10 tendências que vão marcar o trabalho na próxima década

Mobilidade, flexibilidade, envelhecimento da população activa, escassez de talento, precarização do trabalho, automação e estagnação salarial vão marcar o mercado de trabalho na próxima década. Quem o diz é o Expresso, que reuniu um conjunto de especialistas para antecipar as tendências que vão marcar o trabalho nos próximos anos.

 

1. População activa será cada vez mais velha
«O envelhecimento da população activa vai acentuar-se» e esse será um dos principais motores da mudança que se antecipa para o mercado de trabalho nos próximos dez anos. É João Cerejeira, economista e professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, quem o afirma. O responsável realça que «mesmo estando a aumentar o emprego nos grupos de trabalhadores mais seniores, quando analisamos a tendência dos últimos anos, o grupo dos 35 anos continua a perder pessoas». Um fenómeno que deverá acentuar-se na próxima década e que vai colocar desafios acrescidos às empresas do ponto de vista da atracção e da retenção de talento.

 

2. Flexibilidade laboral vai intensificar-se
O sociólogo, professor e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Elísio Estanque, defende que «a tendência de maior flexibilidade e desregulação laboral vai acentuar-se». O sociólogo antecipa que a rápida evolução da tecnologia e da inteligência artificial (IA) «tornará irreversível a regressão do modelo de trabalho — com estabilidade, segurança, condições negociadas, contratação coletiva, garantias de progressão — que está já hoje ameaçado». O sociólogo acredita que a digitalização «roubará milhões de postos de trabalho na próxima década» e diz ser “incerta” a capacidade de reconversão dos profissionais. O director-geral da Randstad Portugal, José Miguel Leonardo, também alerta para os riscos ao reconhecer que a flexibilização não está a ser acompanhada pela evolução jurídica: «A lei tem de acelerar e acompanhar as tendências tecnológicas, económicas e sociais, sob pena de se criar um mercado não regulado e sem fronteiras que vive sem lei.»

 

3. O trabalho será por projectos e não por funções
«O cargo deixará de ser relevante. O papel de cada um passará a estar associado a projectos, permitindo maior flexibilidade e participação, mesmo que com responsabilidades diferentes dentro da mesma empresa», explica José Miguel Leonardo. O director-geral da Randstad Portugal explica que esta nova orientação dos profissionais perante o trabalho «resulta da adopção de metodologias de gestão mais ágeis», que serão progressivamente adoptadas pelas empresas acompanhando a velocidade dos negócios e da tecnologia. E reconhece que daqui vão surgir novos desafios para os profissionais (que somarão várias carreiras diferentes ao longo da vida) e empresas.

 

4. Não qualificados serão cada vez menos
«O emprego será cada vez mais especializado e qualificado», afirma Paula Baptista, directora-geral da consultora de recrutamento Hays. Paralelamente, a escassez de talento que já se faz sentir em áreas muito especializadas, como as engenharias ou as tecnologias, deverá acentuar-se por incapacidade de atrair os mais jovens para estas áreas ou reconverter profissionais mais seniores. O mesmo acontecerá, segundo João Cerejeira, «em trabalhos mais tradicionais e manuais que deixaram de ser atractivos para as novas gerações». O resultado será, diz Elísio Estanque, uma crescente segmentação da força de trabalho: «Teremos grupos de profissionais muito qualificados que beneficiarão desta revolução laboral, como alguns especialistas disputados pelas grandes empresas, sobretudo as tecnológicas. Haverá depois os perdedores, que serão a grande maioria da actual e da próxima geração de trabalhadores, onde se incluem os que se vão ocupar num ou em vários trabalhos precários nas plataformas digitais.»

 

5. Vão surgir novas formas de mobilidade 
O economista João Cerejeira prevê também um reforço do papel das cidades e da litoralização do país nas dinâmicas de criação de emprego. O especialista não antecipa que as regiões do interior consigam aumentar o potencial de criação líquida de emprego, salvo algumas excepções nas regiões que agregam polos académicos. Por isso acredita que a criação de emprego continuará a fazer-se sobretudo nas grandes cidades. Mas antecipa uma «redefinição do conceito de residência» que «será mais fluído e fará emergir o conceito de migração temporária (profissionais que durante a semana residem em determinado local e ao fim de semana noutro)».

 

6. Emoções vão ganhar protagonismo nas contratações
Num mundo dominado pela tecnologia, o foco das empresas vai centrar-se na contratação de perfis que reúnam as competências que não encontramos nas máquinas: as emoções. É por isso que os especialistas em recrutamento antecipam um reforço do peso das competências emocionais, em detrimento das técnicas, nos processos de selecção. Pensamento crítico e criativo, a par de outras competências que não se programam, serão, segundo Paula Baptista, cada vez mais determinantes.

 

7. Sindicatos tradicionais vão perder relevância
O economista João Cerejeira antecipa mudanças de fundo e até alguma perda de relevância do papel dos sindicatos e da negociação colectiva, como hoje os conhecemos. «Acompanhando o envelhecimento progressivo da população activa, vai também notar-se um envelhecimento das estruturas dirigentes do ponto de vista patronal e sindical», explica. Em paralelo, acrescenta, fruto das novas formas de trabalho geradas no âmbito da economia das plataformas, é expectável que venham a emergir «novos actores sindicais, formas menos estruturadas de representação sindical». O modelo actual de concertação social, realça, «pode perder relevância para novos modelos de organização sindical».

 

8. Recrutamento será tecnológico, mas liderado por humanos
À semelhança da automação de inúmeras tarefas hoje desempenhadas por humanos noutros sectores, também no recrutamento a tecnologia ganhará protagonismo. Porém, os recrutadores Paula Baptista e José Miguel Leonardo estão em sintonia na ideia de que a tecnologia melhora os processos mas não substitui o recrutamento humano. O uso de algoritmos e outras formas de inteligência artificial no recrutamento ganhará expressão, e Paula Baptista até antecipa que os dispositivos de reconhecimento de voz possam elevar o processo de procura de emprego e de selecção de candidatos a outro nível. Mas José Miguel Leonardo reforça que «a era pós-digital vai levar a que sejam questionados os limites da relação entre a tecnologia e o homem». O especialista defende que «os próximos anos serão críticos para criar as bases desta relação, definir os limites e garantir um equilíbrio sustentável» entre a tecnologia e actuação humana no recrutamento.

 

9. Estagnação salarial perdurará
«A estagnação salarial é a grande estratégia do actual sistema económico global», garante o sociólogo Elísio Estanque, que não só não antecipa grandes mudanças nesta matéria como, pelo contrário, antevê a progressiva degradação das condições salariais na próxima década. «O salário médio parou de crescer há uma década, e se, por um lado, os altos quadros ganham com a mudança tecnológica, por outro, os sectores intermédios, funcionários de classe média, e as gerações de jovens precarizados que chegam ao mercado serão as principais vítimas», reforça. O sociólogo enfatiza que a crescente ‘uberização’ do trabalho fará crescer uma geração de profissionais «sem subsídios nem protecção».

 

10. Sustentabilidade e inclusão serão pilares do recrutamento
Os profissionais serão cada vez mais criteriosos na escolha das empresas, com questões como a inclusão e a sustentabilidade a ganharem relevância. Esta tendência levará, segundo Paula Baptista, «a que muitas empresas alterem as políticas internas e espaços de trabalho para mostrar aos colaboradores que se preocupam com estes temas». Ambientes de trabalho mais sustentáveis, menos desperdício de papel, casas de banho sem género, espaços próprios de amamentação, acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida serão obrigatórios nas empresas do futuro.

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