Vulnerabilidade, liderança e lições da pandemia

Durante a recente fase pandémica, o estudo “Liderança digital” feito na AESE Business School, respondido maioritariamente por dirigentes antigos alunos da escola, evidenciou, entre outros, um traço surpreendente: a emergência da noção de fragilidade e de insuficiência entre os líderes.

Por José Fonseca Pires, professor responsável da área de Comportamento Humano na Organização da AESE

 

“Apanhados” por esta inédita calamidade de saúde pública com repercussões na vida de todas as pessoas, de todas as empresas e da sociedade, os dirigentes manifestaram que, nalguns aspectos, se sentiram impreparados, com mais dúvidas do que certezas, com maior necessidade de rectificar decisões tomadas. Esta vulnerabilidade, se bem entendida e enquadrada, mais do que uma debilidade que corrói a autoridade do líder, pode ser a base de uma liderança mais realista, próxima e agregadora.

Nesta última década, na literatura científica sobre liderança, temos assistido a um aumento sustentado de estudos e reflexões sobre “liderança compassiva”. O papel da compaixão como competência directiva abre perspectivas de reforço do componente humanizador e humanizante da liderança e do líder. Entende-se por compaixão, a articulação em círculo virtuoso de quatro componentes: dois mais de características psicológicas, captar e empatizar; e dois mais de cariz de gestão: entender e ajudar

Perante situações difíceis, dolorosas, stressantes, exigentes (ou seja, perante quase todas as situações…), o líder deve ter a sensibilidade de um “radar” para as captar, ser sensível a elas, assinalá-las; mas não como algo que não lhe diz respeito ou que não o impacta: pelo contrário, deve conseguir mostrar empatia, isto é, deixar que essas situações exigentes o afectem, colocando-se na pele (ou nos sapatos) de quem está a viver e a sofrer essa situação. Até aqui, os dois componentes são sobretudo psicológicos: captar e empatizar.

Mas para um líder, embora necessárias, não são suficientes. Deve acrescentar os dois componentes de gestão, entender e resolver. Primeiro entender, isto é, aplicar a razão para ir às raízes da situação, perceber antecedentes e componentes. Depois, ajudar, ou seja, tomar decisões e actuar de forma a resolver ou pelo menos minimizar a dificuldade ou o sofrimento contido na situação.

E o alvo da liderança compassiva é, em primeiro lugar, o próprio líder: a auto-compaixão. Aceitar as próprias debilidades. Não como quem se entrega preguiçosamente a um destino infausto ou a uma sina, mas antes, aceitar-se com paciência, tolerância, realismo e humildade, com a convicção e o impulso de quem quer melhorar, dando tempo ao tempo e abrindo-se também à ajuda que outros lhe possam prestar.
Depois, aplicar a liderança compassiva às equipas, à sua gente: ganhar consciência dos outros e das suas circunstâncias, promover a escuta activa que lhe permite um discernimento profundo dos problemas e dilemas dos outros, garantindo assim um clima e uma relação de segurança psicológica, valorizando as equipas e as pessoas num clima organizacional imbuído de respeito.

A liderança compassiva tem um potencial enorme na transformação das organizações: constrói relações de elevada qualidade entre os membros da organização; cria ligações interpessoais baseadas na confiança e fortalece a partilha de valores; promove o compromisso. Tudo isto permite aumentar a capacidade de cooperação e de integração na organização. Mas a liderança compassiva tem uma condição exigente: deve ser autêntica e consistente, pois de outra forma aparecerá como insincera e manipuladora.

Agora, temos diante de nós a oportunidade histórica de aproveitar as lições humanizadoras da pandemia. Porque, felizmente, também as há.

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