Escassez de pessoas e de competências? A solução pode estar em olhar para “dentro de casa”. E ao recrutar fora, garantir o alinhamento de expectativas

O último painel da XXV Conferência Human Resources Portugal, que decorreu ontem no Museu do Oriente em Lisboa, teve Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, à conversa com Erica Pereira, directora da Randstad Professionals, Maria Kol, HR Country Lead da Cisco, sobre o tema “Afinal quem manda aqui – escassez vs competências vs (des)equilíbrio interno”. Se as empresas olharem para o talento que têm “em casa” e o potenciarem, e, por outro lado, garantirem o fit dos candidatos com a cultura organizacional, é meio caminho andado para que o “casamento” corra bem.

Por Tânia Reis | Fotos NC Produções

 

Tendo como ponto de partida a escassez de talento, já existente num período pré-pandemia e agora agravada pela globalização do mercado de trabalho, é indiscutível que temos um mercado candidate driven, que confere maior poder negocial aos candidatos? Foi por aí que se começou.

 

Erica Pereira recorda que já antes da pandemia haviam começado a sentir um pouco essas alterações, que se intensificaram no pós-pandemia, até porque as empresas procuram «aquele modelo de talento estandardizado», ou seja vão« tentar buscar os alunos que vêm de uma Católica» e considera importante olharmos à volta e percebermos que «há muito bom talento que pode vir de outras universidades, que têm outro tipo de conhecimentos». E esse é o papel da Randstad papel, «mostrar que há uma escassez de talento, mas também perceber do lado das empresas como é que vamos conseguir atrair outra tipologia de candidato».

Maria Kol concorda com a escassez de talento, e reforça que é preciso definir uma estratégia para enfrentar esse desafio. No caso da Cisco, foca quatro pontos essenciais. Primeiro na definição desta estratégia é importante olhar para o pacote remuneratório, principalmente na área tecnológica, onde há grande competição na parte remuneratória. Assim, fazem «uma aferição do mercado de forma periódica, duas vezes por ano, onde tentamos entender quais as faixas salariais que estão a ser praticadas no mercado e onde vamos tentando ajustar as nossas faixas e referências internas». Do ponto de vista da cultura, «parar de trabalhar esse tema não é uma opção. Há 13 anos que somos melhor empresa para trabalhar, nos últimos dois estivemos em primeiro lugar. Isto é um resultado, mas requer um caminho, extremamente exigente para nos mantermos relevantes e no pódio.» Do ponto de vista do candidato e do colaborador, ainda que haja escassez, «não vale tudo». Ou seja, na Cisco tentam «dar um pacote remuneratório justo e competitivo, mas depois há que também entregar a performance e resultados».

Outra solução, apontada por Erica Pereira é procurar resolver esse tema internamente através do upskilling, ou seja «tentar encontrar estas competências internas», para não ter de «ir tantas vezes ao mercado» e é um factor que as empresas estão cada vez mais a tentar gerir e que a Randstad faz questão de trabalhar num primeiro contacto com os seus clientes. «Vamos olhar primeiro para dentro, perceber se efectivamente existe alguém que possa ocupar esta função, alguém que até possa não estar imediatamente preparado, mas que possa existir um caminho, uma formação que a ajude daqui a seis meses ocupar essa função.

 

Reter talento é também uma forte aposta na Cisco, que, quando verifica que «existem pessoas que podem cair abaixo da faixa salarial que entendemos ser justa, automaticamente essas pessoas são puxadas para cima».  Alem disso existe todo um «processo de compensação e reconhecimento», através de «promoções, progressões, bónus, dar acções da empresa», entre outros de forma a tentar «criar mais uma vez esse limite entre o que é sensato justo e o que não é e que está alinhado com a performance e o desempenho».

Também do lado dos profissionais há disponibilidade para aprender coisas novas e mudarem de funções, eu ao questionarem e desafiarem as empresas pode ser «um mote para as empresas olharem mais internamente», defende a gestora da Randstad.

Ainda que Maria Kol concorde que é típico de gerações mais novas, defende que «a solução passa pela transparência e comunicação e as pessoas saberem que, se estão a vir trabalhar para esta a Cisco, sabem perfeitamente quais são as “regras do jogo” e se decidirem ficar têm de jogar segundo as regras que nós temos».

Um outro desafio sentido pela tecnológica passa pelo preenchimento das várias posições abertas. «Em Portugal tivemos um crescimento enorme, em 2018 éramos cerca de 500, hoje somos cerca de mil, portanto é um desafio grande de contratação e para a nossa área de recrutamento.»

Também o tema do upskilling é fundamental «para motivar as nossas pessoas e não só. Um programador, um cientista de dados de há cinco anos tinha competências e conhecimentos completamente diferentes daqueles que hoje são exigidos por esta área, portanto é necessária a constante renovação de competências e conhecimento»  E fazem-nos sempre numa perspectiva de crescimento. «Não gostamos de dar as qualificações pela formação, gostamos que seja consequente, que os nossos colaboradores saibam que se percorrerem determinado caminho isto vai ter uma consequência e um efeito positivo nas suas carreiras, seja de mudança de função, de responsabilidade, de liderança de uma equipa e isso para nós é importante. O programa Buddy System por exemplo promove a aprendizagem de novos colaboradores com outros que estão na Cisco há mais tempo.

Sentindo uma grande responsabilidade de formar as pessoas e criar o mercado de que precisamos, trabalham muito com escolas, universidades e parceiros e apostam em iniciativas de responsabilidade social «que só a nós beneficia e que torna o mercado menos escasso».

E esta proposta de valor global é largamente valorizada, confirma Erica Pereira, e o salário não surge nas questões iniciais, mesmo naqueles candidatos que não estão à procura de trabalho e são abordados pela Randstad. A flexibilidade tem grande peso, a velocidade na tomada de decisões e o papel na chefia são pontos fulcrais para os actuais candidatos. O potencial de futuro, princípios e cultura da Cisco são, para Maria Kol, os factores mais valorizados.

Quanto às competências, ambas concordam que há escassez tanto de soft como hard skills, mas as soft skills são mais valorizadas, uma vez que as hard são mais facilmente “treinadas”, o importante é que as soft skills estejam alinhadas com a cultura da empresa.

Por fim, para ambas as profissionais, o foco tem de estar num equilíbrio de “forças”. Não vale tudo, nem para o lado das empresas nem para o dos candidatos. Pelo que a solução passa por colaborarem de braço dado. A empresa tem de ter a sua estratégia bem definida e alinhada, realista perante as tendências actuais do mercado de trabalho e das empresas do sector, com uma comunicação clara e transparente. Do lado do candidato deve ter também uma clara noção do que pretende e qual o caminho que quer seguir e do que está disposto a abdicar ou não.

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