Total Compensation e RSC

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) ultrapassa a mera conformidade legal e económica, englobando também as expectativas éticas e discricionárias que a sociedade tem das organizações.

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) ultrapassa a mera conformidade legal e económica, englobando também as expectativas éticas e discricionárias que a sociedade tem das organizações. Esta abrangência é evidente na evolução histórica do conceito, desde as obrigações iniciais propostas por Bowen, até às integrações voluntárias de responsabilidade social e ambiental recomendadas pela Comissão Europeia e pela norma ISO 26000.  Com a pandemia de 2020, a adesão das empresas a práticas de RSC, foi a provas. As empresas foram desafiadas a reavaliar as suas iniciativas de RSC para atender às novas expectativas da sociedade, demonstrando que as práticas podem ser uma vantagem competitiva, e uma reposta a situações de crise, como, infelizmente, temos tido oportunidade de constatar face ao aumento de fenómenos climáticos extremos.

Um dos pilares centrais da RSC é a gestão ambiental, que, segundo a teoria dos stakeholders de Freeman, envolve considerar as posições, interesses e visões de todas as partes interessadas. Além disso, a teoria da legitimidade sustenta que a conformidade com normas e expectativas sociais é crucial para que as empresas mantenham a sua posição e recebam reconhecimento da sociedade. Este contexto teórico de RSC pode ser aplicado à gestão de pessoas e, neste texto, especificamente às recompensas auferidas pelos trabalhadores. Tradicionalmente, as recompensas no contexto de trabalho estavam associadas a salários, benefícios, incentivos e reconhecimento. No entanto, a incorporação de práticas de RSC na gestão de pessoas pode ampliar esta visão, englobando recompensas que promovem não apenas o bem-estar financeiro, mas também o desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores, e social e ambiental dos seus contextos – há 20 anos, chamava-lhe “salário emocional”, mas hoje entendo que será muito mais do que isso.

As recompensas financeiras, como salários e bónus, são essenciais para atrair e reter talentos, mas com elas apenas recompensamos trabalho e performance. A lógica da RSC sugere que a compensação dos trabalhadores possa ir além do especto económico, incluindo também recompensas não-financeiras que contribuam para o bem-estar geral dos colaboradores e outras partes interessadas. Enunciamos algumas, embora este artigo não tenha a pretensão de ser exaustivo e aprofundado, mas que apenas registe algumas linhas orientadoras para os que possam valorizar esta relação.

Desenvolvimento profissional e pessoal dos colaboradores – As empresas que investem no desenvolvimento profissional e pessoal dos seus colaboradores, oferecendo oportunidades de formação contínua, carreira, realização e bem-estar, alinham-se com os princípios de RSC, porque no fundo é disso que se trata: tratar bem. Assim, não só se melhoram as competências dos colaboradores, mas também se pode aumentar a sua satisfação, envolvimento e compromisso.

Ambiente de trabalho saudável e equilibrado – Proporcionar um ambiente de trabalho saudável e seguro é uma dimensão crucial da RSC, podendo considerar-se desde as condições físicas e psicológicas adequadas, até programas de bem-estar e saúde mental, demonstrando que a organização se preocupa genuinamente com o bem-estar dos seus colaboradores. Algumas entidades, estendem até aos agregados familiares e às comunidades circundantes, por exemplo abrindo as suas portas (ex: os open days que muitas organizações já fazem).

Reconhecimento e valorização – O reconhecimento regular e a valorização do trabalho bem-feito são formas interessantes de recompensa não-financeira. Mas esta tem de estar assegurada – a financeira – e recordamos as boas práticas neste capítulo, apresentadas e preconizadas nas Norma SA8000 – por exemplo, garantir um “salário básico capaz de garantir as necessidades” do trabalhador e do seu agregado, disponibilizando algum excedente. Talvez esse seja, e sobretudo para Portugal, um passo crucial, embora muitas empresas já sigam este “guidance” no país, sendo excelentes exemplos do que é RSC.

Flexibilidade e equilíbrio trabalho-vida – Cada vez mais requerida por força das novas gerações, a possibilidade de trabalhar onde e como mais me apraz (desde que possível) é uma forma interessante de garantir retorno do investimento em RSC – desde logo pelos consumos mais controlados, pelos ganhos, por exemplo de tempo e sobretudo pela satisfação que isso poderá gerar. Oferecer flexibilidade no trabalho, como horários flexíveis e a possibilidade de trabalho remoto, pode ser uma recompensa altamente valorizada, permitindo que os colaboradores mantenham um equilíbrio saudável entre a vida profissional e pessoal, e refletindo uma abordagem de RSC que valoriza o seu bem-estar geral.

Impacto na imagem corporativa e fidelização – A integração de práticas de RSC na gestão de pessoas não só melhora o ambiente de trabalho, mas também reforça a imagem corporativa – sobretudo se “começar por dentro”. Muitas entidades, provavelmente mais focadas numa abordagem de marketing, apostam nas ações externas, quando muitas vezes têm dentro de portas a oportunidade de contribuir efetivamente para um mundo melhor – com os seus próprios trabalhadores.

Com este texto pretendeu dar-se uma visão integrada entre um dos temas mais sensíveis da gestão de pessoas – as recompensas, e a responsabilidade de quem produz riqueza – as empresas, na forma como são geridas, em particular no que à gestão das pessoas diz respeito. A Responsabilidade Social Corporativa, quando aplicada à gestão de pessoas, permite, conforme explorámos com este tema das recompensas, mas podendo ser com qualquer outro da Gestão de Pessoas, alertar para que as empresas podem começar a sua RSC exatamente pela forma como gerem as suas pessoas. E neste campo, há ainda muito a fazer.

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