Entrevista a Mark Schwartz, Amazon Web Services: «Um grande líder de TI tem que estar disposto a assumir riscos»
A transformação digital não é apenas uma questão tecnológica – é também uma questão de transformação dos processos empresariais, de gestão e de estratégias de investimento. Sem esquecer a transformação das pessoas, a começar na liderança. Mark Schwartz, Enterprise Strategist na Amazon Web Services (AWS) esteve em Portugal e a Human Resources Portugal conversou com ele.
Mark Schwartz é especialista em transformação digital, foi CIO dos Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA (no Departamento de Segurança Interna), e é autor de várias publicações como “The Art of Business Value”, “A Seat at the Table: IT Leadership in the Age of Agility” ou “War & Peace & IT: Business Leadership. Technology, and Success in the Digital Age”. O especialista esteve presente no evento tecnológico internacional Devopsdays Portugal 2022, que decorreu no Porto, em Setembro.
A transformação digital requer transformação da liderança?
A transformação digital possibilita novas formas de obter valor comercial a partir da tecnologia e a transformação na liderança é parte intrínseca deste processo. Através da transformação digital, as organizações estão a aumentar velocidade, agilidade e capacidade de inovar de forma continuada. Ou, por outras palavras, a melhorar a sua capacidade de responder às oportunidades e desafios que se apresentam na mudança – de forma rápida, económica, criativa e com um baixo risco. A transformação digital não é apenas uma questão tecnológica – é também uma questão de transformação dos processos empresariais, de gestão e de estratégias de investimento.
Por exemplo, antigamente, os projectos tecnológicos eram caros, demorados e arriscados. Por esse motivo, as empresas investiam pouco nesta área e, como forma de reduzir o risco, apostavam num controlo apertado. Consequência, atrasaram-se e agravaram ainda mais o risco! Com a transformação digital, as empresas podem trabalhar de forma mais rápida e gradual, desenvolver projectos mais pequenos e reduzir a burocracia na actividade de gestão porque o risco é menor. E obtêm resultados muito mais rapidamente. E os líderes precisam de usar o seu poder para gerar competitividade, melhorar o serviço ao cliente e apostar na inovação.
E transformação na Gestão de Pessoas?
Sim, definitivamente. A transformação digital liberta os funcionários para a inovação, porque o risco é menor e têm mais ferramentas à sua disposição. Têm de adaptar-se a esta realidade e ajustar-se à ideia de que a inovação será contínua. No passado, os colaboradores eram divididos em vários grupos – talvez houvesse um grupo de TI para o desenvolvimento de software, um para a segurança, um para as infraestruturas, e assim por diante. E o mesmo acontecia com os outros departamentos da empresa.
Mas nas organizações que se foram transformando digitalmente, o mais comum é o trabalho em equipas interfuncionais e a partilha das mesmas motivações. Os colaboradores têm de se sentir confortáveis e, quando isso acontece, por norma, adoram esta nova realidade.
Quais são os atributos mais importantes para um líder de TI?
Actualmente, um líder em TI é importantíssimo para o negócio. Já não podemos separar negócio das TI. Um responsável por esta área tem de compreender a fundo os objectivos do negócio e conseguir traduzi-los em requisitos e em estratégias de TI e ajuda a restante estrutura organizacional a perceber o que é possível atingir através da tecnologia. As TI são verdadeiramente uma parte do negócio.
Uma segunda característica importante é ter a capacidade de motivar todos os que se encontram sob a sua supervisão, fazendo-os sentir-se parte do negócio. Um grande líder de TI está disposto a assumir riscos pessoalmente – porque a transformação digital é sempre arriscada no início – para que as pessoas que trabalham consigo se sintam seguras e possam seguir o caminho que sabem que é o correcto.
Quais são os maiores desafios digitais que as empresas enfrentam actualmente?
Normalmente, os maiores desafios não são técnicos. As empresas criaram processos – especialmente processos de gestão e supervisão – que atrasam e dificultam o ritmo e a agilidade. Isso frustra os colaboradores que aprendem novas formas de trabalho. Portanto, os processos precisam de mudar, ou a empresa não consegue obter os benefícios da transformação digital. Mas acabam por perceber que formas de trabalho mais ágeis não só os tornam mais rápidos como também lhes dão melhores ferramentas de controlo – reduzem o risco, melhoram o compliance e dão-lhes maior segurança.
Uma vez que trabalha com vários executivos, qual é a sua opinião sobre as vantagens das novas tecnologias? Será que estão realmente a impulsionar os seus negócios?
