Há mais abandono no ensino superior privado (e poderia ser “muitíssimo pior”)
O abandono escolar no ensino superior privado é ligeiramente superior ao das instituições públicas, mas «poderia ser muitíssimo pior» tendo em conta a prevalência de alunos mais pobres obrigados a um esforço financeiro muitas vezes difícil de cumprir.
O alerta é lançado pela presidente do Observatório do Ensino Superior Privado, Cristina Ventura, que se baseia nos últimos números que mostram que a taxa global de abandono escolar no ensino superior é de 16,2%: o ensino público tem uma taxa de 16,1% e o privado 16,7%.
«Esta diferença não é estatisticamente significativa», sublinhou Cristina Ventura, explicando que o cálculo de médias tem sempre um erro associado e a diferença entre os dois valores está dentro dessa margem.
A professora acredita que o abandono escolar no ensino privado poderia ser «muitíssimo pior», tendo em conta que «os estudantes do privado têm um esforço acrescido que os seus colegas do público não têm».
Além disso, acrescentou, nas escolas privadas há uma preponderância de alunos oriundos de famílias carenciadas. Ao contrário do que acontece no ensino obrigatório, onde os alunos do 1ª ao 12.º ano dos colégios pertencem a famílias de estratos socioeconómicos mais elevados, no ensino superior a situação inverte-se.
Para muitos alunos, os estabelecimentos de ensino superior privados apresentam-se como a única opção de quem não tem uma média suficiente para entrar nas universidades e politécnicos públicos.
As dificuldades financeiras têm sido apontadas como um dos principais motivos para abandonar os estudos. E se um aluno numa universidade pública paga menos de 800 euros anuais de propina, no privado facilmente pode ultrapassar os quatro mil euros.
«Há aqui trabalhadores estudantes que além de pagar os estudos ainda ajudam com as contas da casa», corroborou o professor Carlos Cabeleira, do Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa (ISEC) de Lisboa.
«A quase totalidade das instituições tem mecanismos de atribuição de bolsas de estudo ou de delação no tempo de pagamento da propina. Por nós, aluno nenhum interrompe os seus estudos por questões financeiras», garantiu Cristina Ventura, que é também presidente do ISEC – Lisboa.
Actualmente, cerca de 15% dos alunos que entram no ISEC acabam por abandonar os estudos, sendo que «a larguíssima maioria resulta de problemas financeiros», segundo contas da presidente.
A instituição que lidera tem vários programas para ajudar os alunos e assim combater o abandono escolar: A alguns alunos atribuem uma bolsa completa ou parcial, a outros prolongam o pagamento no tempo e há ainda casos a quem dizem para não se preocuparem com o pagamento das propinas enquanto estivessem a estudar. «Um dia mais tarde, quando tiver o seu emprego, pagará», explica.
«Temos o objectivo de redução de 10% da taxa nacional de abandono, que é um valor que se enquadra nos objectivos europeus, mas que continua a ser preocupante», disse por seu turno, o director-geral da Direcção-Geral do Ensino Superior, Joaquim Mourato, lembrando que estão em curso 32 projectos que envolvem 47 instituições públicas e privadas.
O combate ao abandono escolar tem vindo a ser feito pela maioria das instituições. Sem isso, «seria normal ter taxas de 20 ou de 25% de abandono no privado», defende Cristina Ventura.
Um dos programas do ISEC que terminou há duas semanas foi precisamente o Projecto 3AS, coordenado pelo professor Carlos Cabeleira. Há cerca de ano e meio, apenas 80,2% dos caloiros que se inscreveram no primeiro ano renovaram a matrícula no ano seguinte.
Além disso, havia uma tendência crescente de abandono que apontava para que este ano houvesse ainda menos reinscritos (78,4%), mas o projecto contrariou essa queda e este ano inscreveram-se cerca de 82% dos alunos que tinham entrada no ano passado, contou Carlos Cabeleira.
A equipa definiu os indicadores de potencial abandono, criou uma plataforma de sinalização de potencial insucesso ou abandono e iniciou intervenções nas cinco escolas envolvidas no projecto, explicou o docente.
No final, «houve mais de 20 estudantes que não saíram do ensino superior. São vinte famílias, vinte vidas que o projecto impactou», salientou o professor durante a apresentação do seu projecto num encontro que reuniu várias instituições de ensino superior de todo o país.
Além das condições financeiras, o professor apontou a saúde mental como outro dos grandes problemas.
Entre os programas já em curso em várias instituições, Joaquim Mourato lembrou também os 40 projectos de saúde mental.