Legislação laboral: Cancro e Trabalho

O doente oncológico goza de um regime jurídico próprio ao nível laboral. Sendo uma realidade que afecta cada vez mais pessoas, importa repensar algumas medidas, mas com o cuidado de não criar regras tão estritas que tenham o efeito perverso da não contratação destas pessoas, estigmatizando-as como trabalhadores menos produtivos ou que representam maiores encargos para as empresas.

 

Por André Dias Pereira, coordenador da Unidade de Apoio Jurídico da Liga Portuguesa Contra o Cancro, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, director do Centro de Direito Biomédico e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; e Ana Elisabete Ferreira, advogada da Unidade de Apoio Jurídico da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Investigadora do Centro de Direito Biomédico

 

O doente oncológico, com uma incapacidade igual ou superior a 60%, devidamente atestada, beneficia de alguns direitos ao nível fiscal, da banca, dos seguros, da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, que importa tornar efectivos. Além destes direitos, o doente com incapacidade goza de um regime jurídico próprio ao nível laboral, quando a sua doença ou as sequelas do tratamento tenham implicação na actividade profissional.

O trabalho é uma parte essencial da vida de todas as pessoas e, felizmente, a maioria dos doentes de cancro irá voltar a trabalhar após a doença. Na generalidade dos casos, o cansaço, a incapacidade para certos esforços físicos ou a perda de memória são sequelas típicas dos tratamentos oncológicos, que podem limitar a capacidade de trabalho.

Quer o trabalhador preste a sua actividade no sector público ou numa empresa privada, o regime laboral aplicável é o definido pelo Código do Trabalho. Este regime prevê para o empregador um dever genérico de proporcionar ao trabalhador as condições de trabalho adequadas à sua capacidade de trabalho. O posto de trabalho poderá ser alterado, e o horário poderá ser modificado, se tal for necessário, em função da doença.

O trabalhador portador de deficiência ou doença crónica beneficia, neste âmbito, de uma protecção acrescida. Pode ser dispensado da prestação de trabalho, se esta puder prejudicar a sua saúde ou segurança, em regime de adaptabilidade, de banco de horas ou horário concentrado. Também pode ser dispensado de trabalhar entre as 20 horas e as 7 horas do dia seguinte. Além disso não é obrigado a prestar trabalho suplementar. A violação destas normas determina que o empregador incorra em contra-ordenação grave.

Para tornar efectivo este regime, é necessário analisar, caso a caso, as funções e o horário a cumprir, bem como a dinâmica do local de trabalho. Uma mediação entre o trabalhador e o empregador é fundamental.

O limite temporal das baixas médicas, o direito a férias após baixa prolongada e a remuneração das faltas para consultas são exemplos de matérias que merecem ser repensadas. Mas sempre com o cuidado de não criar regras tão estritas que tenham o efeito perverso da não contratação de doentes oncológicos, estigmatizando-os como trabalhadores menos produtivos ou que representam maiores encargos para as empresas. Tal não pode acontecer. Nesta matéria há, por isso, três medidas essenciais e urgentes: a expansão da informação sobre os direitos, a densificação dos apoios à mediação trabalhador-empregador, e o aumento da fiscalização das condições de trabalho.

A Unidade de Apoio Jurídico da Liga Portuguesa Contra o Cancro, em colaboração com o Centro de Direito Biomédico, oferece um serviço de consulta jurídica ao doente oncológico, com o objectivo de orientar e apoiar na resolução de problemas práticos directamente relacionados com a doença oncológica. Este serviço de apoio jurídico é prestado por advogados com formação especializada em Direito da Saúde.

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