Carla Gomes, Hiscox: «Portugal tem talento, mas transformá-lo em profissionais qualificados depende de um esforço colectivo entre o sistema educativo, Governo e empresas»
Presentes no mercado segurador português há 18 anos, a Hiscox procura profissionais criativos, inovadores, fiáveis e competentes, corajosos e ambiciosos. Ainda que não sintam dificuldades de recrutamento, Carla Gomes, directora de Recursos Humanos, revela que as funções com alta especialização apresentam desafios maiores. Por isso, criaram algumas estratégias para atrair os talentos certos.
Por Tânia Reis
Com um pacote de benefícios abrangente e «muito valorizado pelos colaboradores», que inclui desde seguros de vida e saúde, fundo de pensões, saúde e bem-estar adias-extra de férias, a «cereja no topo do bolo é o programa de sabática». Para a Hiscox, estes benefícios desempenham um papel crucial na percepção sobre a cultura, os valores e o cuidado com as suas pessoas.
A Hiscox está a reforçar a equipa em Portugal com a contratação de colaboradores. Por que sentiram essa necessidade?
A Hiscox está em Portugal há 18 anos e, na altura, começámos com quatro colaboradores. Hoje somos mais de 450 a trabalhar em Lisboa, que é já um dos maiores escritórios da empresa no mundo. A intenção é continuar a desenvolver-se para cada que vez mais possa prestar mais e melhores serviços para os vários países e áreas da empresa em que trabalhamos.
Temos a certeza do talento presente em Portugal, das competências e qualidade que conseguimos encontrar no nosso país e isso é definitivamente uma mais-valia para uma constante aposta no crescimento da Hiscox em Portugal.
Neste momento temos cerca de 20 posições em aberto, disponíveis no nosso website e certamente continuaremos a apostar no recrutamento no nosso país.
Que áreas e níveis de experiência abrangem essas vagas?
A partir de Lisboa, trabalhamos para o Reino Unido, a Alemanha, França, Holanda, Espanha, Irlanda, Bélgica e Luxemburgo. Portanto lidamos diariamente com oito países e prestamos serviços na área de suporte e operações às nossas unidades de negócio, em cada um dos países que mencionei.
Para além disso, temos as equipas centrais de Tecnologia, Data, serviços financeiros, e suporte de recursos humanos para alguns países. Por isso, actualmente, uma grande parte das nossas vagas está ligada à área da Tecnologia.
Que principais competências procuram?
Na Hiscox seguramos aquilo que é único e importante para cada um dos nossos clientes, e procuramos o mesmo quando se trata de pessoas, designadamente pessoas talentosas. A Hiscox está repleta de pessoas com imenso talento e competência, pessoas fiáveis que cuidam dos clientes e uns dos outros.
Acreditamos em fazer a coisa certa, fazer o bem e reconstruir quando as coisas correm menos bem e, portanto, todas as nossas pessoas são encorajadas a pensar criativamente e desafiar o status quo na procura de soluções.
Eu diria que estas são as características que procuramos, pessoas criativas, inovadoras, fiáveis e competentes, corajosas e ambiciosas.
Em relação às áreas que privilegiamos, procuramos investir nas competências técnicas na área da tecnologia, na área da Data e de Business intelligence e Business Development. Enfim, todas aquelas que criam valor acrescentado aos serviços que proporcionamos aos nossos clientes.
Estão a sentir dificuldades em encontrar talento ou nem por isso?
Diria que, no geral, não temos dificuldades de recrutamento, somos uma empresa atractiva, com benefícios e condições que nos tornam bastante competitivos nos sectores onde actuamos.
Porém, existem algumas funções que apresentam desafios maiores na hora de encontrar talentos, designadamente funções com alta especialização, como, por exemplo, em Tecnologia e Data, onde as competências e experiências muito específicas reduzem o número de profissionais qualificados no mercado.
Temos essas funções identificadas e temos criado algumas estratégias como programas de formação específica e benefícios diferenciados para atrair os talentos certos.
Não faltam talentos, faltam sim profissionais qualificados. Concorda com esta frase?
Julgo que temos de distinguir entre a existência de talento “em bruto” e a sua conversão em competências especializadas que possam ser aplicadas no nosso mercado de trabalho.
