Flash Talk: Como está a saúde nas empresas?

É o que revela o estudo Aon EMEA Health Survey 2018, realizado em 900 empresas da Europa (incluindo Portugal), África e Médio Oriente. Conheça aqui as principais conclusões.


Por Ana Leonor Martins

 

O estudo Aon EMEA Health Survey 2018 da consultora Aon sobre saúde nas empresas foi realizado na Europa, África e Médio Oriente e participaram 70 empresas portuguesas. Os resultados indicam que o grande desafio para Portugal é melhorar o engagement dos colaboradores e que o stress e a saúde mental são as principais preocupações que afectam a saúde e o bem-estar dos colaboradores portugueses, com a saúde financeira a figurar em segundo lugar.

João Dias, especialista em saúde na equipa HR Solutions da Aon Portugal comenta estes e outros resultados e deixa alguns sugestões de melhoria.

 

A AON está a divulgar um estudo internacional sobre saúde nas empresas. Quais as conclusões que destaca, a nível global?
A nível global, a saúde e o bem-estar dos colaboradores estão no topo da agenda de muitas organizações neste momento. O aumento do foco em questões como o bem-estar físico, psicológico, social e financeiro não é surpreendente e observamos que cada vez mais empresas estão a tentar construir e desenvolver uma estratégia de saúde abrangente, num ambiente económico e social cada vez mais volátil e desafiador.

Neste âmbito, quais os principais desafios com que as empresas de deparam?
Para além dos desafios do ambiente económico onde operam, que são já um dado adquirido; temos outros factores importantes, que englobam:

– uma inflação médica elevada e bem acima do resto da economia, associada a um envelhecimento da população na Europa e à evolução acelerada da medicina, com tratamentos cada vez mais eficazes mas também mais dispendiosos;

– novos modelos de saúde em rápida evolução, incluindo o impacto da saúde digital, por exemplo com as chamadas “health apps”, em acelerada penetração junto dos consumidores mais jovens;

– as mudanças nas necessidades e exigências de uma força de trabalho cada vez mais multigeracional, bem como a necessidade de incrementar os níveis de compromisso dos colaboradores com a empresa: o denominado “engagement”;

Tudo isto deve ser visto em conjunto, com as empresas a reconhecerem cada vez mais a importância do seu papel em educar e melhorar os comportamentos associados a estilos de vida menos saudáveis dos seus colaboradores.

 

Quais as principais conclusões do estudo Aon EMEA Health Survey 2018 para Portugal?
De um modo geral, podemos afirmar que Portugal segue as tendências que detectámos a nível global. Melhorar o nível de engagement e moral dos colaboradores continua a ser o principal desafio para as empresas portuguesas. O stress e a saúde mental continuam a ser as áreas de maior preocupação na esfera da saúde e bem-estar dos colaboradores, em linha com que já tínhamos verificado  no estudo de 2016.

 

O que é que isso revela?
Podemos concluir que as empresas portuguesas estão cada vez mais conscientes da ligação directa entre o bem-estar dos colaboradores e o seu nível de produtividade e de engagement com a empresa, bem como da correlação entre a gestão de comportamentos associados a estilos de vida menos saudáveis – como por exemplo o stress elevado, o sedentarismo e a obesidade –  e o custo com o seguro de saúde e, em última instância, o absentismo e o presentismo, sendo este bem mais difícil de medir.

No entanto, apesar de haver conhecimento da correlação entre a saúde e o desempenho dos colaboradores, a maioria das nossas empresas  não estão ainda numa fase de implementar estratégias que permitam melhores resultados neste sentido.

 

Como diria que está a saúde nas empresas, em Portugal?
Embora actualmente não tenhamos métricas que nos permitam medir o nível geral de saúde dos colaboradores das empresas portuguesas, vemos como um factor bastante positivo que a maioria delas acredita que cada vez mais deve ter um papel importante e activo na promoção da saúde dos seus colaboradores.

O budget limitado continua a ser o maior obstáculo para as estratégias de saúde das empresas Portuguesas. No entanto, apenas 14% das empresas em Portugal analisam ou monitorizam  os resultados da implementação dos seus programas de saúde, pelo que aqui existe claramente uma oportunidade para uma maior aposta numa monotorização mais efectiva e com métricas adequadas que permitam concentrar as iniciativas de saúde onde são mais necessárias e onde possam gerar um maior retorno do investimento.

 

Comparativamente aos outros países da Europa, como se posiciona Portugal nesta matéria?
Apesar de as empresas portugueses registarem níveis mais elevados de preocupação com questões de saúde do que as suas homólogas europeias, os programas de saúde e bem-estar que tendem a implementar são menos abrangentes quando comparados com os programas implementados em outros países na Europa, estando muitas vezes restringidos à mera implementação de um seguro de saúde e da medicina do trabalho obrigatória por lei,  não indo muito mais além.

