O êxito da humildade na liderança: os líderes têm de mudar

O mundo mudou e os líderes – que são agora mais importantes do que nunca – têm de mudar. Não têm de ser excepcionais, nem saber tudo e ter todas as respostas, nem sequer ser heróis. Têm, sobretudo, de ser humildes.

 

Por Margarita Mayo, doutora em Psicologia e Gestão e professora de Liderança na IE Business School (IE University).

 

A crise da COVID-19 e o início da guerra na Ucrânia transformaram o mundo. É o momento da história da humanidade de maior disrupção, que nos veio recordar a fragilidade da nossa sociedade, dos nossos negócios, organizações e da nossa própria vida. Neste momento de mudança exponencial, há uma coisa bastante clara: os líderes são mais importantes que nunca. Paradoxalmente, é também o momento da história de maior falta de liderança. A confiança nos nossos líderes está em baixos mínimos históricos. Apenas 52% das pessoas confiam nos líderes empresariais, e a confiança nos líderes políticos ainda é mais baixa, rondando os 34%, segundo os dados do último Barómetro de Confiança de Edelman 2022. A confiança é a moeda de troca da liderança. Sem confiança, não há liderança e, sem liderança, não há mudança.

A liderança é o tema sobre o qual mais se escreveu nas ciências sociais. Estamos programados para seguir os líderes porque é neles que depositamos as nossas esperanças de que venham a solucionar os nossos problemas e aproveitar as oportunidades. Os líderes são essenciais para coordenar qualquer acção colectiva. São a cola que une a nossa sociedade para a consecução de metas comuns, alineando interesses e esforços individuais. Na nossa mente, os líderes representam a identidade social, o sentido de pertença, os valores partilhados e as metas colectivas.

Mas a liderança evolui. O mundo mudou e os líderes têm de mudar. Precisamos de uma modernização da liderança. Não é eficaz liderar com autoridade (“the chain of command”), mas com autenticidade, num espírito de humildade. Não é a posição que faz o líder, mas o respeito e a confiança que gera nas suas equipas. E a confiança ganha-se através da humildade — conhece os teus talentos, mas também as tuas limitações. O autoconhecimento é a qualidade mais importante de um líder. Temos de nos gerir a nós próprios, antes de podermos gerir os demais. Com pouco autoconhecimento, é impossível dirigir pessoas e equipas. Temos de tomar consciência de nós próprios, dos nossos hábitos e das nossas relações.

No entanto, como dizia Benjamin Franklin: «Há três coisas extremamente duras: o aço, os diamantes e conhecer-se a si próprio.» Dedique tempo a conhecer as suas competências, personalidade, valores e limitações. Em que é bom, quais são as suas destrezas? Os seus valores: o que é importante para si na vida e no trabalho? A sua personalidade: que situações lhe dão energia e vitalidade? Uma percepção equilibrada de nós próprios é o que nos permite ser capazes de ver os pontos fortes dos demais.

O que distingue os líderes humildes dos líderes narcisistas? Os líderes humildes têm uma visão equilibrada de si próprios, pedem ajuda aos outros e reconhecem os contributos dos seus colaboradores. É aí que reside o poder transformador da humildade. Um líder humilde sabe que não sabe tudo. Tem êxito porque é capaz de desenvolver e acrescer o talento de todos os membros da equipa.

 

Carácter em vez de carisma. E capacidade de aprendizagem
Os estudos demonstram que as pessoas humildes são melhores líderes. A humildade não significa falta de confiança em si próprio. Os líderes humildes reconhecem os seus pontos fortes, mas também têm consciência das suas fraquezas. Têm uma percepção equilibrada e saudável de si próprios. Celebram as suas virtudes sem exagerá-las, a ponto de se tornarem arrogantes e reconhecem as áreas deficitárias sem que, por isso, percam a confiança em si próprios. A humildade conduz ao êxito na liderança e na vida, quando acompanhada de vontade de acção. Quando os líderes demonstram humildade, em vez de se apropriarem de todo o êxito, os seus colaboradores sentem-se mais comprometidos para com as suas tarefas e a organização. A humildade é a melhor fórmula para conquistar a confiança dos outros.

Não é o carisma que faz o líder, mas o carácter. A razão por que a humildade nos conduz ao êxito é simples: capacidade de aprendizagem. A aprendizagem é um acto de humildade. O primeiro passo para aprender é ter consciência da incompetência. Para se ser um líder excepcional não é preciso saber todas as respostas, mas sim as perguntas adequadas a fazer às pessoas certas. Contudo, muitos líderes têm medo de reconhecer que não são perfeitos. Para ter autenticidade na liderança – e na vida – é preciso sentir-se bem com as suas próprias imperfeições. Ser fiel a si próprio para poder continuar a aprender e alcançar o seu máximo potencial.

