Andreia Cardoso, Code for All_: «A renovação de competências é essencial para garantir a adaptação, permanência e crescimento do talento mas também tem fortes impactos a nível pessoal»

No panorama actual, a renovação de competências é fundamental para que profissionais e empresas consigam acompanhar as evoluções do mercado. Até porque, «abdicar» de profissionais, especialmente aqueles que já têm muitos anos de casa, não é a solução, garante defende Andreia Cardoso, Head & Heart of Placement da Code for All_.

Por Tânia Reis

 

Por isso, a resposta está na formação e na adaptação das competências às funções necessárias no momento. Até porque essa aposta revela sentido de compromisso para com os colaboradores, factor muito positivo na atracção e fidelização de talento.

Como analisa o tema da literacia digital em Portugal?

Em 2021, o Digital Skills Indicator 2.0 da União Europeia revelou que cerca de 29% dos portugueses tinham um nível de literacia digital acima do básico, 27% tinha o nível básico, 24% encontrava-se abaixo e 3% não tinha qualquer nível de literacia digital. Além disto, 18% não utilizava de todo a Internet. Estes dados colocaram, assim, Portugal na 5.ª posição do ranking da UE27 de pessoas sem acesso a este serviço.

De facto, o principal motivo referido por quase metade (48%) dos que não tinham acesso à Internet nas suas casas relacionava-se precisamente com a falta de literacia digital – o “não saber utilizar” –, seguindo-se razões económicas associadas ao custo elevado de acesso e do equipamento. Esta realidade é mais verificada no Alentejo e na região da Madeira, com um número maior de pessoas que não sabem utilizar e aceder a estes serviços, sendo que, por outro lado, é na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve onde há uma maior percentagem de indivíduos com literacia digital.

Face a estes valores, é importante estar ciente que, desde 2021, o número de utilizadores da internet tem estado a aumentar. Se nesse ano já cerca de 70% das pessoas tinha competências acima do nível básico em “Comunicação e Cooperação” e em “Literacia de dados e informação”, hoje estima-se que este valor esteja em constante crescimento. Ainda assim, é importante que continuemos sempre a impulsionar o crescimento desta literacia, informando as pessoas e promovendo o desenvolvimento das suas competências tecnológicas, para que estejam mais bem preparadas para um futuro que assume contornos cada vez mais digitais.

 

Na Code for All_ trabalham duas áreas – o reskill e o upskill, que importância assume cada uma delas no desenvolvimento profissional e pessoal?

No panorama actual em que as novas tecnologias estão a transformar o mundo do trabalho a uma velocidade nunca antes vista, a renovação de competências é, mais do que nunca, absolutamente indispensável para que profissionais e empresas consigam acompanhar as evoluções do mercado. É neste contexto que o reskill, isto é, a aprendizagem de novas competências, e o upskill, que consiste no reforço de certos conhecimentos, assumem uma grande importância, não só para a evolução profissional de um trabalhador, mas também para o seu crescimento pessoal.

Na verdade, a renovação de competências através de programas de reskilling e upskilling não só é essencial para garantir a adaptação, permanência e crescimento do talento no mercado de trabalho, como tem também fortes impactos a nível pessoal. Ao desenvolverem e renovarem competências, os trabalhadores são estimulados, tornando-se mais confiantes e seguros do seu valor e aumentando o sentimento de satisfação e concretização. A capacidade de reflectirmos sobre o nosso percurso e procurarmos saber como evoluir é intrinsecamente humana e extremamente importante para promover o nosso bem-estar profissional e pessoal.

 

De que forma podem contribuir para reter e atrair talento?

Actualmente, para acompanhar os desenvolvimentos do mercado, os profissionais ambicionam conseguir prosperar continuamente no seu trabalho, adquirindo novas competências que garantam o seu sucesso profissional. Por esse motivo, as empresas que invistam activamente na formação das suas equipas, através de programas de reskilling e upskilling, poderão atrair e reter o melhor talento, garantido a sua constante adaptação aos desafios que vão surgindo.

A aposta na formação revela um grande sentido de compromisso para com o talento, factor muito positivo para reter e também atrair profissionais. Na Code for All_ desenvolvemos, em conjunto com a Sonae MC, o programa Reboot MC, que visa desenvolver novas competências nas equipas para que estas se consigam adaptar aos novos desafios.

À medida que surgem novas funções relacionadas com a tecnologia, as empresas devem procurar preparar o seu talento para que consiga ocupar essas funções. Esta é uma estratégia exequível, uma vez que todos nós temos skills transferíveis, que conseguimos adaptar para uma nova área.

Abdicar do talento – e especialmente de profissionais que integram já há muito anos a organização – não é a solução. A resposta está, por isso, na formação e na adaptação das competências às funções necessárias no momento.

 

Que novas competências são mais procuradas e valorizadas pelos empregadores?

