Entrevista a Karoli Hindriks, Jobbatical: «Respondemos à escassez de talento com imigração automatizada»
A Jobbatical é uma plataforma de automatização de processos de imigração para apoiar empresas em crescimento rápido a realocar pessoas, de forma desburocratizada e eficiente. A Human Resources conversou com a sua co-fundadora e CEO, Karoli Hindriks.
Por Tânia Reis
Fundada em 2014, no espaço de quatro anos a Jobbatical ajudou pessoas de 53 países a deslocarem-se para 37 destinos, permitindo dar novos passos nas suas carreiras. Desde que chegaram a Portugal, em Fevereiro, foram iniciados mais de 250 processos de realocação, destacando-se a Rússia, Brasil e Bielorrúsia entre os países que mais procuram o nosso país para se fixar.
Em que consiste a Jobbatical e quais as linhas orientadoras da sua missão?
A Jobbatical é uma plataforma tecnológica que automatiza o processo de imigração e realocação, eliminando o atrito da mobilidade do trabalho por meio da tecnologia. O nosso objectivo é tornar a mudança para um país novo tão fácil quanto reservar um voo. O suporte que fornecemos estende-se além de uma rede de atendimento que inclui procura de alojamento (seja em residência de curta ou longa permanência), abertura de conta bancária (facilitando as operações bancárias aos recém-chegados), registo médico (para acesso a cuidados de saúde básicos) e até mesmo o registo fiscal e apoio à educação. No fundo, tudo o que for necessário para o movimento transfronteiriço vai estar disponível na nossa plataforma.
Que balanço fazem desde o lançamento em Fevereiro?
Iniciámos a nossa operação em Portugal na Primavera passada e, desde Fevereiro, já gerimos mais de 300 casos de imigração. Foi um lançamento muito bem-sucedido: atingimos o break-even em mês e meio e alcançámos um crescimento de receita de 6 vezes em três meses, o que nos dá muito boas perspectivas.
Pode explicar, em linhas gerais, como funciona um processo de realocação?
No início, o processo de realocação funciona através de um misto de reuniões automáticas e físicas. Os documentos (cópias de passaportes, certidões, etc.) são carregados no nosso sistema, que depois prepara toda a documentação digitalmente, graças à automação que temos implementada. Os nossos especialistas em imigração orientam as pessoas ao longo do processo que, uma vez finalizado, inclui serviços de instalação e suporte à pessoa (na abertura de uma conta bancária, na gestão das obrigações fiscais e até na garantia de cuidados de saíde). Algumas vezes o serviço prevê apoio não só à pessoa que foi contratada, como à família que o/a acompanha para o novo país.
A Jobbatical trata da realocação de profissionais estrangeiros em empresas em Portugal ou também de profissionais portugueses para empresas no estrangeiro? Quais as principais diferenças nesses dois processos?
Somos o parceiro de imigração para empresas em Portugal que procuram contratações estrangeiras. Isto de forma transversal, seja para uma startup de tecnologia em rápido crescimento, seja para uma empresa tradicional.
A nossa intervenção está sempre associada a um posto de trabalho específico, ou a um conjunto de postos de trabalho, no caso da mudança de empresas para outro país. Cada vez mais vemos colaboradores que se movimentam também como nómadas digitais, o que em geral constitui um movimento mais temporário.
Quais considera ser os maiores desafios/barreiras no processo de realocação de trabalhadores em Portugal?
De uma maneira geral, o processo português para a obtenção de um visto demorava cerca de 60 a 90 dias (incluindo a preparação de documentos, a apresentação do visto e a espera do resultado). No entanto, o tempo de espera para a realização das entrevistas não está incluído e pode ir de uma semana a vários meses, devido à falta de marcação disponível nos consulados portugueses ou agências de vistos – embora aconteça mais em países onde a procura é elevada (Brasil, Índia, Rússia, Bielorrússia e Estados Unidos da América).
