Flash Talk. O vinho é um mundo de homens? Na Ode Winery, Farm & Living não. E é um hino à região do Ribatejo (no feminino)
Alavancar o enoturismo na região do Tejo é o objectivo desta adega centenária. Numa equipa de 45 pessoas divididas pelos vários negócios – adega, restaurante, eventos, herdade e desenvolvimento hoteleiro – seis cargos de liderança são ocupados por mulheres. A Human Resources Portugal conversou com duas, Ana Araújo, COO, e a enóloga Maria Vicente.
Por Tânia Reis
É na aldeia de Vila Chã de Ourique, junto ao Cartaxo que se situa a Ode Winery, uma adega centenária que, mantendo a origem histórica, é actualmente uma unidade de produção e de vinificação, com um portefólio de 10 vinhos.
Além de «vinhos com um perfil diferente do expectável na região», ambicionam conseguir contribuir para o crescimento da região também numa perspectiva turística, conta a COO, Ana Araújo.
Como nasceu a Ode Winery?
De uma paixão de dois investidores australianos, David Clarkin e Andrew Homan, por Portugal. O nosso País tem um imenso potencial ainda por explorar enquanto destino turístico, sobretudo as regiões interiores. A região do Tejo é muito bem localizada, diversa em actividades turísticas pouco exploradas. Vimos aqui uma oportunidade para alavancar o enoturismo nesta região.
Como vê o sector vinícola nacional? Quais as principais oportunidades e desafios que se colocam?
O sector vinícola tem demonstrado uma evolução fantástica no seu posicionamento em mercados externos, assim como na oferta dos produtos. Existe claramente uma aposta na diversificação e inovação do perfil de vinhos. A grande oportunidade para a Ode Winery será criar um produto premium, com ofertas diferenciadas dos restantes perfis de vinhos da região. O grande desafio será conseguir conquistar o nosso espaço num país que tem bastantes produtores de qualidade, mas acreditamos conseguir fazê-lo.
Além da produção de vinho, em que outras áreas actuam?
A Ode Winery, Farm & Living agrega duas áreas, a Ode Winery que integra a adega e vinhos Ode, e a Ode Farm & Living, que incorpora, actualmente, o espaço de eventos e o restaurante, assim como o desenvolvimento de uma abordagem sustentável diferenciadora no cultivo das vinhas e outros produtos.
No futuro, pretendemos possibilitar aos nossos visitantes uma experiência totalmente imersiva na natureza. Para tal, está previsto um hotel high-end com 30 suites, 20 tendas glamping e 20 vilas t3/t4, com restaurantes e espaço de lazer distribuídos ao longo dos 100 hectares da propriedade. Todas estas estruturas serão desenvolvidas com total integração e respeito pela flora e fauna da herdade.
Que resultados estão a ter até ao momento? E quais esperam alcançar no médio /longo prazo?
Até ao momento estamos a ter uma excelente aceitação no mercado. Ainda estamos numa fase muito inicial do projecto, mas acreditamos que os resultados sejam crescentes de ano para ano. Temos como objectivo conseguir contribuir positivamente para o desenvolvimento do posicionamento desta região no sector vitivinícola e turístico. Tal como a marca indica, queremos fazer uma Ode à região do Ribatejo.
Quantas pessoas tem a equipa da Ode Winery?
A nossa equipa tem 45 pessoas entre os diversos negócios – adega, restaurante, eventos, herdade e desenvolvimento hoteleiro – e é extremamente multifacetada e multicultural, o que enriquece todo o projecto.
E há algumas mulheres em cargos de liderança…
Sim, na Ode Winery Farm & Living somos seis. A Estela Silva, responsável pelo desenvolvimento da estrutura do resort; a Diana Soeiro, responsável de marketing; a Maria Vicente, a enóloga; a Luciana Vale, responsável pela área de comidas e bebidas; a Beatriz Pires, responsável pela viticultura; a Ariana Viana responsável por procurement; e eu, COO da empresa.
Há diferenças entre a forma como homens e mulheres gerem?
Julgo que a diferença não vem do género, mas sim de cada pessoa, independentemente de serem homens ou mulheres. A personalidade, a experiência profissional, o próprio ambiente de equipa condiciona o estilo de gestão.
