A revolução da IA é inevitável. Mas o tema não é a tecnologia, são as competências
O 6.º congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) que decorreu de 25 a 27 de Setembro, a par do XIII Congresso Ibero-americano de Psicologia, juntou, no CCB em Lisboa, mais de 500 oradores para debater temas desde neurociência e neurodiversidade, passando por saúde mental e educação sexual, aos impactos da Inteligência Artificial (IA).
O segundo dia, dedicado a “Technology, Mind & Society”, teve como keynote speaker Manuel Dias, National Technology Officer & Executive Board member da Microsoft, que falou sobre “IA, sociedade e mercado de trabalho”, começando por partilhar a ascensão do ChatGPT, que demorou dois meses a atingir 100 milhões de utilizadores.
«Estamos no início de uma revolução. Andámos mais de 70 anos a desenvolver máquinas inteligentes e interfaces humanas para interagir com as máquinas. É o primeiro momento na História que conseguimos juntar os dois», referiu, exemplificando com os modelos de texto, voz e imagem. «Agora entramos na capacidade de raciocínio.»
Aludindo à rapidez de evolução do ChatGPT, chamou a atenção para o facto de a nova versão, o 4, vir com um trilião de parâmetros. O cérebro humano consegue processar 60 triliões.
Também o valor de investimento aumentou. Se, inicialmente foram gastos 10 milhões de dólares para treinar este modelo de linguagem, estima-se que serão necessários 78 milhões para treinar a actual versão.
Seguidamente, abordou o tema da IA generativa que consegue fazer associações de palavras, tal como o cérebro humano. E deixa um alerta: «O fundamental é saber fazer as perguntas certas. Quanto mais informação disponibilizarmos melhor.»
No que diz respeito ao futuro do trabalho, Manuel Dias acredita que a IA é incontornável, pelo que quem não tiver as ferramentas de IA no trabalho, irá usar as suas, referindo-se ao chamado “BYOIA”, ou “bring your own IA”. Por isso a Microsoft desenvolveu o Copilot, «um assistente virtual que sabe tudo sobre a vida profissional do colaborador e que o ajuda nas suas tarefas».
Concluiu com o ponto-chave: «O tema não é a tecnologia. O tema são as competências».
O tema prosseguiu num debate que juntou Vladimiro Feliz, director no CEIIA; João Leitão Figueiredo, partner da CMS Portugal; e Miguel Fontes, ex-secretário de estado do Trabalho, moderados por Miguel Oliveira, membro da Direcção da OPP.
O antigo secretário de estado do Trabalho começou por referir que, perante «o ritmo avassalador da transformação tecnológica», competências como «pensamento crítico» e «saber perguntar» serão as mais importantes. Defendendo que «não podemos confundir informação com conhecimento», acredita que «temos de estar mais preparados para lidar com a tecnologia e ser mais criativos para continuar a criá-la».
O advogado da CMS Portugal acrescentou que as profissões mais tradicionais vão sofrer mudanças, até porque passámos de um «grande entusiasmo para uma noção mais exacta das potencialidades, riscos associados, desvantagens e cuidados a ter». E apesar de reiterar que esta revolução é inevitáve,l acredita que o ser humano continuará a ser necessário, só que de uma forma diferente.
Posição corroborada por Vladimiro Feliz que crê na sobreposição da componente humana. «A curiosidade é um superpoder e dificilmente será ocupada por tecnologia», por isso reforçou a importância da aposta no upskilling e reskilling.
Quando questionados relativamente à adequação das metodologias pedagógicas, Miguel Fontes referiu que há grande «confusão sobre todos termos de ser profissionais actualizados e especialistas em tecnologia», até porque tal missão é impossível, por isso advoca que «o upskilling e o reskilling não é para todos». Recordou ainda que os professores já não trabalham com os alunos como se fossem uma “página em branco”, pois estes já levam elevadas cargas de informação, por isso a missão dos docentes passa mais por agregadora.
Pegando na analogia da “página em branco”, João Leitão Figueiredo espera que não percamos a capacidade de usar «o papel e o lápis porque são competências fundamentais». Também defendeu que «a IA não veio criar nada novo», pois a informação já existia, o que vem sim é tornar tudo mais simples para todos, ainda que tenhamos «de combater a probabilidade de estupidificar».
O director do CEIIA acrescentou que «estas transformações impactam as profissões de forma diferente», nomeadamente cientistas de dados, programadores e engenharias. E defendeu que «nos sectores mais tradicionais, com tarefas repetitivas, o processo de reskilling é necessário», até porque «o acesso democratizado a estas plataformas vai testar as fragilidades e competências» dos trabalhadores. Exemplificando que os processos de recrutamento no futuro possam basear-se na pegada digital dos profissionais – nomeadamente nas imagens partilhadas – alertou para a necessidade de o ensino voltar ao básico, isto é, às competências humanas, «para evoluir, para criar mais cidadania digital, e termos opiniões» sobre qualquer tema.