Flash Talk: Acelerar a responsabilidade social em Portugal
Quando falamos de Responsabilidade Social Empresarial, Portugal ainda não evoluiu como os Estados Unidos da América ou o Reino Unido, que já a possuem no seu “core”. No futuro, deverá ser um aspecto cada vez mais central nas empresas, devido à importância dada pelos colaboradores das gerações mais jovens.
Por Diana Pedro Tavares
Marco Barbosa é fundador e CEO da eSolidar, uma plataforma digital de fundrainsing que permite que causas sociais possam diversificar a forma como angariam fundos, e alcançar novas audiências, que abriu recentemente às empresas (eSolidar Business), dotando-as de ferramentas para acelerar a responsabilidade social.
O jovem CEO, que foi distinguido com a atribuição de Forbes 30 under 30, revela um pouco do percurso da plataforma e faz um retrato da responsabilidade social no ramo empresarial português.
Como surgiu a ideia de criar a plataforma eSolidar e que objectivos estão na sua génese?
A ideia surgiu, numa fase muito inicial, na minha tese de mestrado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde o objectivo era juntar as redes sociais, o comércio electrónico e o impacto social, de forma a tentar impulsionar o impacto através dessas grandes indústrias. A ideia foi evoluindo e tornou-se na eSolidar quando recebemos a primeira ronda de investimento da BusyAngels.
Em que consiste e como funciona, exactamente?
Basicamente é um mercado online que permite que causas sociais possam diversificar a forma como angariam fundos e alcançar novas audiências através da compra, venda de artigos, donativos e leilões solidários com marcas e celebridades. Por exemplo, uma guitarra autografada da Katy Perry para ajudar a plantar árvores na Amazónia. Ou seja, é uma plataforma de comércio electrónico e leilões que angaria fundos para causas sociais.
Que causas sociais têm defendido?
Nós aceitamos que qualquer instituição se possa registar e depois temos um processo de validação. Não temos preferência por uma causa em específico, mas as três causas que as pessoas têm ajudado mais através da eSolidar são relacionadas com o meio ambiente, a deficiência motora e a inclusão social.
Recentemente, a plataforma foi aberta para empresas, dotando-as de ferramentas para acelerar a responsabilidade social. O que motivou esta aposta?
Quando começámos operações em Londres, tivemos o privilégio de colaborar com parceiros como o ImpactHub de Kings Cross e a Cass Business School. Isto permitiu-nos perceber as falhas no nosso actual modelo de negócio e quais as oportunidades de mercado que nos permitissem expandir a nossa oferta, fortalecer o nosso modelo de negócio e melhorar a nossa proposta de valor.
Foi aí que, depois de um estudo de três meses e de começarmos a trabalhar com empresas como a TAP e Delta, descobrimos que existem diversos factores que motivaram esta aposta.
Quando olhamos para o sector empresarial, vemos tecnologia a ser aplicada em todos os departamentos, seja na facturação, marketing, comunicação, gestão de tarefas, etc… mas quando olhamos para a área de responsabilidade, é muito difícil encontrar soluções tecnológicas. Mesmo as que se encontram ainda são muito tradicionais, baseadas no passado e não nas novas gerações.
Outro factor é a tendência, cada vez mais clara, que existe uma correlação muito forte entre a responsabilidade social e o envolvimento dos colaboradores. Quando os colaboradores e a direcção se envolvem e adoptam uma lógica de bottom-up, a responsabilidade social tem um impacto muito positivo na retenção de talento, envolvimento, produtividade e facturação.
Que balanço faz? As empresas estão a aderir? E os colaboradores dessas empresas?
Sim, as empresas com uma mentalidade mais aberta e que se preocupam mais com os seus colaboradores, têm aderido. As mais tradicionais ainda não percebem as vantagens nem estão dispostas a disponibilizar qualquer orçamento relacionado com responsabilidade social. Ou seja, a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) em Portugal, ainda é vista como um “nice-to-have” em vez de um “must-have”.
Quando olhamos para as empresas mais bem sucedidas do mundo, principalmente em mercados nórdicos, Reino Unido e Estados Unidos da América, verificamos que são empresas que têm a RSE como “core”. Existe um trabalho muito grande da nossa parte para educar as empresas sobre a importância deste tema.
Acha então que a responsabilidade social ainda não é uma preocupação real para os gestores portugueses?
Na grande maioria não. Ainda consideram a RSE como sendo um relatório no final do ano e uma forma de “parecer bem”.
Mesmo que sem referir empresas em concreto, partilhe alguns exemplos de iniciativas que tenham sido promovidas através da eSolidar, partilhando o impacto que teve.