Acredito que Portugal é um país rico em talento, os nossos jovens são criativos, somos um povo resiliente, altamente motivados e com uma capacidade de mudança e superação surpreendentes. Para além disso temos visto, igualmente, o nosso forte potencial humano em sectores como o turismo, a tecnologia, e as energias renováveis, para dar alguns exemplos.
Julgo que o desafio que temos no nosso país reside em transformar este enorme talento natural em profissionais qualificados e competitivos. Creio que temos percorrido um longo e interessante caminho nesse sentido, mas ainda vejo alguns factores de melhoria como algum desalinhamento entre ensino e mercado de trabalho, falta de investimento em formação contínua, e a migração, que infelizmente ainda assistimos, de profissionais qualificados que partem em busca de melhores condições.
Com os desafios de hoje, e do mundo de amanhã, a focarem-se em competências muito específicas nas áreas de gestão de dados, inteligência artificial e programação, é cada vez mais premente que o país e as empresas encontrem políticas e estratégias adequadas para uma maior e melhor formação e valorização profissional, para não se perder o talento que existe.
Em conclusão, posso afirmar que o talento em Portugal é inegável, no entanto a sua transformação em qualificação profissional depende de um esforço colectivo entre o sistema educativo, Governo e empresas.
Referiu que no escritório em Lisboa juntam mais de 450 colaboradores…
Sim, o escritório de Lisboa, localizado na Praça Duque de Saldanha, é um autêntico escritório multinacional, com colaboradores de 28 nacionalidades. Diferentes línguas, culturas, e estilos de vida convivem num espaço de mais de mil metros quadrados, onde há lugar para salas de reuniões de vários formatos e feitios, cabines de trabalho individual, zonas de convívio e muitas obras de arte. A formação é muito variada tendo em conta as funções que exercemos em Lisboa; temos pessoas da área financeira, gestão, tecnologia e a maioria tem formação superior.
Quais os principais desafios que identifica na área da Gestão de Pessoas?
Os desafios têm evoluído com as transformações do mercado de trabalho, da tecnologia e até com a própria alteração das expectativas dos colaboradores.
O que mais sentimos hoje, em termos de desafios, prende-se sobretudo com questões relacionadas com a atracção e retenção, com a adaptação ao trabalho em modelos híbridos, com a constante necessidade de desenvolvimento contínuo de competências, com a área da saúde mental e bem-estar, cultura organizacional e gestão de múltiplas gerações, tecnologia e agilidade organizacional, e de diversidade, equidade e inclusão.
Gostaria de salientar algumas notas sobre estes desafios:
A atracção e retenção de talentos torna-se cada vez mais uma preocupação com as empresas a disputar as pessoas num mercado cada vez mais competitivo, e com a valorização cada vez maior, por parte dos profissionais, da flexibilidade, propósito no trabalho, e cultura organizacional ao invés de apenas a remuneração
Trabalho híbrido onde a manutenção do engagement, produtividade e trabalho em equipa se torna um dos principais focos de atenção por parte das empresas. Na Hiscox temos um programa híbrido onde mais de 85% das nossas pessoas se revêem afirmando que não se sentem nem menos produtivas, nem menos ligadas aos colegas por trabalharem parte do seu tempo em remoto.
Saúde mental e bem-estar tem de ter um forte reconhecimento da sua importância especialmente quando falamos do local de trabalho. Na Hiscox temos programas de apoio para garantir um correcto balanceamento entre a vida profissional e pessoal. Oferecemos um Programa de Assistência, temos actividades de wellbeing no escritório, oferecemos formação de gestão de bem-estar e saúde mental.
Tecnologia e agilidade organizacional onde o uso eficiente de ferramentas de gestão de talentos, análise de dados para tomada de decisões, e desenvolvimento de uma mentalidade ágil e inovadora, se tornam fundamentais para garantir que a empresa se mantém competitiva no mercado de trabalho e não só.
DEI onde se deve sempre construir um ambiente verdadeiramente inclusivo e diverso onde a promoção de oportunidades iguais nunca deve ser esquecida. A Hiscox possui um plano anual onde acções muito bem definidas são implementadas e garantidas.