Competências de data, IA e cibersegurança são, actualmente, algumas das hard skills mais procuradas pelos empregadores. Contudo, além destas competências, a atitude do profissional quanto à sua aprendizagem é também bastante valorizada. Hoje as empresas procuram talento que tenha não só hard skills, mas também soft skills, tais como a proactividade e a abertura à aprendizagem. No panorama tecnológico, as soft skills são extremamente importantes, uma vez que são elas que permitem aos profissionais evoluir.

 

Na Code for All_ têm “cursos para todos”. Quais os que têm maior procura?

Actualmente, o curso com maior procura é o Bootcamp de Programação Full-Stack. Na Code for All_ temos adaptado os cursos tendo em conta as necessidades do mercado, como é o caso do nosso curso de cibersegurança, por exemplo, mas o nosso bootcamp de programação continua a ser, de facto, o mais procurado, uma vez que permite aos alunos tornar-se Full-Stack Developers, capazes de enfrentar qualquer desafio na área tecnológica.

 

Qual o perfil dos alunos que frequentam a Code for All_?

Na Code for All_ não temos propriamente um perfil definido. Na verdade, aquilo que caracteriza muito os nossos cursos é precisamente o facto de termos uma enorme variedade de perfis. Com idades, géneros, nacionalidades e backgrounds profissionais e académicos diferentes, o que liga os nossos alunos é mesmo a vontade de mudança.

Ainda assim, nos últimos anos temos vindo a verificar que a média de idades tem estado a diminuir, à medida que os alunos mais novos procuram uma alternativa ao ensino tradicional. Além disso, tem também aumentado o número de mulheres que frequentam os nossos cursos, o que é muito positivo para promover um maior equilíbrio no sector. Quanto à nacionalidade, nos cursos presenciais os alunos são maioritariamente portugueses ou brasileiros, uma vez que estes são leccionados em português.

 

E de quantos formadores dispõem? Qual o seu perfil?

Todos os nossos formadores são antigos alunos do bootcamp da Code for All_. Consideramos que esta experiência é indispensável para que saibam exactamente aquilo que os alunos estão a sentir. Ao terem estado “na pele” dos seus alunos, são formadores mais empáticos, que conhecem bem as dúvidas que vão surgindo porque estas também já foram as suas. Explicam as aulas com questões que também tiveram, o que facilita o processo de aprendizagem. Muitos vêm de áreas e percursos diferentes, mas o que os une é mesmo a experiência comum do bootcamp.

 

A rapidez da evolução tecnológica obriga a uma actualização de conhecimentos constante. Isso aplica-se também aos formadores… como funciona essa “ginástica”?

Na Code for All_ consideramos que além da experiência de formador, é importante manter uma vertente prática de desenvolvimento de software. Por esse motivo, os nossos formadores, além de leccionarem o bootcamp, fazem também desenvolvimento de software. Desta forma, têm continuamente a experiência prática, do que é ser efectivamente um developer, o que lhes permite estar continuamente a desenvolver competências.

 

Ainda que Portugal seja cada vez mais atractivo para as empresas tech, a verdade é que também assiste à “fuga” de talento tech. O salário continua a ser o principal responsável?

Efectivamente o salário é uma das fortes variáveis que contribui para a migração de talento tecnológico para empresas estrangeiras. De facto, apesar de o país se estar a tornar cada vez mais atractivo para empresas tecnológicas devido à qualidade de vida ou ao ecossistema em crescimento, os salários nacionais têm ainda dificuldade em competir com os de outros países, como os Estados Unidos ou o norte da Europa, o que faz com que os profissionais de tecnologia optem por empresas no estrangeiro.

Este fenómeno tem vindo a ser, nos últimos anos, intensificado pela possibilidade de trabalhar totalmente de forma remota, permitindo trabalhar para uma empesa estrangeira sem ser necessário sair do país. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, 63% das empresas já aposta num regime de trabalho totalmente remoto, o que facilita esta migração do talento.

Contudo, além do salário, existem outros factores que contribuem para este fenómeno. Actualmente, factores como a burocracia administrativa, a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento ou até mesmo questões relacionadas com a habitação e as infraestruturas têm também contribuído para a saída de talento para outros países.

 

Considerando a realidade económica nacional, que medidas podem as empresas e governo tomar para minimizar este cenário?

A actual carga fiscal tem um grande peso nas remunerações que as empresas oferecem às suas equipas. De facto, a diferença entre aquilo que a empresa paga face àquilo que o colaborador efectivamente recebe é bastante acentuada, o que dificulta também a competitividade salarial de Portugal quando comparado com outros países. Na verdade, o feedback que recebemos muitas vezes de alunos é que, por vezes, o aumento de salários não se revela significativo porque implica uma maior taxa de imposto.

Além disso, aquilo que sentimos é que Portugal está ainda muito preso à ideia do contrato de trabalho. Em países como a Inglaterra ou os Estados Unidos grande parte dos profissionais trabalha a recibos verdes, o que acaba por ser benéfico a nível salarial. Os profissionais portugueses têm ainda muita resistência a este modelo, fenómeno que está também altamente relacionado com a falta de literacia financeira.

