Como ser um bom líder numa má economia
Gerir pessoas, ajustar prioridades e enfrentar incertezas são o dia-a-dia da maioria dos líderes. Por muito que sejam líderes responsáveis, inspiradores e cuidem das suas equipas, o contexto económico pode ser desgastante, o que se reflectirá nos colaboradores.
Apesar da resiliência mostrada durante a pandemia, momentos de crise, como o actual aumento da inflação e uma recessão económica iminente, tendem a tornar as pessoas mais vulneráveis e instáveis, revela Merete Wedell-Wedellsborg, escritora, psicóloga e doutorada em gestão pela Copenhagen Business School, à Harvard Business Review.
E essa instabilidade representa um enorme desafio, uma vez que algumas das respostas standard às quais as pessoas recorrem em momentos de crise não vão funcionar como pretendido. Na verdade, se os líderes seguirem o manual à risca correm o risco de desencadear uma espiral destrutiva e piorar a situação.
Para ter sucesso em momentos de crise, a especialista sugere três pontos de equilíbrio essenciais que os líderes devem “afinar”: estar próximo sem sufocar os demais; ser rápido sem se tornar agitado; e assumir ou atribuir maior carga de trabalho sem sacrificar as ligações interpessoais.
Estar próximo sem sufocar os demais
Quando existem perspectivas de uma desaceleração económica, normalmente a primeira resposta dos líderes é tornarem-se mais próximos. Há mais reuniões, mais relatórios, mais detalhes em cada conversa. Tudo isto é natural, já que os líderes querem entender o que está a acontecer. Querem ajudar a encontrar respostas e querem ter a certeza de que as suas equipas estão no caminho certo e a fazer os possíveis para resolver a situação.
Contudo, psicologicamente, o ímpeto de se aproximarem é, regra, uma necessidade de sentir que controlam. Por isso, é uma manobra arriscada e tem o reverso da medalha. Depois de uma pandemia, em que as equipas aprenderam a operar de forma independente e com menos supervisão, um chefe a olhar por cima do ombro pode ser interpretado como sinal de desconfiança e “desempoderamento”. Em vez de estimulante, o resultado pode ser sufocante.
Além disso, a proximidade em demasia obstrui o verdadeiro papel dos líderes, já que estão focados em detalhes e microgestão. O pior que pode acontecer é quando um líder assume formalmente o papel dos seus colaboradores por acreditar que consegue fazer melhor.
Claro que existem razões legítimas para um líder se aproximar, como quando quer fundamentar uma decisão em experiência em primeira mão ou manifestar apoio juntando-se à linha de frente, esclarece a psicóloga. Contudo, devem lembrar-se que o objectivo de se aproximarem é motivar, energizar e apoiar; não controlar, desmotivar ou semear dúvidas. Uma abordagem equilibrada é o “toca-e-foge”, ou seja, envolver-se com a equipa nos problemas que enfrentam, mas sem tirar o peso dos ombros deles. Um bom teste é garantir que não acaba com uma lista de tarefas que precisa de resolver pela equipa, mas sim que a equipa conhece bem essa lista e entende que o controlo está do seu lado.
Aproxime-se – mas não sufoque – e tenha uma estratégia de saída clara. Depois do ponto de situação feito, devolva o comando aos seus colaboradores.
Ser rápido sem se tornar agitado
A segunda resposta é um típico apelo saudável à acção. Em tempos de crise, os líderes não podem ficar sem reacção e o relógio não pára. O comportamento inquieto de um líder é facilmente perceptível no ritmo agitado das reuniões ou no seu tom de voz.
No entanto, há uma linha que separa o urgente do agitado. Os líderes não devem esquecer que a pandemia tornou as pessoas mais frágeis, não mais resilientes. O stress e problemas de saúde mental dispararam. Assim, embora a maioria das pessoas entenda a necessidade de rapidez numa crise, a sua tolerância à liderança “agressiva” é muito menor do que antes de 2020.
