Especialistas defendem que a idade da reforma em Portugal vai ter de aumentar

A sustentabilidade do sistema e o financiamento da segurança social foram o pretexto para juntar um painel de ilustres no seminário online que a Proteste Investe dedicou ao tema. A conclusão foi unânime é inevitável reformar o sistema, ainda que não haja vontade política para tal, e a idade da reforma terá de aumentar.

 

O aumento da esperança de vida a isso obriga, bem como a diminuição da população activa. Segundo João Peixoto, professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), o número de pessoas adultas, que trabalha e desconta por cada idoso, passará, no futuro, de três para menos de dois. Após o 25 de Abril, este rácio era de seis para um.

Citando projecções do INE, o especialista em demografia acrescenta ainda que o índice de envelhecimento, isto é, a relação entre o número de idosos e jovens, quase duplicará até 2080. «O desafio é gigantesco para a Segurança Social», reconhece. Embora não seja suficiente para resolver o problema, é importante aumentar a fecundidade, controlar as saídas para fora do País e aumentar o número de migrantes, sob pena de Portugal ficar reduzido a muito menos de 10 milhões de habitantes daqui a algumas décadas.

Álvaro Santos Pereira não tem dúvidas de que o envelhecimento da população é um problema grave. De acordo com o diretor da OCDE, só a Coreia, a Espanha e o Japão terão, em 2050, rácios de dependência maiores do que Portugal. À excepção da Letónia, a força de trabalho no nosso País é a que diminuirá mais na OCDE, o que terá implicações económicas e irá refletir-se nas contas públicas e na sustentabilidade da Segurança Social. «Estima-se que dívida pública portuguesa aumentará em 2030 por causa dos custos do envelhecimento da população. Se não tivermos prudência fiscal, tornar-se-á ainda mais explosiva.»

O ex-ministro da Economia assegura que vamos ter de trabalhar até mais tarde e criar mecanismos que flexibilizem a legislação do trabalho. «Não é sustentável manter as pessoas sem trabalhar durante 30 anos à espera que o Estado pague. Quem quiser trabalhar até mais tarde, deve poder fazê-lo.»

Opinião partilhada pelo professor de Finanças do ISEG, Paulo Trigo Pereira. «A idade da reforma não devia ser mandatória. Há quem chegue à reforma exaurido, mas também há quem gostaria de continuar a trabalhar depois dos 70 anos. Temos de arranjar modelos de funcionamento muito mais criativos no desenho de soluções, que não seja uma solução igual para todos, one size fits all».

 

Que alternativas têm os portugueses para acautelar a reforma?
«A média de pensões é muito baixa, não chega aos 500 euros, e a taxa de poupança dos portugueses é também muito baixa», observa Pedro Mota Soares. É certo que aumentou agora, durante a pandemia, mas não é suficiente. Comparado com o resto da Europa, poupamos metade. Perante este cenário, o ex-ministro da Solidariedade, Trabalho e Segurança Social reforça a necessidade de se darem alguns passos no sentido de as pessoas terem mais capacidade de aforro. «É preciso criar alguns mecanismos de poupança para a reforma, ainda que voluntários, dado que as pensões serão, no futuro, significativamente mais baixas do que as actuais.»

Valdemar Duarte, da Comissão consultora dos Fundos de Pensões, assegura, contudo, que há uma oferta ampla de produtos de aforro à disposição, com qualidade. É caso para perguntar: porque não poupamos, então, em instrumentos de longo prazo? «Porque os produtos que existem não são atrativos do ponto de vista da perda de liquidez. Ou seja, se eu tiver de imobilizar o dinheiro que aplico, gosto de ter algo em troca. Se não tiver, deixo o dinheiro à disposição para o utilizar quando precisar dele», justifica.

Mais importante do que criar estímulos, nota Valdemar Duarte, «é a mensagem que é transmitida à população: a Segurança Social pode sobreviver sozinha e os portugueses podem contar exclusivamente com o Estado. Isto é, podem poupar para a reforma, mas apenas numa perspcetiva de acrescentar mais algum rendimento a algo de bom e certo que irão receber. O Estado apresenta-se como omnipotente e omnipresente. Ora, a mensagem que devia passar é que as pessoas devem acautelar o futuro, e até o presente.»

