Filipe Pereira, Egor: «O trabalho temporário em Portugal não é uma actividade sazonal»

Em Portugal, o sector do trabalho temporário representa aproximadamente mil milhão de euros. Num mercado muito sujeito a flutuações, esta modalidade permite oferecer soluções flexíveis de gestão de potencial humano, além da rápida inserção no mercado de trabalho e do desenvolvimento profissional. Contudo, a actual legislação laboral deve ser revista, alerta Filipe Pereira, director Comercial da Egor.

Por Tânia Reis

 

Em 2023, o rebranding do Grupo Egor resultou na criação da The Bridge, uma marca específica para a área do trabalho temporário. O foco de actuação tem incidido na Indústria e Logística, mas o sector dos Serviços e Retalho tem vindo a ganhar relevância. Ainda que haja um maior gap entre a procura e a disponibilidade de pessoas com forte componente técnica, há cada vez maior procura por competências de relacionamento, de resiliência, de adaptabilidade. A IA vai ter um grande impacto no mercado de trabalho temporário, mas o caminho a seguir é claro: apostar no reskilling ou upskilling dos colaboradores.

 

Qual o actual cenário do emprego temporário em Portugal?

O cenário actual é de estagnação, com uma tendência de decréscimo. No ano passado, assistimos a uma estagnação dos índices de utilização de trabalho temporário, sendo que, em 2024, a tendência mensal tem sido de decréscimo. A título de exemplo, em Janeiro de 2024, de acordo com os dados recolhidos pela APESPE junto das empresas de referência do sector, nas quais nos inserimos, o índice de utilização de trabalho temporário em Janeiro de 2024 foi de 0,87 face a Janeiro de 2023.

À excepção de sectores de actividade “mais sazonais”, como a hotelaria, Portugal não aparenta ter grande tradição de trabalho temporário. Que razões aponta para tal?

Existe essa percepção, mas é um dos grandes mitos da área de trabalho temporário. Se compararmos com outros países da Europa, o sector de trabalho temporário em Portugal representa aproximadamente mil milhão de euros, sendo que estamos colocados a meio da tabela da performance europeia analisada meramente pelo market value, ou seja, não é possível afirmar que é uma actividade sazonal e sem tradição, pelo contrário, o trabalho temporário é uma actividade estabelecida em Portugal de forma sustentada e que faz parte integrante de um mercado de trabalho dinâmico e flexível.

Que impacto teria nas empresas e na economia se essa percepção mudasse?

Para as empresas, e a economia no geral, que ainda não reconhecem as mais valias do trabalho temporário, sugiro que pensem no trabalho temporário na sua plenitude. Em Portugal existe um tecido empresarial muito sujeito a variações de mercado, que é facilmente impactado pela macroeconomia global. Como tal, o trabalho temporário permite, nas devidas situações, oferecer soluções flexíveis de gestão de potencial humano, com o fit certo para a função. É uma solução flexível, quer para a gestão dos picos de actividade, quer para lançamento de novos produtos, ou outras necessidades.

Que estigmas existem relativamente a esse modelo de trabalho? A seu ver, vêm mais do lado das empresas ou dos profissionais?

Existem estigmas claro, mas da minha experiência no terreno, os estigmas vêm essencialmente da sociedade e de quem nunca teve qualquer experiência pessoal ou profissional com o trabalho temporário.

De que forma pode essa tendência ser contrariada?

A tendência contraria-se de várias formas. Os trabalhadores que têm as suas experiências profissionais com empresas de trabalho temporário percebem de forma muito rápida as suas vantagens: as empresas de trabalho temporário permitem uma rápida inserção no mercado de trabalho; permitem adquirir experiência, um desenvolvimento profissional, em suma, uma maior qualificação perante o mercado de trabalho em geral. Por outro lado, os trabalhadores também compreendem que, mesmo terminando um projecto num determinado cliente, é do interesse da empresa arranjar-lhe colocação noutro cliente, potenciando assim a sua rápida reinserção no mercado de trabalho.

A tendência que deve ser contrariada é a regulamentação apertada do sector – recordo que este sector tem autorizações específicas para a actividade. Felizmente, a APESPE (Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego e de Recursos Humanos) está a desempenhar um papel relevante com os diversos stakeholders envolvidos nesta actividade, e a contribuir de forma significativa para mitigar os estigmas da sociedade em relação ao trabalho temporário.

A legislação laboral facilita/incentiva a contratação de trabalhadores temporários?

A legislação actual laboral não compreende como funciona este sector. A última legislação, aprovada em 2023, introduziu temas que são antagónicos e inviáveis face ao uso de trabalho temporário, desde a percentagem de trabalhadores efectivos de empresas de trabalho temporário, até a conversão em contrato de trabalho permanente em situações nas quais os colaboradores estejam a trabalhar anos consecutivos, mas em clientes diferentes.