Que vantagens trazem equipas e lideranças diversas?
Equipas como as nossas fazem com que os projectos saiam enriquecidos pelas diferentes visões e posições. Acreditamos que na sinergia das diferentes áreas e na diversidade de opiniões reside o nosso sucesso, alcançando melhores resultados e gerando um maior comprometimento emocional com o projecto.
Que tendências prevê para o futuro do sector?
Acredito que algumas das grandes tendências que marcarão o sector serão a produção de vinhos de elevada qualidade com práticas biológicas e sustentáveis, assim como o fortalecimento do enoturismo.
Maria Vicente, a enóloga de serviço, revela que fazer vinho, «criar algo que é partilhado com os outros e proporciona momentos de prazer», lhe dá uma enorme satisfação.
O que a levou a enveredar pelo sector vinícola?
A sua história fascinante, a importância cultural e comercial, e a arte da vinificação. É um mundo que consegue conciliar todas as minhas preferências, aliando cultura e tradição, viagens, gastronomia, harmonizações, formação, investigação, ciência e comunicação.
A renovação dos ciclos sempre me atraiu e, nesta profissão, tenho a oportunidade de todos os anos produzir novos vinhos, com o objectivo de colheita após colheita superar as anteriores, sempre a inovar e a experimentar.
Não há rotina, anseio sempre pela adrenalina da vindima que é um pico de trabalho, mas dá um grande gozo, desenhar os vinhos da uva à garrafa, interpretando o seu terroir e respeitando as suas características e identidade, sem que existam duas vindimas iguais, é um privilégio.
Fazer vinho dá-me uma satisfação enorme, criar algo que é partilhado com os outros, que nos transporta e proporciona momentos de prazer, é fantástico.
Numa área tipicamente masculina, deparou-se com algum obstáculo?
Não senti grandes obstáculos por ser mulher, no entanto, quando iniciei a minha carreira, a porta de entrada das mulheres na área era maioritariamente feita através do laboratório, e foi precisamente por aí que entrei, penso que foi gradual o aumento da influência feminina no mundo dos vinhos e, felizmente, a distinção de género fica cada vez mais para trás.
Quais as competências fundamentais para ser um bom profissional na área?
Um bom profissional deve ter uma base científica sólida e ser capaz de analisar a composição química do vinho, entender os dados e tomar decisões baseadas nessa análise, para garantir a qualidade do produto final. Nesta actividade, um paladar e olfato bem desenvolvidos e treinados são fundamentais.
É imprescindível possuir conhecimento das técnicas de vinificação, conservação e das diferentes castas, bem como das características específicas do terroir, ter capacidade de inovação, estar aberto a experimentar novas técnicas, utilizar novas tecnologias e adaptar-se às mudanças e exigências do mercado, sempre focado na melhoria de qualidade.
Um bom profissional deve ser um bom comunicador, não só com a sua equipa mas também com os importadores, distribuidores e consumidores, frequentemente realiza provas de vinhos, seminários e apresentações. Também considero relevante possuir capacidade de organização e liderança, pois a gestão de equipas, recursos e operações faz parte do dia-a-dia.
A produção de vinho, por vezes, envolve longas horas de trabalho, principalmente durante a época de vindima, logo é necessária flexibilidade e capacidade de adaptação. Na ODE o nosso lema é “Mínima Intervenção, Máxima atenção”, pois cada passo na produção do vinho pode influenciar a sua qualidade final. E claro, ter paixão pelo vinho!
Há falta de talento feminino neste mercado?
Não posso dizer que concorde com a falta de talento feminino neste mercado. A realidade actual já conta com muitas enólogas ao leme de grandes projectos. Efectivamente a proporção de homens e mulheres nesta área não é equilibrada, mas acredito que seja uma questão de tempo até isso mudar.
Que factores poderiam tornar o sector mais atractivo para as mulheres?
Na minha opinião, considero que o sector é bastante atractivo para as mulheres, acredito que o que tem de mudar é a percepção desactualizada de que o mundo dos vinhos é um mundo masculino. Acho que a crescente presença de mulheres enólogas acabará com esta falsa percepção e acabará por cativar novos talentos para esta área.