A miopia de curto prazo e o risco de fazer perder o essencial

Vivemos hoje uma realidade nova que afecta todas as áreas da nossa vida e, naturalmente, também a forma como trabalhamos e o que esperamos da empresa onde trabalhamos. Há muito que se fala do mundo VUCA e dos seus impactos, mas ninguém esperava que a velocidade de mudança fosse acelerar ao ritmo que a pandemia impulsionou.

Por Sofia Castro, head of Transformation da MC

 

O trabalho remoto foi uma exigência da pandemia totalmente interiorizada por uma parte significativa da população, que gostaria de adoptar este modelo de forma definitiva. As empresas não são indiferentes a esta tendência, reconhecendo os seus méritos, mas também os seus desafios. Se há funções que facilmente são exercidas à distância, para outras, o contacto presencial próximo dá-nos quer agilidade, quer capacidade de inovação, que é, naturalmente, muito dependente da co-criação.

Os modelos de trabalho não devem ser independentes da função desempenhada, e as empresas não devem ambicionar ter um modelo único, mas sim desenvolver um modelo que optimize a produtividade de cada função e o bem-estar dos colaboradores.

Estamos, ainda, numa fase de ajustamento, e o cenário onde iremos estabilizar depende das decisões tomadas nos próximos tempos. O trabalho remoto permite o acesso a novas pools de talento e permite uma maior integração entre a vida pessoal e profissional, pelo que não irá desaparecer com o fim da pandemia.

Por outro lado, sabemos que somos seres sociais e o crescimento de problemas associados à saúde mental a que assistimos nos últimos tempos mostram o impacto do isolamento no bem-estar da população. Trabalhar a partir de casa dificulta a separação entre a vida pessoal e profissional, com impactos nefastos que vão crescendo com o tempo. As empresas não devem adoptar uma atitude paternalista, mas não se podem alhear do seu papel no estabelecimento das condições necessárias para que haja bem-estar no trabalho. Os modelos híbridos parecem ser, por isso, os que melhor respondem às necessidades das empresas e dos seus colaboradores.

A interacção presencial fortalece os laços entre colegas, facilita o trabalho de todos e robustece a cultura da empresa, factores que continuarão a ser determinantes para a escolha de um empregador. Vivemos, neste momento, sob a miopia do curto prazo que faz parecer que o único factor relevante é o mais falado no momento: o trabalho remoto. Mas se nos esquecermos de tudo o resto, vamos ter colaboradores pouco envolvidos com a empresa, que não sentem ligação aos seus colegas e que precisam de um esforço redobrado para desenvolver o seu trabalho. Este é já o sentimento de muitos colaboradores e vai certamente acentuar-se, à medida que o capital cultural construído no passado se vai dissipando. O escritório terá sempre um papel fulcral na cultura, no espírito de equipa e no sentimento de pertença das empresas.

Nos anos que antecederam a pandemia, assistimos a um crescimento significativo de espaços de co-working, onde profissionais independentes e pequenas empresas se juntavam para usufruir das vantagens da interacção social num ambiente de trabalho. Faz sentido privar as empresas e os seus colaboradores desta forma de estar? A visão da maior parte das empresas é que não, e têm, por isso, vindo a ser feitos investimentos significativos nos escritórios, com localizações cada vez mais premium, de forma a atrair os colaboradores de volta ao escritório, ainda que a tempo parcial.

Com o regresso à normalidade, essa será, também, cada vez mais a vontade das pessoas que voltam a sentir as vantagens de conhecer os novos colegas e tirar partido do que aprendem e criam com a interacção com os outros.

 

Este artigo foi publicado na edição de Abril (n.º 136) da Human Resources, nas bancas.

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