
Transparência Salarial: a um ano da hora da verdade
Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia
Falta menos, apenas, de um ano para a entrada em vigor obrigatória de legislação resultante da transposição da Diretiva Europeia 2023/970 sobre Transparência Salarial – o prazo de transposição termina a 7 de junho de 2026. Vários levantamentos dessa transposição indicam que a gestão de pessoas em Portugal continua atrasada nesse processo, mas uma coisa é certa: esta não é uma recomendação, é uma obrigação legal. Ignorar a sua aplicação significa expor as empresas a sanções, litígios, perda de credibilidade e dificuldades acrescidas na atração e retenção de talento, e com todas estas questões deveríamos estar preocupados.
A nova diretiva vai muito além da igualdade salarial entre mulheres e homens, entre pares e no envolvimento com todos os parceiros do negócio. Impõe às empresas a obrigação de divulgar níveis remuneratórios nos processos de recrutamento, garantir que os trabalhadores conhecem os critérios objetivos de remuneração e progressão, elaborar relatórios periódicos sobre disparidade salarial e aceitar que, em caso de litígio, será a organização a ter de provar que não praticou discriminação. Em suma, “o segredo já não é a alma do negócio”, ou, se preferir, a opacidade salarial vai deixar de ser uma opção.
Apesar da existência de legislação nacional nestas matérias, a maioria das organizações portuguesas não dispõe de práticas consistentes de análise e reporte salarial. A realidade mostra que muitas empresas continuam sem diagnóstico rigoroso das suas tabelas remuneratórias, mantêm políticas de confidencialidade contrárias ao espírito da diretiva, carecem de recursos técnicos em RH para processar dados. Como habitualmente, uma significativa parte do tecido empresarial, prepara-se para esperar pela publicação da lei nacional em vez de agir proactivamente. Infelizmente, dá ideia de que a gestão de pessoas continua a adiar o inevitável, ou a esperar secretamente que apareça uma solução milagrosa que todos salve.
O que é necessário fazer é claro e já deveria estar em marcha: mapear (rigorosamente) todos os salários e criar bases de comparação fiáveis; rever os processos, por exemplo de recrutamento, incluindo faixas salariais nas ofertas e conseguindo apurar e providenciar histórico remuneratório; definir critérios objetivos de progressão e avaliação de desempenho; elaborar relatórios de disparidade salarial mesmo que a lei só venha a obrigar, por enquanto, algumas empresas; envolver e responsabilizar gestores e líderes que decidem promoções e aumentos; corrigir discrepâncias detetadas antes de serem impostas por auditorias externas; formar tanto profissionais de RH como juristas internos para assegurar conformidade e consistência nas práticas.
O risco da inação é demasiado elevado, e a um ano da prova de que fazemos o que devemos, o tempo já é escasso para fazer bem e de forma consistente e sustentável. O incumprimento não se traduz apenas em multas, mas também em perda de reputação, enfraquecimento do employer branding e incapacidade de responder às expectativas das novas gerações que exigem transparência e justiça. Não agir é comprometer a sustentabilidade da própria organização.
A contagem decrescente é real – falta menos de um ano. A diretiva não é negociável e os profissionais e os decisores não podem continuar a protelar. É tempo de diagnosticar, preparar, corrigir e comunicar. Transparência salarial não é apenas uma questão de conformidade legal, e deve ser entendida como estratégia de negócio, justiça organizacional e requisito do futuro da gestão de pessoas. Está preparado para a hora da verdade?