Os portugueses têm tendência para escolher produtos sem risco, preferencialmente depósitos a prazos, que têm taxas de juros quase negativas. No entanto, prevê-se que as taxas fiquem próximas do zero nos próximos dez anos, avisa Francesco Franco. Valdemar Duarte deixa um alerta, «viver com risco zero ou muito baixo pode ser interessante para aplicar poupanças no curto prazo, mas é extremamente penalizador e perigoso para aplicar no longo prazo.»

Além dos depósitos a prazo, o produto favorito dos portugueses são os PPR. «Mais de 80% dos PPR são sob a forma de seguro, com capital garantido. Como tal, têm uma rentabilidade mais baixa», observa Joaquim Rodrigues da Silva. «Isso faz sentido aos 56 anos, mas, se começar a poupança aos 30, optar por produtos com mais risco pode ser interessante.» Mudar mentalidades é, por isso, necessário, defende o director do Centro de Competências Jurídico e Financeiro da Deco Proteste.

«Começar a poupar para reforma aos 40 já não é suficiente. Deve ser tão cedo quanto possível», desafia. O fator de capitalização, neste caso, é importante. E dá um exemplo: «Se uma pessoa com 30 anos começar a poupar 100 euros e o aplicar no plano de poupança reforma sob a forma de fundo que recomendamos, quando chegar à reforma, pressupondo que a rentabilidade se mantenha, terá cerca de 250 mil euros.»

A tendência para colocar as poupanças num determinado produto e deixá-lo estar sossegado, sem olhar para lá com a regularidade que seria desejável é outra questão importante que Joaquim Rodrigues da Silva destaca. «A transferência de produtos para gestoras com rentabilidades mais interessantes pode ser a solução.» Valdemar Duarte acrescenta: «Para ter rendimento é preciso ter risco, e para ter risco é preciso ter informação sobre o risco, é preciso jogar com variáveis como diversificação, dispersão.»

À parte das várias soluções de aforro, Francesco Franco avança com outra opção para precaver o futuro das reformas. «A TSU e os impostos sobre as empresas podiam ser transformados em incentivos de poupança. Ou seja, o trabalhador podia decidir voluntariamente dedicar uma parte do seu salário para um fundo.» É notório, porém, que em Portugal estamos muito aquém do se passa noutros países europeus.

Joaquim Rodrigues da Silva, salienta que apenas 3,7% de trabalhadores portugueses estão ao abrigo do segundo pilar, ou seja, são poucas as empresas que têm fundos de pensões que permitem aos trabalhadores beneficiarem de um complemento de reforma. «No caso da Holanda ou da Suécia, por exemplo, chega a 80% da população.»

Como Portugal tem mais de 90% de micro e pequenas empresas, não é, contudo, fácil criar instrumentos como estes, observa Pedro Mota Soares. Exatamente por isso, o ex-ministro defende outros incentivos. «Tenho defendido nos últimos anos que devia ser criado um suplemento à reforma em que qualquer pessoa que entre no mercado de trabalho passe a descontar 1%, com liberdade de escolha entre os produtos de poupança que existem, sejam privados ou públicos, acompanhado por 1% a cargo da empresa, sendo que este devia dar direito a um desconto fiscal.»

Valdemar Duarte partilha da solução. «Deve haver uma lógica tripartida de contribuição inicial do trabalhador, com o incentivo por parte da empresa e um apoio fiscal do Estado que reduza o custo e torne atrativo uma empresa aderir», conclui.

O futuro das pensões está em suspenso. «Como diz António Bagão Félix, com alguma graça, não é um sistema pay-as-you-go, mas pray-as-you-go. Ou seja, com alguma fé no futuro sobre se vamos encontrar uma forma de financiar o sistema da Segurança Social. É altura de criar quer estímulos legais, quer estímulos fiscais que obriguem um pouco as pessoas a pensar sobre o que está a acontecer», aconselha Pedro Mota Soares.

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