 

A IA veio para ficar. De que forma está a/irá transformar o mercado de trabalho?

As novas ferramentas como a IA estão, sem dúvida, a alterar o mercado de trabalho. Contudo, embora alguns profissionais considerem que estas ferramentas podem pôr em risco as suas funções, de acordo com o Immersive Tech Report, da Experis, a maioria dos empregadores acredita que a IA e a Realidade Virtual irão criar mais empregos. Além disto, segundo o mesmo estudo, mais de dois terços dos recrutadores acredita que a introdução desta ferramenta nos processos de selecção remove preconceitos subconscientes na escolha dos candidatos, tendo, por isso, um impacto positivo nos processos de contratação.

É um facto que estas ferramentas estão efectivamente a transformar o mercado de trabalho. Face a este cenário, é fundamental que os profissionais estejam dispostos a desenvolver novas competências que lhes permitam adaptar-se a um mercado cada vez mais digital, através de programas de reskilling e upskilling.

Ainda que possa ser cedo para determinar o impacto exacto da IA no mercado de trabalho, a introdução destas ferramentas é inevitável e pode, sem dúvida, ser um enorme catalisador da nossa produtividade. Por isso, é importante que tanto as empresas como os profissionais encarem esta mudança como algo positivo, preparando-se já para um futuro cada vez mais digital.

 

Segundo um estudo recente da Randstad, 39% das empresas acredita que a IA exige necessidades de formação e qualificação dos profissionais. Considera que elas já estão a apostar no desenvolvimento tecnológico das suas pessoas? (justifique)

Não há ainda certezas do número exacto de empresas que estão a apostar no desenvolvimento tecnológico dos seus profissionais. Da nossa experiência na Code for All_, estamos já a preparar os nossos alunos nesse sentido, precisamente por considerarmos que a utilização deste tipo de ferramentas será bastante importante no futuro. Esta aposta no desenvolvimento do talento é, sem dúvida, essencial para os profissionais e também para as empresas, que se tornam mais competitivas no mercado.

 

E os profissionais estão conscientes dessa necessidade?

Nós acreditamos que sim. Temos vindo a realizar cursos introdutórios sobre estas temáticas e temos tido sempre um número bastante elevado de inscrições. Nota-se que há uma consciência desta necessidade de os profissionais se reinventarem e saberem mais. Os profissionais sabem que o mercado está a mudar e que têm de se adaptar, especialmente no sector tecnológico, em que esta renovação de competências é tão importante.

 

Também segundo o estudo da Randstad, 32% das empresas acreditam que a IA pode ajudar a resolver problemas de escassez de talento. Concorda?

Acredito que a IA e os novos softwares desenvolvidos vão facilitar os processos de recrutamento, tornando-os mais rápidos. A IA tem esta capacidade de acelerar o processo, fazendo um match mais imediato entre aquilo que a empresa procura e o perfil do candidato. Acredito que a IA poderá facilitar o trabalho e potenciar as competências dos profissionais, mas nunca será capaz de substituir o papel do ser humano.

 

Que conselhos daria a um profissional que pretende transformar a sua carreira e investir na sua formação?

O primeiro conselho que partilhava com um profissional que queira investir na sua formação e mudar de vida é que o mais importante é ter a mentalidade certa para o fazer. Estar disponível, motivado e aberto a aprender é fundamental para começar esta mudança, independentemente do estado do mercado. O sucesso dos programas de upskilling e reskilling depende unicamente da pessoa e da sua mentalidade, uma vez que esse é o único factor controlável.

Além disso, acho que é muito relevante investigar, procurar saber mais e estar disposto a descobrir. Com a possibilidade de encontrar milhares de cursos online, os profissionais devem procurar áreas, sectores e funções que lhes interessam e experimentar. Devem falar com pessoas do sector, procurar pessoas com experiências semelhantes e procurar saber mais sobre o seu percurso. Por exemplo, na Code for All_ temos uma página no LinkedIn de alumni, para que possam trocar experiências. Temos ainda webinars e sessões de esclarecimento para que qualquer pessoa interessada em dar este passo possa esclarecer as suas dúvidas e saber mais sobre estas experiências.

 

Na sua opinião, no sector da tecnologia as áreas do futuro são…

Data, IA e cibersegurança são as áreas do futuro. Além da IA, de que temos vindo a falar, e da capacidade de analisar dados, destaco também a cibersegurança, pela crescente necessidade de proteger dados e informações. O número de ataques cibernéticos tem vindo a aumentar consideravelmente e é muito importante que nos consigamos proteger.

A título de curiosidade, por cada developer que trabalha oito horas no desenvolvimento de software, tem de haver três especialistas em cibersegurança, dado o número de ataques actualmente. Por este motivo, reforço a necessidade de apostar em programas de reskilling e de upskilling, que adaptam as competências dos profissionais de diferentes áreas para estas que são áreas de futuro.

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