Marco Ramalheiro, PLMJ: «A desadequação entre a realidade e aquilo que é lei dá-se em três vectores principais – cessação do contrato, tempos de trabalho e remuneração»

Marco Ramalheiro, senior consultant da PLMJ, foi o protagonista de “Uma conversa sobre o mundo do Direito na Gestão de Pessoas” que teve lugar ontem na XXVII Conferência Human Resources, no Museu do Oriente, em Lisboa. Para o advogado, algumas medidas legislativas merecem reflexão e revisão, pois não estão mimimamente adequadas à realidade das empresas.

Por Margarida Lopes | Foto NC Produções

 

A moderação ficou a cargo de Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, que começou por questionar o advogado sobre as limitações da existência da norma que proíbe a contratação de serviços de outsourcing após despedimento colectivo ou por extinção de posto de trabalho.

Marco Ramalheiro destacou que essa foi uma das alterações trazidas pela designada Agenda de Trabalho Digno, que passou a prever que as empresas, após um despedimento colectivo ou por extinção de posto de trabalho, nos 12 meses seguintes não podem recorrer a outsourcing para assegurar as actividades que antes eram asseguradas por esses trabalhadores.

«Não é uma proibição, mas é uma limitação bastante forte e que não faz muito sentido, porque estamos perante uma norma anti-abuso. Está em causa proibir mesmo decisões legítimas de outsourcing, porque uma empresa acha que há organizações no mercado mais talhadas para fazer uma determinada actividade e essa opção de gestão perfeitamente legítima passou a estar limitada.»

O senior consultant da PLMJ salientou também que «isto foi bastante criticado, não só do ponto de vista político, como do ponto de vista jurídico, porque há grandes dúvidas sobre se esta medida é constitucional e já houve várias vozes que se levantaram no sentido de que é inconstitucional. Houve inclusivamente vários apelos das associações patronais para que isto fosse submetido à fiscalização prévia do Tribunal Constitucional, mas o presidente da República não atendeu a esses apelos. Agora fica um pouco complicado as empresas arriscarem porque apesar de haver vozes contra, não se sabe quando chegará ao Tribunal e qual será a decisão.»

Desta forma, o responsável considera que «é algo muito criticável e que merecia uma profunda reflexão e revisão.»

Questionado sobre a nova regra que diz respeito ao Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho (IRCT) e que manda aplicar o contrato colectivo do cliente ao subcontratante, o advogado não tem dúvidas que esta norma «não faz muito sentido pelo menos com o alcance tão extenso que foi previsto na lei».

A lei passou a prever que, caso a empresa recorra a empresas externas para assegurar actividades que fazem parte do seu objecto social, o contrato colectivo dessa empresa vincula também essa empresa externa e consequentemente os seus trabalhadores podem reclamar as condições que estão previstas nesse contrato colectivo.

«Por exemplo, a empresa externa praticava salários inferiores aos que seriam praticados à luz daquele contrato colectivo ou não dava certos benefícios que eram obrigatórios à luz daquele contrato colectivo, o que esta norma vem dizer é que os trabalhadores passam a ter possibilidade de reclamarem esse tratamento que não têm, por via de estarem a prestar serviços a uma empresa que tem um contrato colectivo que prevê isso», explicou o responsável.

Marco Ramalheiro referiu que consegue compreender o propósito da norma, mas defende que «se foi um pouco além daquilo que se calhar seria minimamente razoável, porque aquilo que a lei prevê pelo menos textualmente são actividades que correspondam ao objecto social da empresa. Isto é uma minudência jurídica, mas com uma relevância prática muito grande, porque uma coisa é o que a empresa faz, outra é o seu objecto social. O que acontece muitas vezes é que as empresas têm várias actividades no seu objecto social, que depois na prática nem as desenvolvem.»

O advogado acredita que aqui não há uma limitação, e que o que as empresas têm de fazer é ter presente esta nova norma e rodear-se de alguns cuidados a esse respeito. Além disso, «impõe-se que em primeiro lugar façam um certo exercício de due diligence relativamente aos contratos que têm e que possam ou não enquadrar-se naquilo que é o objecto social da empresa e depois tem que se acautelar nesse contrato de serviços entre as duas empresas, esta questão do contrato colectivo.»

A este propósito, a PLMJ fez sessões e conferências para alertar para as várias modificações que foram trazidas pela Agenda do Trabalho Digno, esta norma sobre o IRCT é uma das normas para as quais a PLMJ alertou porque pode ter consequências práticas muito relevantes.

Já sobre que outras normas ao nível da legislação do trabalho deviam ser revertidas, Marco Ramalheiro considerou que a desadequação entre a realidade e aquilo que é lei dá-se em três principais vectores, cessação do contrato, tempos de trabalho e remuneração.

Ao nível da cessação do contrato, o responsável destaca que a lei já tem bastantes mecanismos e que cobrem uma grande parte daquilo que são as necessidades das empresas, mas tem uma falha que acontece muitas vezes que é o despedimento por motivos de performance.

«Há uma figura na lei que toca muito timidamente neste aspecto, que é o despedimento por inadaptação, em que um dos motivos é a redução continuada da produtividade ou qualidade do trabalho, mas exige-se que essa redução tenha sido consequência ou na sequência de alterações ao posto de trabalho, o que não faz sentido». Na opinião do advogado devia permitir-se essa forma de despedimento nas situações em que não haja alterações aos postos de trabalho, porque proteger esta situação reverte-se contra os trabalhadores.

Em relação aos tempos de trabalho, o mesmo responsável defendeu que os bancos de horas, eram uma ferramenta muito útil principalmente em sede de indústria e retalho. «Em 2019, proibiu-se o empregador e trabalhador de acordarem directamente um regime destes. Só pode surgir se for negociado com um sindicato de trabalhadores e vertido num contrato colectivo de trabalho ou se for aprovado num referendo por 65% dos trabalhadores». Para o responsável, este aspecto devia «claramente ser repensado e revertido.»

Por fim, sobre a questão da remuneração, Marco Ramalheiro percebe que tem se proteger os colaboradores mas acredita que há um quadro tão rígido que se pode virar contra os trabalhadores. «Por exemplo uma empresa que está a atravessar uma fase difícil e conseguia ultrapassar essa fase com uma redução temporária dos salários, os trabalhadores estão de acordo porque sabem que a alternativa será um despedimento colectivo, a empresa se não quiser correr riscos vai despedir os trabalhadores e vai dar despesa ao Estado para as pessoas estarem no subsídio de desemprego».

O responsável conclui dizendo que estes são aspectos que «sob a capa de estar a proteger podem estar a fazer o contrário e estas questões deviam ser ponderadas.»

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