A constante promoção do desenvolvimento das competências tem de ser igualmente encorajada já que a evolução tecnológica faz parte do nosso dia-a-dia, sendo fundamental fomentar uma cultura de aprendizagem contínua.
Que benefícios disponibilizam aos colaboradores?
Acreditamos que na Hiscox temos um pacote de benefícios muito interessante e muito valorizado pelos colaboradores. Actualmente, oferecemos seguro de saúde para o colaborador e agregado familiar, sem custos adicionais; seguro de vida; um fundo de pensões, com contribuição de 5% do salário bruto de cada colaborador; e também, como apostamos muito no bem-estar das nossas pessoas, oferecemos até 750 euros por ano de custo de ginásio. Temos também um cabaz de Natal em dinheiro de 250 euros.
Atribuímos 25 dias de férias, mais dois dias adicionais que designamos de Hiscox Days e para além disso, na altura do Natal, damos sempre o dia 24 e um dia adicional entre a semana a seguir ao Natal e o Ano-Novo.
Mas, diria que a cereja no topo do bolo é o nosso programa de sabática. Ou seja, no final de cinco anos de trabalho na Hiscox, cada colaborador pode usufruir, para além das suas férias normais que já lhe referi, de quatro semanas de ausência integralmente pagas pela empresa.
Quais os que eles mais valorizam?
O nosso pacote de benefícios é muito forte, mas a possibilidade de fazer um mês sabática ao fim de cinco anos, totalmente pagos, é muito aliciante e, sem dúvida, muito valorizado pelos nossos colaboradores.
De que forma contribuem estas medidas para a atractividade da Hiscox?
Os benefícios oferecidos pela Hiscox desempenham um papel crucial na nossa capacidade de atrair e reter talentos, pois vão muito além da remuneração directa e influenciam bastante a percepção que os candidatos têm sobre a nossa cultura, os valores e o cuidado com as nossas pessoas.
Quando falamos, por exemplo da nossa licença sabática ou do pagamento que fazemos do ginásio, as pessoas percebem muito claramente o quão a empresa está focada em contribuir para a sua saúde e bem-estar.
O nosso plano de pensões, igualmente, também demonstra a valorização que damos a outro tipo de bem-estar, o financeiro, pois com ele contribuímos para que os nossos colaboradores possam alcançar alguma estabilidade financeira na altura das suas reformas.
Na realidade, os benefícios que oferecemos ajudam a criar uma diferenciação no mercado, a mostrar como estamos atentos às expectativas dos talentos e o quanto investimos em garantir que as nossas pessoas sintam que na Hiscox cuidamos delas.
Que importância assume a multiculturalidade na empresa?
Somos uma empresa verdadeiramente multicultural. No caso do escritório de Lisboa, trabalhamos a partir daqui com vários países e temos, no escritório, mais colaboradores de 28 nacionalidade, culturas e modos de ser diferentes.
Porém, a multiculturalidade vai muito além da diversidade de origens ou culturas, promovendo um ambiente inclusivo onde as diferentes perspectivas são uma mais-valia.
Sentimos isto na nossa capacidade de inovação e criatividade, pois temos uma diversidade de perspectivas, com abordagens e experiências únicas e diferenciadas que fomentam soluções inovadoras; existe um melhor entendimento sobre várias geografias e mercados, e sendo a Hiscox em Portugal um centro de serviços isto tona-se uma importante mais-valia na nossa capacidade de entender as várias nuances dos mercados que servimos.
Por outro lado, existindo um ambiente inclusivo conseguimos que as nossas pessoas sintam que se promove uma cultura de respeito, o que aumenta a motivação e engagement de todos.
Da mesma forma, um ambiente multicultural desenvolve empatia, flexibilidade e adaptabilidade, tudo isto contribuindo para que a Hiscox seja reconhecida como uma empresa moderna, inclusiva e alinhada às expectativas de profissionais, que valorizam, cada vez mais, a diversidade.
Outro foco é a promoção da felicidade. Que vantagens traz ao employee engagement e à produtividade/resultados?
Eu diria que a promoção da felicidade é, sem dúvida, uma estratégia poderosa para a melhoria quer do engagement quer da produtividade dos colaboradores.
Um ambiente que fomenta o bem-estar emocional e a satisfação dos colaboradores é benéfico quer para a empresa, como um todo, quer para os indivíduos.
