Flash Talk, Pedro Cabral (NAU): «Se há uns anos ter um curso superior era visto como o bastante para ter uma carreira completa em algumas áreas, hoje tal não acontece»
Surgiu em 2019, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia e, desde então, já totaliza mais de 200 cursos, 300 mil utilizadores, com mais de 800 mil inscrições e 400 mil certificados emitidos. Fomentar a requalificação, a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento pessoal é a grande missão da NAU, plataforma de cursos online, abertos, gratuitos e acessíveis a todos, refere Pedro Cabral, gestor da NAU.
Por Tânia Reis
Cada vez mais, as pessoas procuram manter-se actualizadas ao longo da sua carreira e vida, o que faz com que recorram mais a plataformas como a NAU para o desenvolvimento de novas competências. Por isso, a constante adaptação para acompanhar estas tendências de mercado e ir ao encontro do que as empresas e as pessoas, ao longo de toda a sua vida, procuram é fulcral.
Fale-nos um pouco sobre a história da NAU…
A NAU é uma plataforma pioneira em Portugal de MOOC [Massive Open Online Courses], ou seja cursos online massivos, abertos e acessíveis a todos, que surgiu em 2019 através da FCCN, serviços digitais da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
O financiamento actual para desenvolvimento de novas funcionalidades na NAU provém do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional da União Europeia, do Programa Operacional Comunitário COMPETE 2020, no âmbito do Quadro Portugal 2020, do Fundo Social Europeu e, mais recentemente, do Plano de Recuperação e Resiliência.
Qual é a missão desta plataforma?
A missão da NAU é fomentar a requalificação, a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento pessoal dos cidadãos, contribuindo para a promoção da língua portuguesa como veículo de transmissão de conhecimento.
Tudo isto, através de cursos online desenvolvidos por entidades parceiras que permitem à população o desenvolvimento de competências em diferentes áreas, desde as Ciências Sociais às Ciências Exactas, para ir ao encontro dos interesses de cada pessoa, e num ritmo de aprendizagem adaptado às suas necessidades.
E como funciona?
Qualquer pessoa que tenha interesse em investir na sua formação pode criar uma conta na plataforma e inscrever-se de forma gratuita nos cursos que pretende, realizando-os de acordo com a sua disponibilidade.
No início de 2024, a NAU formalizou um acordo com a edX.org, a segunda maior plataforma de MOOCs do mundo, estando presente na mesma como PortugalX. Aqui, disponibilizará 60 cursos que poderão ser acedidos por uma comunidade mais alargada – de 11 milhões de utilizadores, dos quais dois milhões são de países de língua portuguesa -, sendo que a consulta ilimitada dos conteúdos e a obtenção de diploma de conclusão carece de uma subscrição paga.
Já a nível de parcerias, qualquer entidade, pública ou privada, pode tornar-se parceira da NAU. A equipa acompanhará todo o processo, desde a assinatura do protocolo de adesão até ao apoio técnico durante a construção dos cursos e após os mesmos serem lançados. Para as formações serem publicadas na plataforma edX.org, as mesmas têm de assegurar uma série de requisitos, nomeadamente, a qualidade dos conteúdos e a necessidade de terem pelo menos uma edição decorrida na plataforma NAU.
Que conteúdos disponibiliza?
Os cursos disponibilizados cobrem várias áreas do saber, desde as ciências às tecnologias, passando pelas humanidades e também pela economia e gestão, todos eles com diferentes níveis de dificuldade. Incentivamos os nossos parceiros a desenvolver novas temáticas com base na informação que temos de procura por parte dos nossos utilizadores, mas também pelas tendências mundiais de procura de determinadas temáticas, como Cibersegurança, Saúde, Gestão de Negócios ou até, mais recentemente, Inteligência Artificial.
Que resultados alcançou até agora?
Até à data, a NAU estabeleceu mais de 60 parcerias, tendo desenvolvido mais de 200 cursos. A plataforma já ultrapassou os 300 mil utilizadores, com mais de 800 mil inscrições e mais de 400 mil certificados emitidos.
No edX.org, os dois cursos já disponibilizados tiveram mais de 5000 inscritos, sendo que quase 400 pediram acesso à certificação dos mesmos.
Desses cursos quais são mais procurados?
Recentemente, devido ao período de Eleições Europeias, houve um grande pico de procura pelos cursos desenvolvidos pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) com o objectivo de dar formação a futuros membros de mesa (“Agentes Eleitorais – Membros de Mesa”, “Membros de mesa – Cadernos Eleitorais Desmaterializados” e “Membros de mesa – Voto antecipado em mobilidade”).