Uma vez emitido o visto, o talento viaja para Portugal e pode começar a trabalhar. No entanto, para converter o visto em autorização de residência, o processo pode voltar a demorar de três a cinco meses de espera por marcação, sempre que existam vagas disponíveis.
O processo de imigração começa sempre no país de cidadania ou residência legal do profissional, o que não é eficiente, pois limita o processo à capacidade de trabalho do consulado. Além disso, os prazos legais de processamento nem sempre são respeitados – 30 dias por lei para um trabalhador altamente qualificado, porém, é comum levar de 45 a 90 dias apenas para a emissão do visto.
Acrescem os requisitos legais com muitas “áreas cinzentas”, que às vezes levam a entendimentos diferentes dentro dos consulados – requisitos e especificações de documentos geralmente variam de consulado para consulado, o que cria obstáculos a uma movimentação rápida do talento.
De forma resumida, os requisitos legais e as questões burocráticas são as maiores barreiras à realocação de trabalhadores em Portugal.
Que soluções poderiam melhorar este processo?
No início deste mês surgiram boas notícias que, acreditamos, ajudarão em alguns dos desafios que Portugal enfrenta. Foi aprovado um novo regime de entrada de estrangeiros (lei 18/2022 de 25 de Agosto), que prevê a existência de um visto de seis meses para um trabalhador procurar trabalho no país. Adicionalmente, a nova ferramenta acaba com o regime de quotas para a contratação internacional e atribui um visto de residência ou estadia temporária para os nómadas digitais que exerçam actividade para empresas localizadas fora de Portugal, o que significa que o país está a acompanhar a tendência e a flexibilizar que população estrangeira preencha lacunas do mercado interno de trabalho.
Existe ainda a possibilidade de os familiares solicitarem o visto de família em simultâneo com o profissional, o que lhes permite viajar para Portugal ao mesmo tempo, assim como uma nova categoria de visto para cidadãos de países de língua portuguesa (CPLP). Os profissionais candidatos a vistos de procura de emprego ou vistos da CPLP deverão beneficiar de condições de qualificação mais simples e também tenham os seus vistos concedidos de imediato, o que reduzirá significativamente os tempos de espera para embarcar talento internacional em Portugal. Esta é uma melhoria significativa no processo e que, esperamos, ajude as empresas portuguesas na competição global por talento.
De que forma a automatização veio beneficiar estes processos?
Ao fazer a transição da “papelada” (muitas vezes confusa) para o digital, a tecnologia impacta grandemente a rapidez e a agilidade dos processos de imigração. Além disto, imagine-se quanto papel (e, portanto, árvores) podemos economizar tornando o processo digital!
Evitar que as pessoas tenham de fazer viagens desnecessárias para resolverem questões burocráticas facilita tudo a toda a gente. Os formatos tradicionais são o oposto de se pensar além-fronteiras… A Jobbatical liberta tempo aos empregadores para fazerem mais contratações e contratações melhores. E, ao fornecer às empresas em todo o mundo uma ferramenta para lidar com a escassez de talento, a nossa solução torna as realocações económicas – e agradáveis.
A escassez de talento é global. Das eventuais soluções para contornar essa situação, a realocação de profissionais do exterior é a mais eficaz?
Sem dúvida que sim. O talento existe e está disponível para acrescentar valor noutras geografias – só precisa de ajuda a ultrapassar todos os desafios que se colocam à sua entrada.
Quais as áreas e sectores empresariais que mais vos procuram?
As empresas de tecnologia são muito importantes para nós, uma vez que, para competirem no mercado global, apresentam algumas das maiores necessidades de realocação. Também trabalhamos lado a lado com governos, para tornar os processos de imigração mais fáceis e rápidos. Portugal, neste aspecto, ainda tem muitas oportunidades para melhorar! Mas, virtualmente, todas as empresas de crescimento elevado são possíveis clientes da Jobbatical. Nunca como hoje a escassez de talento prejudicou tanto as empresas e também nunca como agora as pessoas se mudaram tanto globalmente. Quando pensamos que, todos os anos, cerca de uma em cada 30 pessoas faz uma mudança internacional, com dois terços a optar por desembarcar na Europa e nos Estados Unidos da América, vemos a necessidade de um bom apoio neste domínio.
