O grande reset: as certezas, as dúvidas a total incerteza
Foi este o tema do Crossfire da XIX Conferência Human Resources, que reuniu Ana Rita Lopes (Delta Cafés), Gonçalo Rebelo de Almeida (Grupo Vila Galé), Nuno España (Lusíadas Saúde) e Pedro Ramos (TAP Air Portugal). Quatro sectores diferentes, distintamente afectados pela crise, mas com desafios que acabam por ser semelhantes.
O debate foi moderado por Ana Leonor Martins, directora de Redacção da Human Resources, e por Diogo Alarcão, CEO da Mercer Portugal, e a primeira pergunta surgiu em forma de provocação, pois alguns sectores até “beneficiaram” em termos de negócio, com o aumento da procura de determinados bens e serviços. Mas Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos do Grupo Nabeiro, destacou que a actual pandemia, ainda que por diferentes motivos, tem sido um grande desafio para todos os sectores, colocando também todos os profissionais à prova, nomeadamente os directores de Recursos Humanos. «O Grupo Nabeiro também foi colocado à prova, desde logo porque o canal Horeca foi bastante afectado, mas como já vinhamos a diversificar oferta, acabámos por conseguir, rapidamente, colocar o nosso produto na distribuição moderna e online, compensando, na medida do possível, essa quebra significativa.»
Nuno España, director de Marketing e Customer Management da Lusíadas Saúde concordou que «esta fase tem sido difícil para todas as áreas, incluindo a da Saúde, que é uma área mais sensível porque não pode mesmo parar». Mas garantiu que a forma como a Lusíadas Saúde viveu internamente a pandemia foi «genuinamente positiva», tendo havido um grupo de pessoas que imediatamente se voluntariou para estar na linha da frente, para dar resposta ao volume de trabalho. Sobre as dificuldades sentidas, apontou a mudança constante de regras enão se conseguir ver a meta e perceber se o caminho que estavam a seguir era o certo. «A grande preocupação foi responder aos desafios colocados, desde pôr as pessoas a trabalhar a partir de casa até garantir o acesso à saúde.»
Um dos sectores mais afectados pela pandemia foi sem dúvida o da aviação. Com os aviões “no chão”, foi preciso uma grande capacidade de reinvenção. Pedro Ramos, director de Recursos Humanos da TAP Air Portugal, sublinhou que se «reinventaram negócios e processos, tendo havido uma reorganização, com envolvimento dos colaboradores. Este foi um dos pontos positivos da pandemia, o negócio passou a ser redesenhado e reconstruído, envolvendo as pessoas.» Mas é inegável que «a TAP, como todas as companhias aéreas, está a viver um momento de dificuldade».
Na qualidade de administrador do Grupo Vila Galé, Gonçalo Rebelo de Almeida, reconheceu igualmente que não há como negar o impacto muitíssimo negativo desta crise provocada pela COVID-19, pois, «se os aviões estão no chão, os hotéis estiveram fechados». Não obstante, acredita que «o Grupo tem responsabilidades em voltar a dar confiança ao mercado. E acho que a pandemia não vai mudar a vida radicalmente, é uma pausa, até porque a essência da hotelaria não vai mudar.»
Vão os velhos hábitos voltar?
Reinvenção e adaptação foram as palavras de ordem e estudos já indicam que as empresas deram um salto tecnológico equivalente a dez anos. Mas mudança implica mais do que adopção de novas tecnologias. Será que a maioria das empresas, passado o risco de saúde pública, não vai mesmo voltar aos “velhos hábitos”. Pedro Ramos está convicto de que não. «Uma das coisas que aprendemos, foi a reorganização dos processos de trabalho. Deixou-se de olhar para o compromisso do horário de trabalho e passou a dar-se mais importância aos resultados; as equipas tiveram de ser reformuladas, os objectivos são mais imediatos, por isso será difícil destruir a aprendizagem que fizemos.»
No mesmo sentido, Gonçalo Rebelo de Almeida confia que «muita coisa vai mudar e que as organizações ganharam tempo, durante este período, para reflectir». Dá o exemplo do que se passou no Grupo Vila Galé, que teve sempre a equipa de Tecnologias de Informação a trabalhar e aproveitaram digitalizar alguns processos, quer na área de Recursos Humanos, quer na área de interacção com o cliente: lançaram o my vila Galé e um portal para colaboradores, «projectos que já estavam em curso mas que foram acelerados pela pandemia».
Nuno España revelou que, na Lusíadas Saúde, o desafio agora é encontrar o equilíbrio entre a área física e a área digital, ideia que de imediato mereceu a concordância de Ana Rita Lopes, que sublinhou que «o teletrabalho que as organizações foram obrigadas a fazer devido à pandemia mostrou que há coisas em que podem ser feitas de forma remota, mas o presencial tem de se manter. Mesmo as pessoas que se mantêm em teletrabalho, já não estão a 100%, porque houve necessidade de voltar a trazê-las para o escritório, para estarem pelo menos um dia com as chefias, com os colegas, com a organização… Tem que haver este equilíbrio. Não vamos voltar a Fevereiro, mas vamos encontrar modelos híbridos.
Indissociável do tema das novas formas de trabalho surge o da liderança. Iremos assistir a novos modelos de liderança, mais empáticos, como os que se foram observando no decorrer do confinamento? Nuno España não tem dúvidas de que, sendo o contexto diferente, as lideranças têm que mudar. «Acho que não vai ficar como está, mas também não vai ficar igual ao pré-covid, terá de haver um reequilíbrio», defendeu acrescentando que, durante este processo, também surgiram novos líderes, relevando capacidades que ainda não tinham tido oportunidade de demonstrar. Ana Rita Lopes corroborou esta ideia, fazendo notar que foram as lideranças intermédias que fizeram a diferença nessa fase».
Certezas e incertezas
Para concluir, foi pedido aos quatro oradores, que identificassem uma certeza e uma incerteza. Para Ana Rita Lopes, uma certeza é a incerteza, pois no actual contexto, não se consegue prever nada. «Nem se sabe onde está a meta, o que obriga a estar sempre a analisar a informação e a tomar decisões rapidamente.»
Já Pedro Ramos tem a certeza de que o papel dos Recursos Humanos está a mudar na organização. «Há novo protagonismo do RH» defendeu. «A incerteza será saber quando é que isto vai acontecer.»
Contrariando o tema da conferência, Gonçalo Rebelo de Almeita está convicto de que não deve haver um reset, pois «não se pode esquecer tudo o que está para trás». A maior incerteza é a duração da pandemia.
Nuno España concordou que a evolução da pandemia e o impacto que daí virá é a maior incerteza, sendo certo que «nada vai voltar a ser como antes. Mas que tem de haver um equilíbrio.»
Texto: Margarida Lopes