Sabe o que mais pesa na hora de decidir ficar numa empresa ou aceitar um novo desafio profissional? Este estudo dá a resposta (e ainda cinco dicas para as organizações se aproximarem das suas pessoas)
Depois da estabilidade no emprego, a marca e a reputação das organizações são agora a segunda razão para as pessoas aceitarem um novo desafio profissional ou manterem-se nas funções desempenhadas neste momento, a que se junta uma crescente valorização por modelos de trabalho mais flexíveis, que permitam um verdadeiro equilíbrio entre vida profissional e pessoal. A conclusão é do estudo “Global Talent Trends 2022-2023 – The Rise of the Relatable Organization”, promovido pela Mercer.
Perante este contexto complexo, as organizações mais autênticas e humanas, promotoras de valores cívicos e que ofereçam espaço para um maior envolvimento directo dos colaboradores estarão em melhor condição para atrair e reter talento num mercado de trabalho em transformação depois das contingências da pandemia.
O estudo sinaliza que o fenómeno da “Grande Demissão” trouxe consigo uma mudança significativa ao nível das expectativas e prioridades dos colaboradores, sendo que, em Portugal, a demissão silenciosa (“quiet quitting”) e a demissão voluntária (voluntary resignation) constituem tendências crescentes.
Este desafio leva a que muitas empresas repensem a sua estratégia e redefinam prioridades. Neste sentido, o estudo destaca quais deverão ser as prioridades a nível da estratégia de Pessoas e Recursos Humanos, área que deve assumir cada vez mais uma posição relevante no planeamento e gestão estratégica das organizações: foco no desenvolvimento da cultura organizacional; impacto nos resultados do bem-estar total; redesenho do trabalho e/ou da empresa; possibilitar novas formas de trabalho; promoção da diversidade, equidade e inclusão.
De acordo com o estudo, quatro em cada cinco executivos acreditam que as agendas das pessoas e das empresas nunca estiveram tão interligadas, o que evidencia a importância de uma maior abertura por parte das empresas na empatia e relação com os seus colaboradores.
Com base nas opiniões de mais de 13 mil executivos, líderes de recursos humanos e colaboradores originários de 25 regiões globais (incluindo Portugal) e de 25 sectores de actividade distintos, o estudo identifica cinco tendências para construir uma organização mais próxima das suas pessoas num ambiente de risco acrescido.
Conheça-as aqui:
1. Reiniciar para a relevância
As empresas têm operado, desde o início de 2020, em modo de crise, reorganizando-se de forma a prosperar num contexto cada vez mais competitivo e disruptivo. Agora, o grande desafio passa por manterem-se relevantes, ou seja, ter a capacidade de se adaptar à mudança das expectativas dos clientes, colaboradores e investidores. Isto exige uma redefinição de prioridades e um novo modelo de trabalho que seja adaptável, que permita uma maior conexão das pessoas com o trabalho e que redesenhe a experiência de talento. As organizações que falam sobre os seus valores, através do propósito organizacional, da sua cultura, dos seus processos e estratégias de investimento, relacionar-se-ão melhor com os seus stakeholders e estarão melhor posicionadas para obter resultados de negócio positivos.
Os dados revelam também que a segurança é um dos factores-chave para a retenção de talento. Em Portugal 69% das empresas inquiridas afirmam garantir aos seus colaboradores um salário condigno que lhes permita fazer face ao aumento da inflação. Contudo, os dados indicam que 50% não contemplam a segurança dos chamados gig workers (colaboradores em regime temporário por projecto e/ou objectivos). Ainda assim, o estudo revela que 83% mantêm um padrão mínimo de cuidados de saúde para todos os colaboradores.
Quanto às questões relacionadas com as temáticas ESG, o estudo destaca as três actividades que têm maior expressão em Portugal, nomeadamente alicerçar os objectivos ESG e alinhá-los ao propósito da empresa; incorporar o ESG na agenda de transformação mais ampla; integrar as métricas ESG nos modelos de avaliação de executivos.
