Gonçalo Saraiva Matias, FFMS: «A única forma de estancar o défice demográfico» é a imigração.

Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e keynote speaker da XXVIII Conferência Human Resources que teve lugar ontem, no Museu do Oriente em Lisboa, defende que «a única forma de estancar o défice demográfico, a curto ou médio prazo, é a imigração».

 

Sob o mote “A demografia como desígnio nacional”, começou por dizer que «há um envelhecimento crescente da população europeia e, dentro da população europeia, da população portuguesa. Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo e o segundo da Europa, a seguir à Itália, o que tem vários impactos. Portanto, estamos numa situação de claro envelhecimento da população, tendo diversas consequências de que já falarei.»

Gonçalo Saraiva Matias apresentou um índice da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que mostra o número de indivíduos em idade activa por cada pessoa idosa. E salientou que «há uma comparação entre 1960 e 2020. E vemos que Portugal tem uma queda muito grande nesta relação entre indivíduos em idade activa por cada pessoa idosa.»

O presidente da Fundação frisou ainda que «não é por acaso que este índice se chama sustentabilidade potencial, porque é um índice que revela a sustentabilidade do País, ou seja, a relação entre os jovens e os idosos, entre aqueles que estão em idade activa e aqueles que não estão em idade activa, e nessa relação consegue-se encontrar o futuro da sociedade. E há esta relação desequilibrada, uma pirâmide demográfica invertida, que põe em causa a sustentabilidade enquanto sociedade.»

Os dados apresentados mostram que a partir de 2009, morrem mais pessoas em Portugal do que nascem. Todos os anos, os saldos naturais são saldos naturais negativos. Isto não era assim em 1980, pois havia uma diferença significativa entre o número de nascimentos e o número de mortos todos os anos, o que contribuía para o crescimento da população. Contudo, esta curva inverteu-se em 2009 para não voltar aos valores anteriores.

Verificam-se desde 2009, consecutivamente, saldos naturais negativos. Em alguns anos, como 2020 e 2021, particularmente negativos devido obviamente à pandemia. Nos dois últimos anos, houve uma ligeira inversão, mas que não é, de modo nenhum, suficiente para a curva voltar a cruzar e para podermos ter um saldo natural positivo. Assim, continuam todos os anos a morrer mais pessoas do que nascem em Portugal.

 

Como se explica este fenómeno
O presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos fez notar ainda que o envelhecimento da população tem várias explicações, algumas delas positivas. «Uma das explicações para o envelhecimento da população é o aumento da esperança de vida. Em 1970, era de 67 anos, e em 2021 passou para 81 anos. Ou seja, uma das conquistas das cinco décadas da democracia é justamente o aumento da esperança de vida. Isto é algo de positivo, mas evidentemente tem consequências. Uma dessas consequências é o envelhecimento da população.»

E alertou «se é verdade que Portugal se encontra na média europeia da esperança média de vida, ou seja, é um dos países onde se vive mais tempo, também é verdade que os últimos anos de vida são com pior qualidade do que em outros países. É algo a que temos de dedicar atenção, porque se as pessoas vivem mais tempo, também é verdade que os últimos anos de vida são vividos com pior qualidade, e isso deve ser acautelado.»

Por outro lado, há cada vez menos nascimentos. Em 1970, cada mulher tinha média de três filhos. Em 2021, cada mulher tem em média 1,4 filhos, «o que não permite, como é evidente, substituir a geração anterior. Tudo o que seja abaixo de dois não permite a substituição da geração anterior, contribuindo para uma natalidade negativa», explicou Gonçalo Saraiva Matias.

Em 2001, o número de pessoas com 65 ou mais anos ultrapassou o número de crianças e jovens com menos de 15 anos, e a curva está cada vez mais a afastar-se. Actualmente, há duas vezes mais seniores do que crianças e jovens em Portugal, «o que significa que há uma pirâmide demográfica invertida em Portugal. A lógica da pirâmide demográfica é ter uma base mais alargada e depois um topo menos alargado, e Portugal está exactamente ao contrário, ainda um pouco mais alargada a meio, mas o topo da pirâmide é maior do que a base da pirâmide. Há muito mais seniores do que jovens em Portugal», fez notar o responsável.

Sobre as consequências deste envelhecimento nas contas públicas, o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos referiu haver uma estimativa que aponta para um custo de 27% do PIB até 2050. E alertou que «isto tem a ver com vários aspectos, mas talvez o mais evidente, e o mais preocupante, é o da sustentabilidade da segurança social e em particular do sistema de pensões. Se há uma pirâmide demográfica invertida, com muito mais idosos do que jovens, é evidente que, no futuro, não haverá possibilidade de pagar as pensões.»