No entanto, as empresas portuguesas estão um passo à frente das suas homólogas na Europa, optimizando da melhor forma o limitado budget disponível para programas de saúde e bem-estar, aproveitando em muitos casos alguns serviços que já são disponibilizados pelas seguradoras de saúde, por exemplo na esfera da prevenção, educação para a saúde e comunicação.

 

Que evolução se registou, comparativamente ao estudo de 2016?
Face a 2016, embora mais empresas tenham agora uma maior fatia do seu budget alocado para a saúde dos seus colaboradores, parecem ainda não ter alcançado os resultados pretendidos.

Os resultados do estudo, demonstram que houve também uma ligeira evolução no número de empresas que já utiliza dados e informação para o apoio e a tomada de decisão relativa à definição de uma estratégia de saúde e bem-estar e que existe também uma maior preocupação em medir os resultados associados a este tipo de programas. Contudo, existe ainda um longo caminho a percorrer na adopção de uma abordagem baseada numa análise mais analítica aos dados disponíveis e que concentre as iniciativas de saúde onde são mais necessárias e onde possam gerar maior valor.

Por exemplo, se uma empresa tiver dados que lhe permitam perceber que tem níveis de obesidade acima da média, poderá apostar em programas de nutrição e alimentação saudável e estes irão gerar certamente um retorno importante.

 

Quais os dados mais preocupantes, a nível nacional?
Actualmente, temos uma população das mais envelhecidas da União Europeia (UE) e uma taxa de natalidade das mais baixas, o que coloca uma enorme pressão sobre o aumento dos custos com a saúde a médio e longo prazo. Não vemos hoje em dia no nosso debate público e político que estes temas estejam na ordem do dia e o país continua sobretudo focado em questões de curto prazo.

No que toca aos factores de risco de saúde, os níveis de inactividade física e obesidade elevados são áreas onde estamos ainda abaixo da média europeia e que são causa de diversas patologias, pelo que existe ainda muito a fazer no domínio da educação e prevenção. A saúde em Portugal continua a ser vista muito numa lógica de curto prazo, com o foco na óptica do custo e não do investimento que gera retorno a médio e longo prazo.

Entendemos que o estado devia dar o exemplo, orientando o nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS) mais para a esfera da educação e prevenção e incentivando, por exemplo através de benefícios fiscais, as empresas que investirem nestes domínios. Uma vez que este tipo de investimentos gera retorno, não apenas para as empresas que investem mas também para a sociedade como um todo, aquilo a que em economia se denomina de “externalidades positivas”.

 

O stress e a saúde mental é o que mais afecta a saúde e bem-estar dos colaboradores. Ainda que se tenha registado uma melhoria significativa em relação a 2016, parece que estes temas continuam a ser negligenciados. Por que é que acha que isto acontece, sendo que terão com certeza um impacto directo na produtividade?
Em Portugal, temos ainda um longo caminho a percorrer nesta área pois, apesar de a generalidade das empresas demonstrar preocupação com estas questões, apenas uma minoria tem actualmente programas em curso que visam prevenir e apoiar os colaboradores com este tipo de problemas. A título de exemplo, existem já alguns países europeus em que a implementação deste tipo de programas é obrigatória e corre em paralelo com a tradicional componente da medicina no trabalho, que por si só não responde a questões ligadas ao stress e saúde mental.

Por outro lado, continuamos a trabalhar de uma forma muito disfuncional. Somos dos países da Europa onde se trabalha mais horas mas onde também a produtividade é das mais reduzidas. Por exemplo, nos países do norte da Europa onde os colaboradores são mais produtivos, um colaborador que trabalhe longas horas e saia por norma tarde do seu trabalho é visto como sendo pouco organizado e pouco produtivo, enquanto em Portugal continua muitas vezes a ser valorizado este tipo de comportamentos e a serem enaltecidos os colaboradores que dedicam longas horas à empresa. É claramente uma questão cultural e aqui estamos de facto atrasados e devemos olhar para os exemplos dos países mais desenvolvidos nestas matérias.

 

Qual a melhor forma de fazer prevenção neste âmbito em particular?
Diríamos que, claramente, a melhor forma é garantir um bom ambiente de trabalho na empresa, com uma cultura de abertura e entreajuda entre as pessoas. É importante, por outro lado, desenvolver programas de suporte que possam actuar nos estágios iniciais deste tipo de patologias, nomeadamente antes de as pessoas entrarem nos chamados estados de esgotamento ou depressão. Existem por exemplo os chamados EAP – “employee assistance programs” –, que basicamente consistem em programas de apoio aos colaboradores no âmbito do aconselhamento psicológico com outras vertentes associadas.

O que notamos é que, mesmo na minoria das empresas que implementa este tipo de programas, existe ainda uma certa relutância das pessoas em aceitar que têm este tipo de problemas e em solicitar ajuda especializada numa fase inicial dos sintomas; culturalmente, ainda é muitas vezes visto como associado a um sinal de fraqueza pedir ajuda ou consultar um psicólogo.

