Flash Talk: O efeito da «honestidade radical» na Gestão de Talento

Num mercado de trabalho cada vez mais volátil, ter uma cultura empresarial diferenciadora e coerente, partilhada por todos, é um factor determinante na atracção e retenção dos melhores talentos. Se, por um lado, um estilo de chefia pode entusiasmar e motivar a crescer,  por outro poderá ser tão stressante ao ponto de levar um profissional a desistir. 

 

Por Sandra M. Pinto

 

Em entrevista à Human Resources, Patty McCord, ex chief Talent Officer da Netflix e autora do livro “Powerfull”, explica como é que se pode construir uma cultura empresarial de liberdade e responsabilidade para fazer face aos desafios da gestão de talento.

A obra é inspirada no manifesto “Netflix Culture Deck”, criado pela própria, em parceria com o CEO da empresa de streaming de vídeos, Reed Hastings, há mais de 10 anos.

 

Qual é hoje o papel dos Recursos Humanos?

Comecei a minha carreira nos RH da Sun Microsystems e, depois, fui contratada pela Borland Software, na qual implementei toda uma variedade de práticas convencionais. Negociei todas as variantes de bónus tentadores. Reunia as minhas equipas para a temida temporada de avaliação de desempenho e formava os meus gestores através do processo de melhoria de desempenho. Mas, com o tempo, percebi que todas essas políticas e sistemas eram extremamente caros, demorados e improdutivos. Outra coisa ainda mais importante, percebi que tinham como premissa pressupostos falsos sobre os seres humanos, ou seja que a maioria das pessoas deve ser incentivada para se dedicar realmente ao seu trabalho, e que precisam que lhes digam o que fazer.

As “melhores práticas” que foram desenvolvidas com base nessas premissas são, ironicamente, desincentivadoras e retiram o poder aos colaboradores. O que comecei a entender de forma profunda e com um novo olhar, desde que fiz o meu caminho no mundo aguerrido das startups, é que as pessoas têm poder.  Assim, o trabalho de uma empresa não é capacitar os seus colaboradores; é recordar-lhes de que entram pela porta com pleno poder, e criar-lhes condições para que o exercitem.  Olhando para trás, esse foi o momento em que abandonei uma abordagem de RH tradicional e assumi um novo papel como COO (chief operating officer) da cultura e gestão das pessoas.

Quando aceitei a posição na Netflix, foi com a condição de que não fosse silenciada como a “senhora” dos RH; reportaria diretamente a Reed Hastings (Co-fundador da Netflix) e faria parte da equipa executiva. Isso significava que tinha de evoluir e aprender como funcionava o negócio. Apaixonei-me pela ideia de ser uma “empresária”, e já não queria ser a cara feliz da “mãe” dos RH. Também me apaixonei pela tarefa de explicar claramente a todos na empresa por que razão estávamos a tomar as decisões que tomávamos, e como eles poderiam participar da melhor forma para alcançarmos os nossos objectivos e quais seriam os obstáculos.

Um dos conselhos mais importantes que dou é garantir que a sua equipa de RH seja parceira do negócio. Tem de sublinhar que quer que esta equipa seja uma verdadeira parceira na construção do negócio. Quando coloca a sua equipa de RH em primeiro lugar, passa a não ser estranho que esta participe numa reunião da equipa de gestão ou que oriente os gestores responsáveis pela contratação sobre como fazer entrevistas ou dar feedback às pessoas.

Em vez de pensar que os RH estão lá à espera de os apanhar em comportamentos indevidos, os líderes estarão mais abertos às suas opiniões. Mas tenha a certeza de que sabem realmente como é que o negócio funciona. Conhecem os três factores determinantes para obter melhores resultados? Sabem quem são os seus quatro maiores concorrentes? Sabem qual é a tecnologia que está prestes a agitar o seu mercado? Diga-lhes. Se não querem saber, substitua-os.

Um dos maiores erros dos RH consiste em fixar métricas que não interessam. Por exemplo, a obsessão dos RH pela retenção de colaboradores. O departamento de RH deve cuidar do bem-estar dos colaboradores e, supostamente, a métrica principal desta avaliação é a retenção, no entanto, 50 por cento do trabalho dos RH consiste em dizer “adeus” às pessoas.

Também fiz questão que a equipa de recrutamento entendesse que é uma parte essencial na construção do negócio e que tinha de conhecer profundamente as necessidades do mesmo. O outro lado da moeda é que os gestores responsáveis pela contratação começaram a tratar a equipa de RH como parceiros de negócio.

Em conclusão, os RH devem ter um perfil de negócios de quem realmente compreende o funcionamento do negócio, mesmo que seja muito técnico. Devem ainda ser parceiros criativos e proactivos no processo de recrutamento.

Qual a fórmula certa para se construir um cultura empresarial de liberdade e responsabilidade?

A abordagem típica para o crescimento nos negócios consiste em recrutar mais colaboradores, aumentar a estrutura e impor mais metas orçamentais fixas e restrições. Mas a minha experiência em empresas de rápido crescimento, que foram bem-sucedidas, mostrou-me que os processos o mais optimizados possível, com uma forte cultura de disciplina, funcionavam muito melhor, se não fosse por outra razão, seria por causa da celeridade.

O ideal é que os colaboradores se encarreguem do seu próprio desenvolvimento: isso impulsiona o crescimento, quer para os indivíduos quer para as empresas. Faça planos de melhoria do desempenho que genuinamente ajudem as pessoas a desenvolver o seu desempenho ou, então, livre-se delas. A retenção não é uma boa avaliação do sucesso da construção de uma equipa. Mas ter o colaborador certo em cada posição da equipa é a melhor medida.

A honestidade radical também conduz à partilha de pontos de vista opostos, que muitas vezes são contidos e podem levar a ideias cruciais. Não dizer aos colaboradores a verdade sobre os problemas no seu desempenho conduz a um fardo indevido suportado pelos gestores e por outros elementos da equipa. Ensine os colaboradores a pedirem explicações uns aos outros sobre os seus pontos de vista e os problemas que estão a ser debatidos, em vez de fazerem suposições acerca dos mesmos.

Outro alicerce para a mudança de uma cultura bem-sucedida é a honestidade sobre os desafios e a natureza do progresso em relação ao futuro. Quando os seus colaboradores sentem que têm mais poder, mais controlo sobre as suas carreiras, ganham mais confiança. Esta confiança resultará em falarem mais,  assumirem mais riscos, recomeçarem quando cometem erros e aceitarem cada vez mais responsabilidades.

Imagine que tem uma organização repleta de colaboradores que sabem que têm poder. Pense nas melhores decisões que irão tomar e quanto mais rápido as irão concretizar. Pense em como o irão surpreender com ideias que nunca lhes poderia ter pedido. Imagine como seria se fossem mais honestos e sinceros – você com eles, e eles consigo. Tudo isto terá uma enorme influência no crescimento e sucesso do seu negócio.

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