2. Trabalhar em parceria
O estudo revela que as pessoas já não querem trabalhar para uma empresa, querem trabalhar com a empresa. Quase todos os executivos (96%) afirmam que estamos num mercado de trabalho centrado nas pessoas e 70% dos profissionais de Recursos Humanos prevêem um turnover superior ao normal este ano – sobretudo no que diz respeito aos colaboradores mais jovens e aos que estão no espaço digital.
Trabalhar em parceria significa reavaliar a relação colaborador-empregador. As organizações mais próximas dos seus trabalhadores valorizam a «parceria» em detrimento da «liderança», estando a fazê-lo ao evoluir as suas estratégias para modelos sustentáveis de futuro de trabalho. Em Portugal, 48% das empresas estão a definir novas directrizes que permitam melhorar a eficácia da colaboração, sendo que 31% afirmam estar a envolver colaboradores de diferentes grupos, de forma a promover a cocriação de um modelo de trabalho mais flexível.
Com o aumento da preocupação relativa a uma eventual recessão económica, aumenta também o foco das empresas nas políticas de benefícios. De acordo com o estudo, 38% das empresas estão a investir em benefícios extrassalariais a fim de evitar o aumento dos salários. Por sua vez, 31% estão a implementar um ajuste do paymix remuneração/bónus. Cerca de 25% das empresas recorrem apenas à atribuição de bónus, pretendendo evitar compromissos a longo prazo, 25% estão a implementar aumentos ajustados ao custo de vida, sendo que 25% apenas procede a ajustes no caso de colaboradores com um salário abaixo da média.
3. Proporcionar o bem-estar total
A pandemia expôs e agravou as lacunas de saúde e finanças entre diferentes grupos populacionais, sublinhando que a acessibilidade e os baixos custos dos cuidados de saúde não são suficientes. Mudar o foco da redução dos custos relacionados com a saúde para a optimização do investimento, de modo a que as pessoas permaneçam saudáveis e empenhadas, é fundamental para a sustentabilidade social.
Uma impressionante percentagem de colaboradores (81%) sente estar em risco de burnout durante este ano (em comparação com o número já preocupante de 63% em 2020). Os colaboradores afirmam que a principal razão para o burnout é o facto de não se sentirem suficientemente recompensados e reconhecidos pelos seus esforços. O bem-estar dos colaboradores e iniciativas associadas é percepcionado pelos executivos como o tema relacionado com pessoas que irá proporcionar o segundo maior ROI nos próximos dois anos (seguido da requalificação).
Actualmente, verifica-se um compromisso cada vez maior com o investimento numa estratégia de bem-estar holística e universal. Em Portugal, 98% das empresas inquiridas dizem estar focadas em melhorar as suas políticas de benefícios, tendo como objectivo promover uma melhor atração e retenção de talento e o compromisso dos colaboradores.
De forma a proporcionar o bem-estar total, as empresas portuguesas estão a adoptar diversas medidas, nomeadamente:
- 10% estão a investir em novos planos de saúde e de risco (integrando novas linhas de cobertura, por exemplo);
- 27% oferecem acesso on-demand a cuidados de saúde virtuais na área da saúde mental;
- 31% estão a redefinir modelos de trabalho, de forma a contribuir para o bem-estar dos colaboradores (definindo horários de trabalho realistas, estabelecendo dias sem reuniões, reduzindo a complexidade e promovendo um ambiente de trabalho positivo e uma cultura de confiança);
- 31% estão a melhorar a política de benefícios de colaboradores “móveis” (expatriados e nómadas digitais, por exemplo);
- 38% pretendem expandir este ano a sua política de benefícios, de forma a apoiar todos os colaboradores;
- 75% estão a investir mais em plataformas digitais para apoiar a administração e a comunicação dos benefícios;
- 79% disponibilizam algum tipo de apoio à saúde mental dos colaboradores, mas apenas 15% contemplam recursos de gestão de crises após um evento traumático;
- 90% estão a alinhar os seus benefícios com os valores, objectivos e cultura da empresa.
