As expetativas criadas pelo pioneiro

Por Pedro Fontes Falcão, gestor e professor convidado do Iscte-IUL

 

Nestes tempos de indefinição, naturalmente muitas pessoas tentam analisar a situação e perceber quais os seus impactos no futuro, tanto no curto, como no médio e no longo prazo. Aqui há opiniões para todos os gostos, o que é normal e saudável, se servir para refletir sobre diversos cenários e tentar antecipar decisões.

Para começar, há por vezes divergências na análise da situação atual. “Quando se discorda no diagnóstico, só por coincidência se concorda na terapêutica”. Olhando para a situação atual, as alterações e os impactos ocorridos são tão amplos, cobrindo tantas áreas que muitas vezes se interligam, que é difícil fazer um claro diagnóstico numa situação de impacto sistémico. O que não quer dizer que não se deva tentar, obviamente. Aliás, não será preciso esperar mais de 50 anos para se conseguir ter uma análise clara da situação, como a história que se conta da resposta de um governante chinês a um ocidental que referia q                ue apenas se tinham passado 50 anos sobre um evento específico e, portanto, ainda era cedo para se conseguir ter uma ideia clara dos seus impactos (há divergências nos relatos sobre qual era o evento).

Com base nas análises, há que fazer previsões e tentar agir. Há uns mais rápidos que começam a tomar decisões relevantes, e por vezes dando-lhes muita publicidade, o que pode contribuir para uma imagem de empresa mais dinâmica e atenta às alterações. Contudo, embora seja importante tomar decisões, tem de se ter cuidado para não tomar decisões que possam ser irreversíveis ou dificilmente reversíveis, se houver muita indefinição sobre o futuro.

Por exemplo, a Liberty Seguros foi a primeira empresa de maior dimensão que me apercebi que decidiu avançar com o teletrabalho de forma permanente, mostrando dinamismo e inovação, ao procurar ser a primeira grande seguradora 100% digital baseada na Europa, segundo os próprios, o que obviamente terá impactos na cultura organizacional da empresa. Esperando-se que reduzissem os espaços imobiliários atualmente ocupados, a empresa decidiu não o fazer. Neste caso, fica com a opção (que como os financeiros bem sabem, as opções têm valor) de poder reverter parte da medida agora tomada.

Mas mais relevante para o mercado laboral em geral, foi a sua decisão de associar vantagens aos colaboradores que estarão em teletrabalho, ao lhes oferecer 660 euros brutos adicionais por ano para cobrir despesas. Os colaboradores poderão trabalhar a partir de qualquer ponto do país, só precisando de se deslocar às instalações da empresa até um máximo de dois dias por semana.

Esta decisão de um pioneiro, que parece ter pouca relevância pois aplica-se apenas a uma empresa, acaba por ter muito mais relevância do que muitos podem pensar, pois pode tornar-se um benchmark para a definição de condições de teletrabalho, ao terem criado “expetativas do pioneiro”, que outros irão usar aquando das negociações com a sua própria empresa. A questão é se este benchmark é considerado pela generalidade das empresas, de um lado, e pelos colaboradores, de outro, como justo…

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