante a ameaça e o desconhecido, é focarem-se sobre si próprias… Como posso sobreviver? Como posso evitar a ameaça? Como posso defender-me e proteger o que é meu? Como posso mitigar os receios que o desconhecido e o imprevisto me causam? Fechamo-nos sobre nós mesmos e procuramos agregar as forças, argumentos e justificações que usaremos para mitigar ou superar a ameaça que enfrentamos. Embora estas reações sejam naturais, não me parece que sejam as mais adequadas em termos de gestão, quer do próprio quer da organização.

Desde os tempos pré-históricos que os nossos antepassados perceberam que o gregarismo lhes proporcionava maior estabilidade e segurança face a uma vida solitária. Em grupo somos mais fortes, pensamos melhor e tornamo-nos maiores (a soma das partes é normalmente maior que o todo). Assim nasceram os primeiros povoados que depois deram origem a cidades, os grémios e os sindicatos, as alianças entre Estados e o federalismo, as organizações internacionais e até muitas das grandes corporações e multinacionais que existem hoje.

Se foi assim ao longo da História para realidades tão complexas como as que citei, porque não o será também nas empresas? Creio que uma estratégia assente no “Nós” é desejável e necessária nas empresas. Para tal, é necessário desde logo que as lideranças de topo e as lideranças intermédias contrariarem o instinto natural do “salve-se quem puder”. Os desafios da logística devem ser resolvidos ouvindo os comerciais e envolvendo os financeiros. A escassez de matérias-primas não é um problema exclusivo do Procurement e, por isso, deve ser preocupação da área da Produção, da Qualidade e da área Comercial. A volatilidade dos stocks não é apenas um desafio para a Tesouraria, pois tem consequências na Logística e na relação com os clientes. Embora os exemplos que apresentei se apliquem mais à indústria e distribuição, é fácil fazer a analogia com a área dos Serviços. Os desafios relacionados com os custos de produção são outros (pressão inflacionista sobre a massa salarial), as matérias-primas são outras (conhecimento, experiência, know-how), as cadeias de fornecimento são outras (fluxos financeiros, crédito, aconselhamento técnico), mas o problema é comum: perante a ameaça e o desconhecido, pensar o todo e trabalhar em modelos de interajuda são fator de sucesso. É verdade que por vezes é preciso cortar o “elefante” às fatias, mas primeiro é preciso saber o tamanho do “elefante”. É míope pensar que conseguiremos resolver os problemas por nós próprios.

Parece-me, pois, óbvio que também em ambienta organizacional devemos optar por potenciar o “Nós” e refrear o “Eu”. Desta forma, tornaremos as nossas organizações mais fortes, mais resilientes e mais robustas. Para além disso, e não menos importante, potenciar o “Nós” e refrear o “Eu” fará de nós pessoas mais solidárias e atentas ao Próximo.

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