Aliás, as projecções da Fundação Francisco Manuel dos Santos apontam para que se possa chegar em 2050 a 1,5 activos por inactivo, o que significa que cada português teria de pagar praticamente uma pensão. E a esse propósito, o responsável lançou uma pergunta: «Se pensarmos que os salários médios em Portugal andam à volta dos 1600 euros, como é possível que cada português no futuro tenha de ganhar para o seu salário e ainda para suportar a pensão de quase outra pessoa, ou praticamente toda, uma vez que o rácio será praticamente de 1 para 1 ou de 1,5 para 1?»

E acrescentou: «Isto, tendo em conta que, como é sabido, o sistema de pensões português é um sistema redistributivo, não é um sistema de capitalização. E isso significa que foi criado e concebido na base dos descontos daqueles que trabalham para aqueles que recebem. Por isso, se há uma redução drástica daqueles que trabalham e um aumento enorme daqueles que recebem, é óbvio que o sistema não é sustentável.»

 

Inversão da pirâmide demográfica
As projecções da Fundação mostram também que por cada 100 residentes em Portugal, 13 são crianças, 63 são a idade activa, 24 têm 65 ou mais anos. No fundo, é esta a demonstração da inversão da pirâmide demográfica – 13% de crianças, 63% de pessoas em idade activa, 24% com mais de 65 anos. E Gonçalo Saraiva Matias não tem dúvidas de que «a tendência é para piorar, porque estes 63% que estão a idade activa vão envelhecer. Aqueles que têm 65 ou mais anos vão viver mais anos e, portanto, essa fatia da população vai aumentar, havendo projecções que apontam para 35, 36% nos próximos 10 anos.»

O responsável deixou claro que «este fenómeno não é um fenómeno apenas português, a Europa está toda a envelhecer, mas olhando para os saldos totais da população, verifica-se que a população é composta por duas variáveis, uma tem a ver com o saldo natural e outra com o saldo migratório». E assegurou que se consegue apurar a população de um determinado país ou a evolução da população de um determinado país olhando «por um lado, para a diferença entre as pessoas que morrem e que nascem todos os anos e, por outro lado, para a diferença entre as pessoas que saem e que entram num país todos os anos, que é o saldo migratório».

Citando dados dos Censos entre 2011 e 2021, que mostram que Portugal perdeu 200 mil residentes numa década, o presidente da Fundação frisou que «Portugal esteve praticamente essa década toda a perder população pelas duas vias possíveis. Isto é, todos os anos morria mais gente do que nascia e todos os anos saía mais gente do que entrava». Mas destaca que esta realidade começou a alterar-se a partir de 2017, quando se começou a verificar um saldo migratório positivo. «Em 2017 e 2018, verificaram-se saldos migratórios positivos, mas esse saldo migratório positivo não era ainda suficiente para compensar a perda de população pela via natural, portanto continuávamos a perder população, embora ganhássemos pela via migratória», explicou.

Por outro lado, a partir de 2019, começou a verificar-se um saldo migratório de tal forma positivo que começou a compensar o saldo natural. Isto é, apesar de haver uma grande diferença entre as mortes e os nascimentos todos os anos, e de essa diferença se manter, foi mitigada, ou até compensada, pela imigração. E por isso, Gonçalo Saraiva Matias não tem dúvidas de que «a única forma de estancar o défice demográfico é a imigração. Não há outra forma no curto e médio prazo.»

E chamou ainda a atenção que «é evidente que se pode pensar em políticas de natalidade, é importante pensar em políticas de natalidade, mas a curva é demasiado grave neste momento para poder ser invertida realisticamente – e mesmo que fosse invertida, as políticas de natalidade demoram décadas a produzir efeitos. As pessoas só entram no mercado de trabalho ao fim de 18 ou 20 anos, por isso a única forma de estancar o défice demográfico é pela imigração.»

O responsável constatou que «a imigração tem oscilações relacionadas com os ciclos económicos, porque é muito sensível ao crescimento económico ou às crises económicas, e por isso, ao olharmos para a crise de imigração, percebemos que ela baixa durante os anos da crise financeira e sobe quando Portugal começa a crescer economicamente. Contudo, isso «não quer dizer que os países não possam e não devam desenvolver políticas migratórias activas que, para além dos ciclos económicos, consigam atrair talento».