Por exemplo, uma empresa já angariou cerca de 50 mil euros para diversas causas, através de leilões solidários de artigos que já não tinham uso. Outra empresa tem feito vários leilões privados só com os colaboradores, de artigos exclusivos e experiências únicas, onde o valor angariado vai para um fundo de apoio aos próprios colaboradores quando estes têm dificuldades.
Como pode a plataforma eSolidar ajudar as empresas a desenvolver a área de RSE?
A eSolidar permite melhorar o envolvimento de colaboradores impulsionado pelo impacto social, e permite entender e capacitar melhor os seus funcionários, ampliando e medindo o impacto social. Basicamente, é uma plataforma que permite gerir e analisar donativos, recompensas, campanhas e oportunidades de voluntariado corporativo. Além disso, permite medir o impacto que as diferentes iniciativas têm na retenção, satisfação e produtividade dos colaboradores.
Foi reconhecido com a atribuição de Forbes 30 under 30 pela revista norte-americana, sendo considerado um dos jovens mais influentes na área do empreendedorismo social. Como surgiu o interesse por esta área?
Não sei ao certo como surgiu, mas sempre acreditei que a sociedade deveria ter uma estrutura base que permita potenciar a igualdade de oportunidades. Penso que ideias como o Universal Basic Income podem ajudar, mas não será suficiente. Sou imensamente grato por ter nascido neste país com a família que tenho e isso faz-me pensar constantemente no que posso fazer para possibilitar mais oportunidades a quem mais precisa ou a quem nunca as teve.
Para mim, a diferença na distribuição de recursos e o desnivelamento entre o sector corporativo e nonprofit são dos factores que mais influenciam a desigualdade social e a falta de oportunidades. Penso que a tecnologia pode ajudar a minimizar estes pontos, criando um ecossistema onde todos (causas, consumidores e empresas) se podem envolver e ajudar numa lógica de win-win. Este foi um dos principais pressupostos para a criação da eSolidar.
Na sua opinião, qual a importância que a Responsabilidade Social Empresarial assume, ou devia assumir, nos negócios?
Penso que deverá ser cada vez mais central, juntamente com a área dos Recursos Humanos e do Marketing. Por exemplo, o relatório Global CEO Survey da PwC mostra que 64% das empresas consideram que as suas políticas de solidariedade social são um aspecto fundamental do seu negócio. No entanto, apenas 29% das empresas se focam na responsabilidade social como estratégia para atrair e reter os melhores talentos na sua força de trabalho.
A Responsabilidade Social Empresarial também tem muito impacto na redução de custos de baixa produtividade e rotatividade de colaboradores. Segundo a Gallup, 17,2% dos colaboradores são “tóxicos” e cada um tem um custo de cerca de 12.000 dólares por ano em baixa produtividade. Simon Sinek defende que a motivação das pessoas assenta na razão pela qual as empresas fazem o que fazem, mais do que a forma como o fazem. Isso é útil de uma perspectiva de gestão de marca, mas também se transfere para o funcionamento diário do negócio.
Apesar do receio de que as políticas de responsabilidade social ocupem o tempo dos colaboradores com tarefas não directamente imputáveis ao seu cargo, os programas de solidariedade social têm demonstrado ser capazes de melhorar a produtividade em cerca de 13%, de acordo com o Project ROI. O mesmo relatório descobriu ainda que responsabilidade social reduziu a taxa de rotatividade do pessoal em 25-50%.
Segundo a Harvard Business Review, não é necessariamente oferecendo mais dinheiro que se conseguem atrair e reter os colaboradores que “vestem a camisola” e acreditam na empresa. As empresas precisam de demonstrar que estão empenhadas em ter um impacto positivo, que os trabalhadores são envolvidos nesse processo e que isso é um aspecto fundamental na sua operação.
Que tendências perspectiva nesta área?
Penso que é inevitável um maior envolvimento nesta área, não porque as empresas assim o decidam, mas principalmente por serem “forçadas” a isso, tanto do lado da competitividade e reputação, como do lado da exigência da nova geração de colaboradores que valorizam cada vez mais essa área como sendo um dos principais pontos de influência, antes de escolher qual a empresa onde deseja trabalhar.
De acordo com o relatório Project ROI, 76% dos americanos não aceitariam um emprego numa empresa com má reputação, ainda que estivessem desempregados, e 45% dos millennials declararam que aceitariam um corte salarial optando por trabalhar para uma empresa que tenha um impacto social ou ambiental positivo. Ao mesmo tempo, 78% dos millennials dizem que a responsabilidade social influencia directamente se eles trabalhariam em determinada empresa. 90% dizem que querem usar as suas competências para o bem, 75% dos colaboradores querem participar dos programas de filantropia e voluntariado da sua empresa e 93% dos colaboradores que se voluntariam estão felizes com o seu empregador. Estes dados reforçam a importância inequívoca de uma boa reputação em termos de responsabilidade social.
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