Fernando Neves de Almeida: «Os jovens são o futuro das organizações, mas os profissionais que estão no planalto da carreira são o presente»

Os profissionais que atingiram o planalto da carreira não são bem aproveitados nas empresas. A falta de motivação tem consequências nocivas, mas a rigidez do mercado de trabalho não facilita novas oportunidades. Mas há uma solução, revelou Fernando Neves de Almeida na XXVIII Conferência Human Resources, numa conversa sobre “É o idadismo uma realidade nas empresas? Ou é uma questão de motivação?”.

 

Numa conversa bem-humorada e descontraída, Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, lançou o mote: perante o foco nos mais jovens, a quem se dirige uma série de regalias e condições, como ficam os mais experientes neste cenário?

O tratamento dado às gerações mais novas é algo positivo, e a «aposta na identificação do talento», dos profissionais «mais especiais, e ajudá-los a tornarem-se melhores» é «preparar o futuro das organizações», começa por dar nota o partner da Boyden. Porém, no seu entender, a falta de tratamento que se dá às pessoas que estão no planalto das suas carreiras, ou seja, «o momento em que já não há oportunidade de se progredir ou ser-se promovido» é o que levanta algumas questões.

Se alguns profissionais chegam a CEO ou administradores aos 35, 40 anos, outros há que, por diversos motivos, atingem um nível na organização, chefia ou não, que não progridem mais na carreira e, na maioria dos casos, isso significa que «ano após ano, vão fazendo praticamente as mesmas coisas, e o seu dia-a-dia sofre poucas variações no local de trabalho», realça. Claro que o salário é importante, até «porque as pessoas trabalham para ganhar dinheiro», reconhece Fernando Neves de Almeida, mas «vários estudos mostram que o que leva a fazer mais e melhor não é o salário nem os benefícios, mas sim o desafio que produz a motivação para levar a querer todos os dias transcender-nos». Ter um propósito individual, «logicamente conectado com o propósito da organização», também ajuda nesse processo de motivação pelo trabalho, acrescenta, mas acontece que «hoje se tem dado menos atenção do que se devia aos profissionais que atingem um plateau e a criar situações que os leve a ir para o trabalho e a querer fazer mais e melhor».

O tema da idade é então indissociável desta realidade, contrapõe Ricardo Florêncio, considerando que um profissional aos 30 anos acredita que «tem sempre algo a acrescentar à organização e uma motivação adicional», porque ainda está a construir o seu caminho, mas aos 40–50 já pensará de outra maneira. O partner da Boyden concorda, mas explica que a diferença está nas oportunidades no mercado de trabalho disponíveis em ambos os casos. «Quanto mais velhas as pessoas se tornam, mais difícil é mudar de emprego e encontrar uma nova oportunidade», garante. Adicionalmente, refere que a legislação laboral em Portugal «é uma vergonha», porque supostamente é para proteger o trabalhador, mas traz grandes «efeitos nocivos». O mercado é pouco flexível e sólido, o que significa que «um profissional mais sénior que perca o emprego dificilmente arranjará outra oportunidade», explica, o que levará essa pessoa a acomodar-se e a ficar onde está. «Estão mais ou menos motivadas, ganham bem, têm bons benefícios e, se não gostam muito, é um sacrifício que fazem, porque não têm nenhum incentivo para mudar isso.»

Mudança ou rotatividade = motivação

E recorda uma situação, no passado, num caso de outplacement que o surpreendeu, pois «as pessoas que têm a sorte de ser recolocadas dizem que ficaram melhor, não só em termos motivacionais como financeiros». Ou seja, o tema da eventual falta de motivação por não estarem a ser bem aproveitados em determinada organização resolveu-se com uma mudança de emprego.

Considerando que os profissionais de uma certa faixa etária, com determinada experiência e conhecimentos sobre a própria empresa, «têm muito para dar», para evitarem perder produtividade, as empresas «não devem descurar essas pessoas em detrimento de só formar os jovens de elevado potencial e de só formar as lideranças», alerta. «Há muito investimento em desenvolvimento de liderança, o que é óptimo, e normalmente a produtividade está muito associada à liderança, boa ou má, mas, na prática, quem faz a máquina funcionar e com que as coisas aconteçam» são estes profissionais, sendo urgente olhar para este tema. E recorda que na Administração Pública, este fenómeno é ainda mais grave «dada a rigidez dos processos de Gestão de Pessoas». «As pessoas podiam fazer melhor, é verdade», reconhece, mas falta motivação para fazer melhor e faltam alternativas. «Não se trata dessas pessoas da forma que deviam ser tratadas.»

Tal nem sempre será fácil de levar a cabo «em empresas pequenas ou muito especializadas», mas numa empresa de maior dimensão existem mais soluções, e deixa uma sugestão.

«No início do BCP, era raríssimo um director responsável de área estar mais do que x tempo numa determinada função. Hoje estava como responsável de marketing e amanhã era responsável de TI», recorda. As áreas eram muito distintas e a mudança provocava algum choque, mas a verdade é que «o BCP cresceu, e as pessoas estavam altamente motivadas naquela fase», demonstrando que as mudanças acabaram por ser boas para a organização. «Quando temos profissionais em plateau de carreira sem hipótese de fazer diferente na sua função actual, porque não fazer mais rotação de pessoas?», sugere.

Ainda que seja necessário algum conhecimento técnico, «mudar de funções não é assim uma coisa tão transcendente» e «aprende-se, é um desafio até». Partir do princípio de que não conseguimos fazer mais nada do que aquilo que fazemos bem, é, a seu ver, redutor.

Avançando para outro tema, Fernando Neves de Almeida sublinha que, muitas vezes, são as chefias e os líderes das equipas que não querem dar essas oportunidades aos colaboradores, «porque acham que vão perder um bom colaborador e quem vier pode não ser tão bom». Contudo, «esquecem-se que essa pessoa pode ser um bom colaborador, mas podia ser muito melhor e mais feliz noutro sítio». E acredita que esse «egoísmo mascarado de altruísmo, “é bom para a empresa que ele fique aqui”, se calhar não é assim tão bom», porque para a empresa ter pessoas motivadas em todos os níveis, da liderança até aos jovens de elevado potencial, não pode esquecer os restantes, que provavelmente constituem «80% da empresa e representam não o futuro, porque isso são os mais novos, mas sim o presente da organização, que permitirá que esta chegue ao futuro», conclui.

 

Texto Tânia Reis | Foto: NC Produções

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