Neste último ponto, não deixa de ser peculiar que esta medida prejudique fundamentalmente os colaboradores a médio e longo prazo, e contrarie a preocupação que as empresas de trabalho temporário sempre tiveram com a empregabilidade, ao tentar colocar o trabalhador noutro cliente, quando um determinado cliente deixou de recorrer ao trabalho temporário.

Contudo, gostaria de sublinhar que, genericamente, compreende-se algumas das alterações legislativas, sobretudo a intenção de garantir um maior controlo sobre o uso do trabalho temporário como solução para a actividade das empresas. Mas sublinho também que a esmagadora maioria das inúmeras inspecções que a ACT realiza neste sector têm parecer positivo, ou seja, não é detectada qualquer ilegalidade. O trabalho temporário está perfeitamente enquadrado na sua missão e visão.

Que mudanças são necessárias do lado do governo? E das empresas?

Estamos agora no período de um novo governo e de alguma expectativa relativamente a alterações legislativas e da relação deste executivo com as empresas. Neste momento, o governo tem de perceber que o trabalho temporário não é um modelo alternativo aos contratos a termo, que o trabalho temporário é essencial para o nosso tecido empresarial. É fundamental que os trabalhadores em Portugal se inseriram no mercado de trabalho e aumentem a sua experiência e qualificação.

Fale-nos um pouco sobre a marca The Bridge.

A The Bridge é a marca do Grupo Egor especializada na área de trabalho temporário. A Egor, através da Tutela, nome da nossa área de trabalho temporário à data, foi a primeira empresa a ser licenciada para o exercício desta actividade, que tem tido um forte crescimento no que se refere ao volume de facturação e número de trabalhadores colocados. Em 2023, em resultado do rebranding do Grupo Egor, decidimos criar uma marca específica para a área do trabalho temporário, cujo nome resulta da nossa missão: estabelecer a ponte entre os candidatos e as empresas, contribuindo para que essa ponte seja um caminho de dois sentidos, ou seja, que valorizemos o colaborador e as empresas com as quais trabalhamos.

Em termos de números, fechámos 2023 com 46 milhões de euros de facturação na The Bridge, o que evidencia um crescimento de 10% face a 2022. Para 2024, projectamos igualmente um crescimento que nos faça superar os 50 milhões de euros facturados.

Tendo em consideração que o sector está a retrair, o nosso crescimento sustentado é a evidência do excelente trabalho que tem sido feito por toda a equipa The Bridge.

Quais os principais sectores de actividade dos clientes com quem trabalham?

A nossa intervenção é muito ecléctica no que se refere aos sectores de actividade, mas naturalmente não estamos dissociados do que caracteriza o tecido empresarial português. O nosso maior foco é a Indústria, a Logística, mas cada vez mais o sector dos Serviços e Retalho.

E quantos profissionais apoiaram até ao momento?

Actualmente, temos mais de 2500 colaboradores a serem geridos mensalmente nos mais diversos clientes e sectores de actividade. Considerando que existem picos de produção, quebras de actividade, sazonalidade, ao longo do ano, teremos mais de quatro mil colaboradores em contacto anual com a The Bridge.

Qual o seu perfil?

Por norma, são profissionais com menores qualificações, ou seja, não licenciadas, e uma faixa etária inferior a 35 anos. Contudo, existem cada vez mais excepções a este perfil, em virtude do alargamento do trabalho temporário ao sector dos serviços e também do foco na contratação de recursos humanos com mais idade, que por algum motivo se viram numa situação de desemprego.

Quais as áreas onde sente haver maior escassez de profissionais?

Hoje, Portugal atravessa um momento em que a taxa de desemprego é bastante reduzida, o que provoca atrito na maioria das áreas de actividade, no que se refere ao match entre as necessidades das empresas e a disponibilidade de profissionais. É algo transversal, mas podemos referenciar as áreas com forte componente técnica como aquelas em que existe um maior gap entre a procura e a disponibilidade de pessoas.

No que diz respeito às competências, quais são as mais procuradas pelas empresas?

Há cada vez mais uma procura por competências de relacionamento, de resiliência, de adaptabilidade, ou seja, um conjunto de competências que podem ser aplicáveis a mais do que uma função em específico.

Que impacto está a ter a Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho temporário? E como prevê que será no futuro próximo?

A IA vai ter um grande impacto no mercado de trabalho temporário, certas funções repetitivas vão ser eliminadas, sobretudo as que a intervenção humana não acrescenta valor. Temos de ser realistas: há funções que actualmente são efectuadas por trabalhadores temporários passarão a ser efectuadas de outro modo.

O caminho a seguir é bastante claro e já o sentimos em alguns sectores de actividade: focar no reskilling ou upskilling dos colaboradores para conseguir conviver em harmonia com os mecanismos de IA, alocando as pessoas certas para as tarefas nas quais serão certamente uma mais-valia. Esta estratégia vai valorizar as próprias pessoas, que ficarão menos expostas a tarefas repetitivas e monótonas, e ao risco de uma substituição por um mecanismo de IA.

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