
O admirável mundo novo…do trabalho
«No meio de tanta incerteza, o mundo e, por consequência, as empresas, terão que encontrar líderes inspiradores que devolvam a confiança e a coragem».
Por Ricardo Nunes, director de Pessoas e Organização da Novabase
«Escrever um artigo nesta altura para tentar antecipar o que será, ou o que quer que seja, sobre o futuro desta, ou qualquer outra área, é a mais ingrata e falível das tarefas. Nunca o efémero esteve tão presente nas conjecturas que fazemos sobre o trabalho ou mesmo sobre as nossas próprias vidas, porque também nunca estas duas áreas estiveram tão interdependentes. No entanto, acredito que esta fragilidade que nos atinge actualmente, devido pandemia, pode, no entanto, ser a nossa maior força.
Nestes últimos seis meses, o mundo do trabalho mudou radicalmente para se adaptar a uma nova realidade que chegou para todos, sem excepção. O trabalho a partir de casa, as reuniões via Skype, Teams, Zoom, Webex, bem como a gestão familiar e pessoal, tem-nos obrigado a entrar numa nova zona de desconforto, o que nos levou, inevitavelmente, a descobrir novas soluções e a enfrentar novos desafios.
Nós, como responsáveis pela Gestão das Pessoas que fazem as nossas empresas, tivemos igualmente de encontrar respostas rápidas para novos problemas, imediatos e inesperados. A título de exemplo, pensem em coisas que até há meses eram simples tarefas, como as assinaturas presenciais de contratos, consultas de medicina no trabalho, as entregas de documentos, equipamentos, processos de contratação e atendimentos presenciais de colaboradores, formação, ou mesmo a liderança e a gestão de projectos. Tudo isto passou a ser quase impossível de fazer. Fomos obrigados, em dias, a criar alternativas eficazes, que acabaram por funcionar e produzir quase os mesmos – ou em muitos casos – melhores resultados.
Devemos, por isso, questionar abertamente, quando voltarmos a uma nova situação de normalidade, por que soluções deveremos optar: as que já utilizávamos ou as que nasceram com a crise pandémica.
Nesta fase de incerteza, estamos a ser levados, por vezes ao extremo, nas relações pessoais e profissionais. Passámos a ter mais consciência e a verbalizar medos, inseguranças, tristezas, mas também a dar mais importância às pequenas alegrias, vitórias e atingimento de objectivos.
Perante tudo isto, devemos perceber que precisamos de recorrer e integrar várias outras áreas profissionais na nossa gestão, como psicologia, wellbeing, coaching, mentoring, etc, já agora áreas que, até aqui, não eram consideradas por muitas lideranças.
Na última década, os processos de Gestão de Pessoas já estavam a transformar-se lentamente em diferentes frentes. A experiência do colaborador nas organizações já estava a ser repensada em função das novas gerações (M e Z). Os modelos de organização e de trabalho estavam a ser planeados em função da transformação digital, dos modelos de gestão agile e do conceito VUCA – Volatilidade, Incerteza (Uncertainty), Complexidade e Ambiguidade. A liderança, a ultura, e até o propósito das organizações, estavam a mudar face à evolução tecnológica, económica, política e social. Ora, tudo isto tem agora que ser repensado uma vez mais, e acelerado em conformidade com a evolução da pandemia e da crise económica e social que ela provocou.
Uma coisa é certa, vamos viver cada vez mais num modelo VUCA e ninguém – ninguém mesmo – pode reger-se por um qualquer plano fixo, rigidamente estruturado ou “sonhadoramente” certo nos tempos mais próximos.
Talvez no meio de tanta incerteza, o mundo e, por consequência, as empresas, terão que encontrar líderes inspiradores que devolvam a confiança e a coragem. Líderes que não tenham medo de errar e de assumir erros. Líderes mais humanos e que lideram pelo exemplo e pelo trabalho de equipa. E, por fim, talvez o mais importante, líderes que estejam a trabalhar muito mais para inspirar e motivar as respectivas equipas e muito menos para a gestão das suas próprias carreiras ou interesse pessoal. O julgamento destes líderes do futuro já não será feito pelas palavras ou formalismos assumidos, mas pela franqueza dos actos e ajudas que desenvolvam durante todo este processo de crise.
Em conclusão, está nas nossas mãos aproveitar ao máximo este tempo que, por ser novo e inédito, nos pode servir também como verdadeiro laboratório na gestão de pessoas.
Estar à frente de um departamento desta área, nesta época, é uma das mais exigentes e extenuantes tarefas mas, ao mesmo tempo, um privilégio único. Mais do que o receio pela incerteza, devemos estar conscientes de que o que estamos a fazer hoje vai servir seguramente para moldar a grande revolução do mundo do trabalho que agora começou.»
Este artigo faz parte do tema de capa da edição de Julho (nº 115) da Human Resources.