Outros cursos mais populares incluem os do Centro Nacional de Cibersegurança, o que revela a procura por conteúdos ligados a tecnologia, como o “Cidadão Ciberseguro” e o “Cidadão Ciberinformado”.
Também formações como “RGPD para Cidadãos Atentos”, do Instituto Nacional de Administração, ou o “Língua portuguesa em contexto de escrita académica”, do ISCTE-IUL, foram dos mais procurados e revelam a diversidade de oferta formativa da NAU.
No edX.org, “Iniciação à Língua Portuguesa”, um curso da Universidade do Porto, tem tido grande sucesso e adesão.
Têm sentido, ao longo destes últimos dois, três anos, mudanças nas áreas com maior procura?
As áreas em que há uma maior procura por oferta formativa vão, necessariamente, mudando ao longo dos anos, motivadas por diferentes factores.
Desde o surgimento da NAU, em 2019, sentimos que a procura por cursos em áreas como Cibersegurança, Tecnologia e Digitalização, por exemplo, têm vindo a acentuar-se. Tal mostra que as pessoas querem, cada vez mais, estar aptas a utilizar as novas tecnologias e preparadas para viver num mundo digital. E esta necessidade aplica-se tanto a nível profissional, com a realização de cursos mais técnicos e especializados, como pessoal, através de formações que visam apoiar a utilizar das novas tecnologias em diferentes aspectos do quotidiano.
A procura por cursos é também definida consoante contextos externos. Na pandemia da COVID-19, por exemplo, sentimos a necessidade de reforçar a aposta na área da Saúde e no Digital, para que os profissionais se conseguissem adaptar às necessidades que vigoravam.
Estas mudanças na procura irão sempre ocorrer, e, por isso, torna-se fulcral que nós – NAU – consigamos adaptarmo-nos e criar oferta formativa actualizada, através da parceria com entidades alinhadas com estes valores e ouvindo o feedback de quem nos acompanha.
Qual o perfil-tipo dos vossos utilizadores?
Na NAU temos formandos de todos os perfis, precisamente porque nos identificamos como uma plataforma que democratiza a aprendizagem e está aberta a todos.
Recorrendo a alguns dados internos percebemos que a faixa etária mais representada se fixa nos formandos entre os 45-54 anos, seguido das pessoas com uma idade compreendida entre os 35-44 e com 25-34. A maioria dos inscritos são do género feminino (58.1%), e grande parte tem formação de nível superior.
Grande parte está empregada, sobretudo no sector público. Para um futuro próximo, queremos continuar a alargar a nossa base de utilizadores, chegando a um público cada vez mais jovem, bem como a profissionais ligados ao sector privado.
A plataforma tem registado um aumento de inscrições. Que motivos aponta para tal?
A tendência mundial das plataformas de MOOCs mais conhecidas foi de incremento durante o período da pandemia, seguido de um decréscimo acentuado. Nós não temos seguido esse padrão, na medida em que o crescimento se tem mantido estável. No ano passado e neste ano estamos com valores acima dos que tivemos durante a pandemia. Isto significa que ainda não atingimos o ponto máximo de crescimento e há muito espaço para tal.
Comparando o primeiro semestre de 2023 com o mesmo período de 2024, torna-se visível a evolução que temos vindo a sentir no número de inscrições. De Janeiro a Junho de 2023, foram 97 723 os inscritos nos cursos NAU, enquanto no mesmo período de 2024 este valor mais que duplica, alcançando as 202 960 inscrições. São vários os motivos que justificam esta evolução.
Cada vez mais, as pessoas procuram manter-se actualizadas ao longo da sua carreira e vida, o que faz com que recorram mais a plataformas como a NAU para o desenvolvimento de novas competências.
Além desta tendência, o próprio alargamento da oferta formativa da NAU vem justificar este crescimento de inscrições. Actualmente, temos 65 cursos em funcionamento, que abrangem cada vez mais temáticas e são de diferentes tipologias. Isto vem-nos permitir chegar a um público mais alargado e ir ao encontro das necessidades de aprendizagem de pessoas que procuram especializar-se na sua área de actuação, que pretendem ingressar numa nova área ou que simplesmente têm curiosidade em saber mais sobre uma temática.
Também o aumento no número de entidades parceiras da NAU tem impactado a maior procura pela nossa oferta formativa. Actualmente, temos mais de 60 parceiros, desde entidades públicas a privadas, que desenvolvem e partilham cursos na nossa plataforma, o que faz com que consigamos chegar a uma maior comunidade.