Por que razão procuram as empresas profissionais de outros países? Acredita que se deve unicamente à procura dos melhores talentos ou a uma estratégia de promoção da diversidade?
Por todas as razões e mais essas. De acordo com dados da plataforma de recrutamento Monster, 86% dos candidatos valorizam fortemente a diversidade, a equidade e a inclusão no local de trabalho. Adicionalmente, 62% das pessoas admitem que recusariam uma oferta de emprego se a cultura da empresa não apoiasse uma força de trabalho diversificada, o que nos diz bastante sobre a atitude das pessoas em relação a empresas que não fomentam ambientes abertos ou que não integrem a diferença.
Também podemos analisar a imigração na perspectiva de um privilégio que as empresas estendem aos colaboradores como forma de incentivo e motivação. A adaptação a um ambiente novo é sempre algo desafiante, que aguça a curiosidade e gera crescimento. Nessa medida, a realocação de pessoas entre localizações das empresas também funciona como um benefício, em favor da retenção de talento.
Num cenário de modelos híbridos de trabalho, os processos de realocação são sinal de que as empresas preferem um modelo mais tradicional?
O modelo de trabalho híbrido, na verdade, expandiu o significado de realocação, pois existe um novo tipo de realocação criado pelo nomadismo digital. Há cada vez mais empresas que permitem que os funcionários trabalhem do país que quiserem, mesmo que a empresa não tenha um escritório lá. Portanto, o modelo híbrido está, realmente, a expandir a realocação além do modelo tradicional. Eu certamente não acho que isso seja sinónimo de um retrocesso para um modelo mais tradicional – tanto a agilidade quanto a flexibilidade vão continuar a ser altamente valorizadas pelos funcionários e as empresas estão muito conscientes disso. Para atrair e reter talento, as empresas precisam de fornecer flexibilidade, para que o talento escolha onde quer trabalhar – alguns podem querer mudar-se para onde o escritório está localizado, outros quererão explorar os seus locais de sonho. Somos seres sociais, que precisam de contacto e relacionamento para crescer, por isso os processos de realocação são também um investimento na cultura organizacional.
Estando a Jobbatical presente em vários mercados e países, que principal diferença identifica no mercado português comparativamente com os restantes?
Portugal é um mercado muito interessante para empresas que procuram crescer e expandir-se. Aspectos como a ética de trabalho dos recursos, que é bastante forte, os altos níveis de educação e as condições culturais e climáticas únicas que fazem do país um vencedor na corrida global pelo talento.
Que tendências acredita que marcarão o futuro do recrutamento?
O crescimento que temos visto em todos os países em que a Jobbatical está a entrar indica que a tendência de procurar perfis para preencher cargos altamente qualificados não só vai continuar, como aumentar. À medida que mais empresas recorrem a capacitadores como nós para preencher lacunas de talento, mais “pressão” é exercida sobre países com políticas menos digitalizadas para se actualizarem e se tornarem mais competitivos. Os movimentos do talento vão afectar o sucesso ou o fracasso das economias e os países incapazes de atrair talento não conseguirão vencer a competição global.
Acho que aspectos como a diversidade, equidade e inclusão no local de trabalho também se vão tornar cada vez mais prementes nos programas das empresas, pois elas têm muito a ganhar com a variedade de origens, capacidades e formas de pensar sobre os desafios. Sou uma grande defensora da cultura add vs cultura fit, pois é a cultura add que traz ideias, perguntas e experiências que vão ajudar a organização a crescer. Quando começámos a Jobbatical, a nossa primeira contratação viajou de Buenos Aires para Tallinn. Estou certa de que contratar globalmente tem sido a chave para estarmos onde estamos hoje como empresa.