 

Estrangeiros em Portugal
O índice da Fundação revelou ainda que, em 2022, os estrangeiros representavam 8,4% da população residente na União Europeia. Em Portugal, em 2022, os imigrantes representavam cerca de 7% da população. Neste momento, representam cerca de 10% da população, significando cerca de um milhão de imigrantes.

Assim, Gonçalo Saraiva Matias não tem dúvidas de que «Portugal não está saturado de imigrantes, porque há vários países na União Europeia que têm uma percentagem de imigrantes muito superior à portuguesa. Aliás, Portugal está nos países de média de imigração, mas ainda longe, por exemplo, do Luxemburgo, que tem praticamente 50% da população imigrante. E de muitos outros países, como Malta, Chipre ou Irlanda, que têm percentagens de população migrante na ordem dos 15% e 20% da população, enquanto Portugal está na ordem dos 10% da população, ou seja, está longe de estar inundado de imigrantes.»

Os saldos migratórios portugueses oscilaram bastante – durante a crise financeira, entre 2009 e 2017, foram negativos, havia mais imigrantes do que emigrantes, ou seja, saíram mais pessoas do que entraram. Aliás, «os fenómenos estão relacionados – quando há uma crise financeira, os imigrantes têm tendência a diminuir e os emigrantes têm tendência a aumentar. Isto porque não há oportunidades de trabalho, o desemprego na altura, era muito elevado, em particular o desemprego jovem» destacou o responsável.

Depois de 2017, tem-se assistido a uma inversão desta tendência e a uma subida muito significativa da imigração nos últimos anos. A emigração tem-se mantido relativamente constante, o que, para o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, é uma preocupação, visto que «quando se diz que houve uma enorme emigração durante a crise financeira e que isso depois diminuiu, a curva não nos mostra isso. Quer dizer, mostra haver um momento da emigração, durante os tempos da crise financeira, mas depois não cai abruptamente e nos últimos anos até sobe um pouco, sendo o fenómeno da saída dos jovens qualificados. Esta saída mantém-se e até cresce ligeiramente, mas onde há uma subida muito acentuada é, de facto, na emigração.»

No entanto, partilhou uma boa notícia: «Pode dizer-se que, com esta realidade, Portugal está a crescer em população. A boa notícia é que este resultado do crescimento da imigração tem produzido efeitos no tal saldo total positivo e, portanto, no crescimento da população. Portugal cresceu em população e tem actualmente, segundo os últimos dados, 10,6 milhões de pessoas a viver no País, o número mais elevado de sempre. Nunca houve tantos residentes em Portugal como agora.»

Mas alerta que «a ideia de que Portugal está a crescer e que tem um número muito elevado de residentes é uma ideia absolutamente ilusória por força destas projecções que apresentamos. Com o envelhecimento da população, continuaremos a perder pessoas no futuro. Isto é, os saldos totais positivos apresentados nos últimos anos não são sustentáveis a médio e a longo prazo. Assim, as projecções mostram um decrescimento populacional e um aumento do envelhecimento no futuro, e isso é verdade mesmo num cenário com migrações.»

Gonçalo Saraiva Matias destacou ainda que, relativamente à população estrangeira, «Portugal tem a sorte de conseguir encontrar o talento de que precisa em locais como, por exemplo, o Brasil, onde há uma muito maior facilidade de integração, porque as pessoas falam a mesma língua, têm uma identidade cultural. Não quero com isto dizer que a comunidade brasileira não precisa de políticas de integração, isso não é verdade. Todas as comunidades migrantes precisam de políticas de integração, mas é evidente que os desafios são maiores em relação a comunidades que são mais distintas do ponto vista cultural, religioso. Aqui, o Brasil é uma importante fonte de mão-de-obra para Portugal e representa praticamente 30% da população estrangeira residente em Portugal.»

A esmagadora maioria da população estrangeira de Portugal vem de países de fora da União Europeia, apenas 21% vêm da União Europeia, e 53% são homens, 47% são mulheres, 81% estão em idade activa. Quanto às origens, o presidente da Fundação deu a conhecer novos fenómenos, como o caso da Índia, do Nepal ou do Bangladesh, que «apesar de terem uma percentagem baixa, são países de origem em crescimento e que, sobretudo, se concentram em algumas zonas do território. Por exemplo, em Odemira há uma concentração desta comunidade que representa já praticamente 50% da população local. Também é verdade que é preciso olhar para os desafios da integração de forma diversa no território, e há locais onde esses desafios são maiores.»