Acreditamos que esta evolução se deve, também, ao apoio que temos recebido do PRR, que nos tem permitido, além de aumentar as temáticas de cursos existentes na NAU, diversificar as ferramentas que potenciam a experiência de aprendizagem, e disponibilizar cursos com microcredenciais.
Por fim, também a entrada no edX.org tem permitido levar a missão da NAU mais além, chegando a novos públicos e impactando a evolução no número de inscrições.
Como analisa o tema das competências e qualificações em Portugal?
Este é um tema cada vez mais debatido, tanto pelas pessoas como pelas próprias organizações e empresas. Primeiramente, pelas mudanças que se têm sentido no tipo de formação procurada no mercado. Se há uns anos ter um curso superior era visto como o bastante para ter uma carreira completa em algumas áreas, nomeadamente, técnicas, hoje tal não acontece. O mercado procura não só profissionais com formação superior ou especializada como que estes continuem ao longo da vida a desenvolver novas competências, que lhes permitam responder a necessidades emergentes. Exemplo disso é a integração de conhecimentos a nível ambiental, digital ou mesmo social, que são cada vez mais valorizados e cujas empresas têm ainda grande dificuldade em encontrar nos profissionais.
Face a esta necessidade, as organizações procuram dar formação em diferentes áreas aos profissionais, e são também os próprios profissionais que activamente fazem por adquirir estes conhecimentos.
Para o fazerem, plataformas de e-learning como a NAU são vistas como opções, uma vez que permitem que as pessoas escolham as formações que mais lhes interessam, aprendam ao seu ritmo e a partir de qualquer lugar.
Para continuarem a ser opções viáveis, plataformas como a NAU têm de adaptar-se para acompanhar estas tendências de mercado e ir ao encontro do que as empresas e as pessoas, ao longo de toda a sua vida, procuram.
E que importância assume a literacia digital?
A literacia digital tem, cada vez mais, importância actualmente, já que profissionais das mais diferentes áreas têm de ter conhecimentos sobre as plataformas digitais.
É hoje esperado que profissionais de todas as idades e áreas saibam utilizar as plataformas digitais mais importantes, de preferência de forma segura, e tenham conhecimento sobre novas tecnologias. A NAU é um veículo para apoiar a população portuguesa na literacia digital, permitindo aprender online através de cursos que ajudam neste percurso. Exemplos disso são cursos “Competência digital docente: avaliação pedagógica”, direccionado à comunidade docente, que permite aos professores aprenderem mais sobre como avaliarem os seus alunos com recurso ao digital, ou a formação “Introdução à Comunicação Digital”, que dá as bases para comunicar de forma estratégica em diferentes plataformas digitais, entre outros.
O futuro do ensino e da formação passa pela Inteligência Artificial? Quais serão os impactos?
A Inteligência Artificial é incontornável nos dias de hoje e o que se espera é que tenha cada vez mais relevância no futuro imediato. Olhando para o contexto educativo, já há muitas ferramentas que ajudam a planear uma aula, a criar exercícios que permitam o formando ou o aluno validar os seus conhecimentos adquiridos ou mesmo a elaborar actividades de maior complexidade. O processo criativo de um docente poderá ser coadjuvado com estas ferramentas.
Mas não nos podemos esquecer de uma outra inteligência, que é a inteligência colectiva. Aí, as comunidades de prática podem ser críticas no contexto educativo, o que significa que a IA pode ajudar estes grupos a uma maior produção ou a uma produção mais rápida, dando, deste modo, mais tempo e espaço a que a discussão entre os seus pares profissionais seja mais efectiva, melhorando a componente do processo de ensino. O cidadão terá de compreender as suas vantagens e os riscos inerentes para tirar o melhor partido do que já existe.
A plataforma NAU tem planos para lançar vários cursos dentro desta temática ainda este ano, em parceria com entidades especialistas nestes tópicos. Mesmo a nível de software, estamos a trabalhar no sentido de implementar em breve algumas ferramentas de Inteligência Artificial para auxiliar, por exemplo, a construção de cursos, tornando o processo mais simples e eficaz para os parceiros, principalmente quando é frequente encontrarmos contextos em que as equipas, já de si só reduzidas, têm várias tarefas em mãos. Se conseguirmos dar-lhes ferramentas que lhes permitam uma maior produtividade, todos temos a ganhar, podendo significar um incremento no número de cursos disponíveis.