Para solucionar isso, os líderes devem reflectir sobre as armadilhas psicológicas em que tendem a cair quando as coisas ficam difíceis. Uma delas é pensarem que têm menos tempo do que realmente têm, então inventam prazos imaginários e auto-impostos. «Precisamos de uma solução até o final do mês» pode criar urgência, mas se uma melhor solução estiver a alguns meses de distância, prazos imaginários podem sacrificar o valor em detrimento de uma rapidez ilusória.
Alguns líderes manifestam geralmente menos tolerância à divergência quando as coisas ficam difíceis. Tendem a tornar-se mais egocêntricos, pelo que, quando outros se opõem a uma ideia ou proposta, isso é rapidamente interpretado como resistência e obstrução, em vez de reflexão ou feedback construtivo. Mais cedo ou mais tarde, esse padrão de comportamento levará ao afastamento da equipa e a uma sensação de “falso consenso” de ideias. Embora isso possa resultar em decisões mais rápidas, também pode prejudicar o pensamento individual e impedir que soluções melhores surjam.
Uma abordagem equilibrada é criar um intervalo deliberado entre ideias, decisões e acções. Pense nisso como controlo de impulsividade: crie estruturas e processos onde permite que outras pessoas (a direcção, consultores externos, colegas ou colaboradores) examinem e questionem os seus planos. Não tem tempo para burocracia em excesso, por isso crie esses procedimentos para serem rápidos e informais. Às vezes, podem ser tão curtos como um telefonema rápido, onde explica o que deseja fazer e testa a reacção imediata de alguém em quem confia.
Assumir ou atribuir maior carga de trabalho sem sacrificar as ligações interpessoais
A terceira reacção típica às crises económicas é os líderes focarem-se mais nas tarefas e menos nas relações. Muitos pedirão que as suas equipas assumam uma carga de trabalho maior, porque “mais” parece melhor e uma liderança responsável. Acreditando que a prioridade é resolver problemas e não “mimar” as pessoas, programas formativos são suspensos, regalias são cortadas e a empatia é colocada numa gaveta.
No entanto, trabalhar relacionamentos não é mimar, é uma difícil gestão de desempenho. Aprendemos com as consequências da pandemia que os bons colaboradores raramente desistem ou “desistem silenciosamente” porque o seu trabalho ficou mais difícil ou porque os tempos ficaram mais duros. Desistem porque deixam de acreditar nos seus líderes, colegas ou no futuro da empresa. Afastam-se porque se sentem injustiçados ou negligenciados.
É verdade que, além do salário, as pessoas vão trabalhar para cumprirem uma missão e terminarem as suas tarefas, mas, mais do que isso, vão trabalhar pela ligação que sentem para com a empresa e os colegas. Portanto, continue a investir na construção dessas ligações. As regalias até podem diminuir, mas invista tempo a sério na criação de conexões. Procure conteúdo, impacto e interacção positiva, em condições externas menos boas.
Parte disso implica manter uma abordagem equilibrada em relação às prioridades tanto de ligações como de tarefas. Seja transparente com a sua equipa: qual é a natureza e a qualidade das relações de trabalho que espera ver durante um período difícil? Que tipo de desafios e apoio esperam uns dos outros? Que tipo de compromissos de relacionamento não está disposto a fazer, mesmo que traga resultados no curto prazo? Por fim, se se deparar numa recessão prolongada, dê um passo atrás com a equipa e redefina o conceito de sucesso – e não apenas para o trabalho em si.
Ser um bom líder numa má economia sempre foi um desafio. Desta vez ainda o é mais porque o peso normal de uma recessão pode ser agravado pelas consequências emocionais da pandemia. Isso significa que os líderes devem seguir as páginas do manual de crise com cautela e moderação.
Os líderes não podem ficar parados diante de uma crise económica, mas seu viés para a acção e as suas reacções instintivas – aproximar-se, ser rápido e aumentar a carga de trabalho – devem ser aproveitadas. Se esses passos naturais e legítimos de liderança não forem dados de forma equilibrada, existe a probabilidade de os líderes amplificarem essa crise.