No entanto, temos uma imagem glorificada dos líderes na nossa consciência colectiva. A nossa cultura habituou-nos a ter uma visão heróica da liderança, que é muito distinta da visão necessária para resolver problemas complexos neste mundo caótico. Por essa razão, tendemos a confundir grandes líderes com pessoas que depressa se revelam déspotas e egoístas. Os líderes carismáticos, mas com uma atitude narcisista, costumam ter uma grande capacidade de sedução. Ao início da relação, apresentam-se seguros de si próprios e portadores da solução fácil para os problemas a curto prazo. Surgem como salvadores para navegar o tsunami de mudança com qualidades extraordinárias. Mas a realidade é que os líderes narcisistas só se preocupam com os seus próprios interesses e, a longo prazo, trazem consequências negativas para a sua equipa e para si próprios. O fracasso dos líderes narcisistas radica na falta de atenção para com o talento dos outros.

 

A húbris mata o êxito, a humildade sustenta-o
O termo húbris deriva do grego e significa desmesura, omnipotência e arrogância. O oposto é a mesura, o equilíbrio, a sobriedade, a moderação e a humildade. Na mitologia grega, dizia-se que uma pessoa era vítima de húbris quando a sua própria soberba a levava a perder o seu pedestal de glória.

Tomemos o exemplo de humildade do tenista espanhol Rafael Nadal. Conseguiu um feito histórico com o seu 21.º Grand Slam. Muitos admiram as suas façanhas e perguntam-se: «Qual é o segrego da liderança pessoal de Nadal? Como se chega ao topo e se fica lá?» No Grand Slam, as probabilidades não estavam a seu favor. Os big data davam-lhe 4% de possibilidades de ganhar. Apesar disso – e uma vez mais –, a humildade e a perseverança venceram os dados.

Que lições podemos aprender para melhorar a eficácia dos líderes empresariais e políticos? A lição fundamental é que a húbris mata o êxito, enquanto a humildade o sustenta. Muitos dos que alcançam o êxito, sofrem do que se chama a «síndrome de húbris». Rafa Nadal claramente não padece de húbris. Não tem um ego desmedido, não demonstra arrogância, não tem uma percepção de omnipotência. O que dizem os seus próximos? Os próprios adversários e amigos, como Roger Federer (que até então era o recordista de títulos de Grand Slam, com 20 vitórias) destacam três virtudes: a ética de trabalho, a dedicação e o espírito combativo. A liderança pessoal mede-se nos momentos difíceis. Face à adversidade, alguns quebram, mas outros, como Nadal, persistem e saem fortalecidos. Tem resiliência emocional — confia nas suas capacidades e acredita em si próprio. Até Novak Djokovic ressalta o espírito combativo, a paixão e a determinação de Nadal como lutador nato que nunca deixa de acreditar em si próprio.

A lição de liderança para os quadros directivos é clara: é possível acreditarmos em nós próprios e manter o ego à margem. As pessoas humildes são os melhores chefes e têm um êxito mais sustentável. No entanto, quando têm demasiada autoconfiança, os líderes das organizações correm o risco de desvalorizar a opinião dos demais. Uma autoconfiança exagerada fá-los perder o equilíbrio e a mesura. Esse sentimento de superioridade sobre os outros impede-os de escutar os conselhos dos que os rodeiam. E, assim, pouco a pouco, vão-se alheando da realidade até que o fracasso lhes vem bater à porta. Tomam decisões demasiado arriscadas sem ter em conta outros pontos de vista. Convencem-se de que as suas ideias são as melhores e não reconhecem os seus erros. A virtude está na medida justa.

O melhor tratamento contra a húbris é pôr as coisas em perspectiva. Tomar um banho de humildade e rodearmo-nos do que nos liga à realidade. Por exemplo, Rafa Nadal soube rodear-se de pessoas que o mantêm ligado a uma realidade para lá do ténis. O tio e mentor Toni Nadal dizia: «É uma barbaridade achar-se importante por fazer passar una bola por cima da rede.»

Liderar pessoas com humildade é reconhecer que ninguém é perfeito e que o êxito depende do talento de muitos. Mostre a sua vulnerabilidade. Peça ajuda sempre que precisar e seja o primeiro a reconhecer os seus erros. Celebre os êxitos dos demais, para que todos possam brilhar com luz própria. Só assim poderá mobilizar os corações e mentes das pessoas para cumprir um propósito transcendental que vise o bem-estar colectivo.

 

Este artigo foi publicado na edição de Abril (nº.136) da Human Resources, nas bancas.

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