A IA vai permitir solucionar dois dos maiores problemas em Portugal: falta de talento qualificado e baixa produtividade
Arlindo Oliveira, professor do IST e presidente do INESC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, marcou presença na XXVI Conferência Human Resources, que se realizou ontem, dia 24 de Outubro, no Museu do Oriente, em Lisboa. Na sua intervenção, deu resposta à questão “Darkside ou brightside: que cor tem a IA? Verde esperança ou vermelho perigo?”.
Por Tânia Reis | Fotos NC Produções
O professor do IST começou por fazer um breve enquadramento sobre as actuais ferramentas de Inteligência Artificial e os seus expectáveis impactos, referindo um artigo de 2011, de Marc Andreessen, co-fundador da Netscape e conhecido engenheiro de software de Silicon Valley, que afirmava «o software está a comer o mundo». Seis anos depois, Jensen Huang, CEO da Nvidia, acrescentava, «mas a IA vai comer o software», tendo sido precedido, em 2015, por uma frase de Alex Wood, que afirmava «o machine learning está a comer o software». Para Arlindo Oliveira esta última declaração faz todo o sentido uma vez que a IA de hoje é totalmente baseada na ideia de machine learning, ou seja, os computadores podem aprender com a experiência. E isso muda profundamente o paradigma e a forma como interagimos com os computadores, defende.
Enquanto até há dois ou três anos, explica, quando alguém queria interagir com o computador ou era um programador e escrevia um programa em linguagem de computador, ou era um utilizador e interagia com um programa, preenchendo formulários por exemplo.
O lado verde
Mas a IA generativa veio alterar isso. Agora, é possível interagir e dar instruções ao computador, não programando e não sendo um mero utilizador, mas interagindo com um sistema de IA e pedindo que ele faça a interacção com o computador.
Para o presidente do INESC, o resultado das tecnologias de IA é que «vão baixar a barreira de entrada em tudo o que é interacção com o computador». O que antes era acessível exclusivamente a um programador, vai ser rapidamente acessível a um especialista de domínio que quer fazer algo, justifica.
E este baixar de barreira de entrada vai ter enorme impacto no mercado de trabalho e na economia, assegura. Porque a enorme pressão, que «provavelmente vai continuar a existir por especialistas de informática e programadores», vai poder vir a ser fortemente colmatada por pessoas que conhecem o domínio, mas que podem usar as ferramentas para gerar interacções devidas com as bases de dados, com os computadores, etc.
Para Arlindo Oliveira, este é o «lado verde», o baixar da barreira de entrada vai colmatar a escassez de talento. O segundo ponto é o aumento da produtividade, acrescenta.
«Uma pessoa que saiba usar estas ferramentas pode aumentar muito a sua produtividade. Estudos mostram que podem chegar a 30, 40% de aumento de produtividade quando usamos o ChatGPT.»
Estes dois factores endereçam duas limitações críticas da nossa economia, ressalva, «a falta de Recursos Humanos qualificados e a baixa produtividade».
Coontudo, acredita que Portugal tem «condições excepcionais para beneficiar desta tecnologia, porque ela afecta dois dos maiores problemas que temos». Por isso defende que «a IA vai ser mais verde do que vermelha».
A verdade é que a IA não se limita ao ChatGPT e divide-se em duas grandes áreas, explica. A «parte analítica», ou seja, a exploração da informação em bases de dados, não é novidade e a parte da «automação», ou seja, a substituição de actividades humanas por máquinas. E esta última é que pode levar a dois cenários: «a substituição completa da pessoa, levantando o espectro do desemprego e pode ter o efeito do aumento da eficiência, potenciando a produtividade dessa pessoa.»
«Estou convencido que estamos mais do lado de potenciar a produtividade do que da substituição completa. Isso não quer dizer que algumas funções não possam ser substituídas em grande escala», e ainda que não desapareçam, poderão ser bastante reduzidas, como o atendimento em call centres, exemplifica.
Tudo o que esteja relacionado com análise de textos, incluindo da parte legal como a elaboração de contratos, de due diligence etc, vai ser progressivamente substituída por sistemas automáticos, bem como tarefas de diagnóstico médico, faz notar.
Porém, «nas áreas mais especializadas de colarinho branco é improvável que a substituição venha a ser de tal forma completa, que venha a diminuir as necessidades de pessoas e a causar desemprego». Por isso acredita que «na área legal, médica, gestão de RH, financeira, etc.» o efeito do aumento de produtividade será significativamente mais elevado do que a substituição de pessoas. Noutras áreas como o apoio ao cliente o efeito de substituição de pessoas pode ser significativo.
Isto é bom ou mau? «Eu vejo como bom, porque um trabalho destes não é tipicamente um sector de valor acrescentado, os salários não são elevados.»
Na direcção de aumentar a competitividade do país, «o objectivo deve ser substituir as posições que ficarem livres, porque foram automatizadas, por profissões de maior valor acrescentado», defende.
O desafio que isto coloca ao país é o da formação e da requalificação, desafio que considera «importante e devia ser responsabilidade não só das universidades. Muitas universidades deviam incluir em cursos não ligados à área da informática e da computação, como filosofia, história, literatura, direito, disciplinas de formação sobre os benefícios de usar ferramentas de inteligência artificial generativa». A esse propósito, recorda uma conversa recente com o CEO da Google, Fernando Pereira, tendo este afirmado «que acredita que vai haver um enorme valor acrescentado no futuro em pessoas que dominam a argumentação, a linguagem».
Para Arlindo Oliveira, «este baixar da barreira tem potencial de acrescentar valor a formações que até hoje não têm a mesma procura e a mesma pressão salarial de profissões técnicas da área informática, da gestão, etc.».
O lado vermelho
De onde vêm os riscos? «Se não conseguirmos adaptar as pessoas ao que aí vem nos próximos três a 10 anos. É um desafio para o país, que devia ser encarado ao mais alto nível, de planeamento, do PRR, que tem uma componente significativa de formação e que estamos na altura certa para fazer isto», alerta.
Recorrendo a exemplos de avanços da IA nos últimos tempos, como a componente de imagem generativa, que, a partir de um texto, leva a ferramenta a criar uma imagem, salienta o elevado potencial de aumentar a produtividade em várias áreas, como a gráfica.
Moral da história, «em Portugal estas tecnologias são adaptadas a duas grandes limitações que temos, a baixa produtividade e a fraca capacidade para atrair recursos humanos qualificados. E encaro isso como muito vantajoso».
Portugal tem capacidade de rápida adaptação a nova tecnologia, e Arlindo Oliveira espera que, neste caso, isso se venha a comprovar. «Os maiores riscos vêm da área de não conseguirmos adaptar a formação das pessoas às necessidades das novas tecnologias», conclui.