E explicou que o facto de serem mais homens que mulheres tem muito a ver com o tipo de imigração a que se assiste, «que é uma imigração que vem de forma não regulada – aí entra o tema das manifestações de interesse, em que as pessoas entravam no País e legalizavam-se no País, e isso nos movimentos migratórios leva habitualmente a que os homens venham primeiro à procura dessa legalização para depois trazerem a família.»

O responsável apontou que desafio, aqui, «é garantir o chamado reagrupamento familiar por a integração ser muito mais fácil quando é feita num contexto familiar. O reagrupamento familiar é indispensável, mas depende de forma praticamente exclusiva das autoridades, a não ser aqueles casos de pessoas que não querem mesmo trazer a família, ou que não têm família, mas há muitos casos em que o reagrupamento familiar é atrasado ou demorado por ineficiência dos serviços públicos.»

«O facto de 81% da população estrangeira de Portugal estar em idade activa mostra a importância desta população, porque se 81% estão em idade activa, quer dizer que trabalham, que descontam para a segurança social, que contribuem positivamente para a natalidade, porque, em média, os estrangeiros têm mais filhos que os portugueses», frisa.

Segundo dados da Fundação, verifica-se a concentração da população estrangeira na Grande Lisboa e no Grande Porto, em sectores de turismo e de restauração, e depois o Algarve, claro, também no turismo e na restauração, e depois o Alentejo Litoral, aquela zona de Odemira, caracterizada pela apanha dos frutos vermelhos.

Em 2014, apenas 7,9% das empresas em Portugal empregavam trabalhadores estrangeiros; em 2022, essa proporção aumentou para 22,2%. Para Gonçalo Saraiva Matias, «isto também mostra o aumento dos estrangeiros em Portugal, mais do que duplicou a população estrangeira em Portugal. Em 2013, eram menos de 400 mil, neste momento, é mais de um milhão. E a maioria é população trabalhadora, embora haja hoje, obviamente, outros perfis como os reformados, ou as pessoas que vêm usar parte dos seus investimentos, portanto há outros perfis de migrantes em Portugal, mas estatisticamente, esses não têm uma grande expressão.»

Relativamente às contribuições dos trabalhadores estrangeiros, em 2023 atingiram um valor histórico de 2,7 mil milhões de euros, um aumento de 44%, o que, descontando aquilo que os imigrantes recebem, revela um contributo líquido de 2,1 mil milhões de euros. As nacionalidades que mais contribuíram foi o Brasil e o Nepal, o que para o director da Fundação é curioso, porque «esta não é uma lista igual à lista das origens. Por exemplo, na lista das origens, tínhamos 21% da União Europeia, mas provavelmente boa parte desses cidadãos da União Europeia são reformados, ou seja, não contribuem para a segurança social. Aqueles que mais contribuem para a segurança social são os que estão na migração laboral, e assim Brasil, Índia e Nepal destacam-se aqui como as origens que mais contribuem para a Segurança Social, porque são justamente aquelas que correspondem ao perfil do trabalhador.»

Foi ainda dado a conhecer que, em Portugal, há 40% de trabalhadores estrangeiros na agricultura e pescas, 31% no alojamento e restauração, 28% em entidades administrativas e 23% na construção. Na óptica de Gonçalo Saraiva Matias, isto significa que no País há sectores de actividade indispensáveis para o seu crescimento – «é o caso da restauração, do turismo, da agricultura, que representam fatias muito significativas do PIB português e que colapsariam sem o trabalho imigrante».

 

Desafios futuros
Para concluir, o responsável apontou como desafios futuros, por um lado, a questão da integração: «A minha proposta é de uma sociedade cosmopolita, que saiba integrar, sem que as pessoas tenham de prescindir da sua identidade ou origem, mas onde consigam abraçar a sociedade em que se vão integrar.»

Por outro lado, a questão de novos consumidores em novos mercados e a integração dos novos trabalhadores. «Isto é um desafio para as empresas, porque são pessoas que têm outras práticas culturais, até religiosas, e isso implica uma adaptação das empresas a esta nova realidade», refere o presidente da Fundação.

E, finalmente, a necessidade de actualização de instrumentos existentes que são muitas vezes muito antiquados: «Veja-se as políticas migratórias na Europa e em Portugal, estão perfeitamente ultrapassadas. Viu-se esta questão das manifestações de interesse que geraram um problema enorme e, para tudo isso, tem de corresponder ou tem de existir uma nova política migratória orientada para o futuro e para as necessidades fundamentais do País», completou.

 

Texto Margarida Lopes | Fotos NC Produções

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