Acredito que pessoas felizes têm níveis mais altos de energia, criatividade e capacidade de concentração o que proporcionará uma maior eficiência e qualidade do trabalho, e uma maior propensão para a resolução de problemas de forma criativa. Por outro lado, irá contribui, igualmente para uma redução do absentismo.
Da mesma forma, colaboradores mais satisfeitos estarão mais conectados com a missão e valores da empresa, havendo também uma maior sensação de propósito.
O bem-estar emocional vai, também, favorecer um clima organizacional mais positivo contribuindo para uma cultura de colaboração mais eficaz e próxima. Diria até que proporcionará um ambiente mais harmonioso podendo reduzir potenciais conflitos e promovendo relações interpessoais mais positivas.
Julgo, porém, que promover a felicidade não é apenas uma estratégia de aumentar a produtividade ou engagement, mas acima de tudo, serve essencialmente para promover o bem-estar e impulsionar resultados organizacionais de forma sustentável e alinhada com as expectativas quer dos colaboradores, quer da sociedade em geral.
Uma marca distintiva da empresa é a aquisição de obras de artistas e o apoio a exposições. Porquê este apoio específico à arte?
A Hiscox é grupo segurador internacional fundado em 1901, e uma das principais seguradoras especializada em seguros não vida na Europa e EUA. É também uma das grandes seguradoras no mercado da arte, mas é, desde há cerca de cinquenta anos, um grande coleccionador e promotor da mesma, com curadoria própria de colecções temporárias em cada um dos escritórios a nível mundial.
A Hiscox adquire obras de vários artistas e, de tempos a tempos, patrocina exposições públicas e prémios universitários. A colecção está exposta nos escritórios e isso é inspirador para as equipas. Em regra, sempre que alguém visita a sede da Hiscox, repara nas obras de arte e isso é motivo de conversa.
Como vê os impactos da IA no futuro do trabalho principalmente no sector segurador?
Como empresa global, a Hiscox está na fase de exploração da IA – queremos compreendê-la melhor e queremos testá-la e aprender com ela. Mas já utilizamos algumas ferramentas, como o Microsoft Copilot em muitas áreas da nossa actividade para reduzir as tarefas administrativas, como as actas das reuniões, ou para criar acções e resumos.
Na nossa actividade no London Market, através da colaboração com a Google Cloud, estamos a começar a utilizar a tecnologia de IA generativa para automatizar a subscrição de riscos, desde a apresentação até à cotação. Isto significa que estamos a pegar na informação que o corrector nos envia sobre um risco e a transformá-la numa cotação de apólice – um processo que costumava demorar três dias – mas que, com a IA, pode agora ser feito em três minutos. Concluímos a prova de conceito na nossa carteira de negócios de sabotagem e terrorismo em 2023 e estamos a testá-la noutras linhas de negócio ao longo de 2024.
No negócio de retalho, estamos também a pensar em potenciais aplicações de IA generativa. Por um lado, para reduzir as tarefas administrativas nas nossas equipas de subscrição e no espaço dos sinistros.
Enquanto companhia de seguros, também estamos no negócio da gestão de riscos, pelo que também estamos a olhar para a IA através desta perspectiva.
No que se refere a produtos relacionados com arte, existem riscos associados à utilização de chatbots, plágio, violações de direitos de autor, a potencial disseminação de notícias falsas e o risco de parcialidade ou discriminação. Estes riscos são relevantes para toda uma série de sectores – meios de comunicação social e indústrias criativas, empresas de recrutamento ou, na verdade, qualquer pessoa que utilize a IA para gerar/publicar/responder a conteúdos online. Do mesmo modo, o ChatGPT é cada vez mais utilizado nas interacções com os clientes e este elemento de externalização em qualquer profissão pode criar uma violação das obrigações de confidencialidade.
No que diz respeito ao ciberespaço, existem riscos associados ao roubo de dados, uma vez que as IA são alimentadas com grandes volumes de dados valiosos que podem ser alvo de hackers, bem como o risco de envenenamento das IA, o que provoca o seu mau funcionamento.
Estamos muito empenhados em conhecer, trabalhar e perceber os desafios que se colocam.