 

O principal constrangimento apontado no estudo para a não implementação de programas de saúde é a falta de budget. Será mesmo uma questão de dinheiro ou o facto de não ser visto como uma tema prioritário pelos gestores/ empresários e de ser visto apenas como um custo e não como um investimento?
Em Portugal as empresas poderão ter em média menos capacidade financeira que as suas congéneres europeia, mas para nós  a questão fundamental tem a ver com a forma como são concebidos a maioria dos budgets – a curto prazo para um a dois anos. Quando sabemos que o investimento nestes programas não gera um retorno imediato torna-se muito difícil para os gestores enquadrá-lo num budget orientado para o curto prazo. Mais uma vez, aqui achamos que se trata de uma questão cultural, quando temos uma cultura empresarial, salvo algumas excepções, focada sobretudo em obter resultados no imediato e descurando um pouco uma abordagem e investimentos mais estratégicos numa lógica de médio e longo prazo.

 

O estudo revela ainda que o grande desafio para os Recursos Humanos em Portugal é melhorar o engagement dos colaboradores. Como é que isso pode/ deve ser feito?

Não existem fórmulas mágicas e que se apliquem de um modo transversal a todas as empresas, mas podemos obviamente aprender com base na experiência e, acima de tudo, com a utilização de dados relativos a experiências anteriores. Tudo o que fazemos na Aon é suportado por modelos baseados em dados e, no caso do engagement em particular, é assim há 30 anos. O nosso modelo é suportado pela participação de oito milhões de colaboradores em todo o mundo e confirma que empresas com maiores níveis de engagement melhoram várias dimensões, como por exemplo ao nível dos resultados financeiros, onde por cada 5% de aumento do engagement existe um aumento médio de 3% nesses resultados; ou ainda em dimensões tão importantes em Portugal hoje como o aumento dos níveis de retenção, onde colaboradores com níveis de engagement elevados têm mais 36% de probabilidade de ficar na organização.

A grande questão que se coloca é como podem as empresas aumentar o nível de engagement dos seus colaboradores e nesse ponto há várias respostas que mudam, não só de empresa para empresa, como também evoluem ao longo dos tempos. Atcualmente, os principais eixos de aumento do engagement prendem-se com o sentido de propósito e orgulho na organização, o reconhecimento e compensação, a liderança sénior, o Employee Value Proposition (EVP) global e as infraestruturas associadas à organização da empresa e à forma flexível com que encara as necessidades individuais de cada colaborador na organização do seu trabalho e conciliação com a sua vida e com os seus “projectos” pessoais. Claramente, as questões relacionadas com o bem-estar físico, psicológico, social e financeiro são pilares base de todos estes gatilhos de aumento de engagement.

 

Quais os principais desafios e que tendências perspectiva nesta área da Saúde e Bem-estar nas empresas?
Os custos com a saúde para as empresas portuguesas continuam a aumentar a um ritmo superior ao da inflação geral da economia. Para 2018 estimamos um incremento na ordem dos 4%, sobretudo ligado ao incremento dos prémios de seguros de saúde pagos pelas empresas em favor dos seus colaboradores.

Esta tendência não deverá abrandar nos anos próximos anos, sobretudo devido à combinação de vários factores, tais como o envelhecimento da população portuguesa, estilos de vida mais sedentários, prevalência de níveis de stress elevados, tratamentos médicos mais eficazes mas mais dispendiosos e menor capacidade de resposta por parte do SNS, o que irá continuar a contribuir para uma maior utilização da medicina privada, que numa parte importante é financiada através dos seguros de saúde pagos pelas empresas. Este cenário coloca importantes desafios às empresas relacionados com as crescentes necessidades de financiamentos dos planos de saúde que oferecem aos seus colaboradores.

A abordagem das empresas à protecção dos seus colaboradores na saúde é ainda muito paternalista, com a maioria delas a assumirem praticamente toda a responsabilidade e o risco do seu lado. É muito importante começar a mudar esta abordagem, garantindo o envolvimento dos próprios colaboradores em todo o processo, através da educação e comunicação associada a prevenção e hábitos saudáveis e também de uma maior partilha de riscos e responsabilidades entre empresa e colaboradores.

A título de exemplo, que incentivo tem um colaborador a adoptar um estilo de vida mais saudável com efeitos positivos na sua saúde e que geram menores custos de saúde para a empresa, quando tem por garantido que mesmo que utilize drasticamente o seguro de saúde, será a empresa que no ano seguinte terá a total responsabilidade de pagar um custo mais alto pelo seguro?

Como curiosidade, existem já hoje em dia algumas grandes empresas, sobretudo nos Estados Unidos, que incentivam e recompensam os colaboradores que adoptam estilos de vida mais saudáveis e responsáveis; todavia este é um conceito que não está ainda enraizado na cultura europeia mas que achamos fazer todo o sentido explorar.

 

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