4. Construir para a empregabilidade
A pandemia impulsionou ainda mais a corrida das empresas para a requalificação. No entanto, em muitos casos, as iniciativas de requalificação não foram conduzidas em alinhamento com a estratégia a longo prazo da organização. Neste sentido, o estudo destaca a importância de contemplar todo o ciclo de vida do colaborador, desde a contratação à sua saída.
Assim, torna-se fundamental a redefinição da agenda de competências para satisfazer as necessidades actuais e futuras de talento (Planeamento), analisar a oferta interna e externa (Avaliação), adequar as pessoas certas às funções certas (Implementação) e desenvolver talentos, proporcionando o devido reconhecimento pela aquisição de competências (Desenvolvimento).
Partindo destas quatro dimensões, o estudo destaca um conjunto de medidas que estão a ser adoptadas pelas empresas, sublinhando que os modelos baseados nas competências estão a permitir às organizações captar talento de forma mais flexível e explorar vastos e diversificados grupos de talentos.
Planeamento
- 36% têm planos estratégicos de força de trabalho que quantificam as lacunas de competências/necessidades;
- 54% diferenciam quais as competências que podem ser desenvolvidas vs. adquiridas.
Avaliação
- 48% compreendem as competências da força de trabalho que possuem actualmente;
- 31% utilizam ferramentas psicométricas para medir o potencial.
Implementação
- 21% têm um marketplace de talento interno para facilitar a partilha de talentos;
- 27% incluem projectos de curto prazo enquanto parte da mobilidade de talentos.
Desenvolvimento
- 25% têm programas eficazes de up/reskilling, de forma a prepararem os colaboradores para novas áreas;
- 65% incentivam os colaboradores a aceitarem oportunidades de aprendizagem baseadas nos seus objectivos profissionais/de qualificação.
5. Aproveitar a energia colectiva
A pandemia acelerou a adopção de novas tecnologias, de novos modelos de negócio e de métodos modernos de trabalho. Ter passado por este nível de mudança num período temporal curto, para além da fadiga causada por esses acontecimentos, teve um custo elevado. A nível global, a percentagem de colaboradores que afirmam sentirem-se com energia e dinâmica diminuiu significativamente, de 74%, em 2019, para 63%, em 2022, o nível mais baixo dos sete anos de história deste estudo. Ainda assim, ao mesmo tempo, os colaboradores estão mais optimistas quanto ao que o futuro lhes reserva, quando lhes é pedido que descrevam o futuro do trabalho, a principal resposta (51%) é que esperam que este seja mais equilibrado, com mais tempo para a família, hobbies, saúde e aprendizagem.
Em Portugal, os líderes de Recursos Humanos estão ainda muito preocupados com as diversas prioridades que distraem as pessoas (50%), a falta de capacidade da força de trabalho e de competências futuras (35%) e o declínio na confiança e motivação dos colaboradores (30%). Perante este panorama, o estudo sublinha a importância de alinhar os processos de transformação com uma forte estratégia centrada nas Pessoas, de forma a maximizar a energia dos colaboradores, o seu empenho e alinhamento.
Para responder a este desafio, as empresas portuguesas estão a implementar diversas medidas:
- 65% está a construir uma cultura que permita os seus colaboradores sentirem-se confortáveis e à vontade, dando espaço à sua autenticidade;
- 60% está a investir na formação para permitir uma utilização eficaz das ferramentas de colaboração;
- 40% pretende ser transparente na forma como implementa novas tecnologias (incluindo inteligência artificial/automatização);
- 40% está a apostar no redesenho do trabalho com o bem-estar enquanto resultado;
- 27% pretende ajudar as pessoas a estabelecer limites e a gerir a sua energia.
Face aos resultados do estudo, a Mercer recomenda às empresas que se tornem mais humanas, ouvindo atentamente todos os seus stakeholders e redefinindo a cultura e os modelos de trabalho, de forma a corresponder às expectativas dos colaboradores e promovendo, assim, um ambiente mais flexível e resiliente.