Sim, estão a impulsionar os negócios de forma brutal. Vemo-lo acontecer com a tecnologia cloud em todas as indústrias. A Moderna foi capaz de entregar a vacina COVID para ensaios clínicos apenas 42 dias após a sequenciação do genoma, porque tinha construído uma plataforma ágil e rápida de desenvolvimento de medicamentos, com utilização de tecnologia mRNA e da cloud. O McDonald’s disponibilizou uma app de encomenda e entrega ao domicílio em apenas quatro meses, e que tem por base tecnologia AWS. Na agricultura, a Bayer equipou as suas máquinas com sensores IoT que recolhem e analisam dados em tempo real e os agricultores são capazes de tomar melhores decisões com base nas condições dos seus campos. A Georgia-Pacific, que fabrica produtos de papel, reduziu consideravelmente o número de rasgões de papel no seu processo de fabrico. Como muitos fabricantes, utilizaram IA e sensores para fazer uma previsão de manutenção – assim, conseguem reparar as máquinas antes de as mesmas se estragarem e danificarem a produção. Poderia continuar a citar exemplos.
Como podemos resolver a falta de profissionais qualificados em TI?
Por um lado, as empresas têm de apostar no desenvolvimento de competências dos seus actuais colaboradores, através de formação e da oportunidade de trabalharem lado a lado com pessoas que já possuem essas qualificações. Os actuais colaboradores já conhecem o negócio; compreendem os sistemas; construíram relações, e preocupam-se com a missão da empresa. Estas são enormes vantagens relativamente a novas contratações – embora por vezes também seja necessário fazê-lo.
Algo, também, a considerar é a expansão do mercado de trabalho em que costumam normalmente contratar. Especialmente com a possibilidades de trabalho remoto. As empresas podem mais facilmente contratar pessoas com deficiência e para quem possa ser mais fácil trabalhar a partir de casa, ou pessoas com responsabilidades na assistência a crianças ou idosos, ou mesmo pessoas que vivam em locais remotos. Temos um programa fantástico chamado AWS re/Start, que forma, gratuitamente, pessoas inseridas em comunidades com elevadas taxas de desemprego ou de emprego não qualificado, com competências em tecnologia cloud e que depois lhes arranja emprego. AWS Educate oferece centenas de horas de formação digital em ritmo próprio, para ajudar as pessoas a actualizarem-se em tecnologia cloud. Temos também a AWS Academy, que habilita as instituições de ensino superior a prepararem os estudantes para certificações reconhecidas pela indústria AWS e para carreiras na cloud.
Para além das competências difíceis, o profissional de TI ideal deve ter…
Os profissionais de TI devem ter um forte sentido de curiosidade, para que se entusiasmem com a aprendizagem. Como todos sabemos, o mundo da tecnologia move-se muito depressa e há sempre coisas novas para aprender. Hoje é especialmente importante que todos os profissionais de TI estejam informados sobre cibersegurança, porque o trabalho de todos é manter a empresa segura.
Outra característica muito válida é o desejo sincero de ajudar os seus colegas de trabalho. As equipas de TI prosperam quando os seus membros desenvolvem algumas competências genéricas – é óptimo que tenham um conhecimento mais amplo, assim como que se especializem numa determinada área. Isso significa que as equipas melhoram se cada pessoa com uma competência especializada ajudar os outros a aprender essa competência. Sabe bem ser o único especialista com determinada competência, mas hoje é fundamental cuidar do bom funcionamento e da complementaridade na equipa.
Humanos e máquinas. Um futuro glorioso ou tempos sombrios pela frente?
Estou muito optimista. Eis a razão, as novas tecnologias, e especialmente a cloud tem o enorme potencial de nos ajudar a resolver problemas sociais difíceis. Por exemplo o Centro Internacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente (ICMEC) utiliza o nosso reconhecimento de imagem baseado em machine learning para percorrer a dark web à procura de fotografias de crianças desaparecidas. Utilizamos a tecnologia para ajudar a prestar serviços a pessoas que vivem sem abrigo. A AWS tem uma equipa de resposta a catástrofes que ajuda nos esforços de salvamento em casos de inundações, terramotos, incêndios e outras catástrofes naturais – por exemplo, através de dispositivos Snowball Edge, com dados e mapas das área afectadas, que são actualizados através de drones, de forma a que os socorristas saibam para onde direccionar os seus esforços. Stanford utilizou serviços de reconhecimento de imagem para diagnosticar a retinopatia diabética suficientemente cedo para que possa ser tratada, ainda antes de os médicos a conseguirem detectar.
À medida que desenvolvemos a tecnologia para trabalhos incríveis como os que referi, e que são temas com os quais a humanidade realmente se preocupa, estaremos a descobrir o ‘futuro glorioso’ que mencionou.
Texto: Tânia Reis