Mariana Ribeiro Ferreira, GRACE: «Rendimento insuficiente para fazer face às exigências financeiras dos colaboradores também é responsabilidade das empresas»

Amanhã dia 25 de Maio, o GRACE promove o evento “O Papel das Empresas no combate à Pobreza“, no auditório da UNICRE, em Lisboa. A iniciativa, que conta com o apoio da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores e da EAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza, tem como propósito sensibilizar as entidades empregadoras para o tema, tendo em conta o papel-chave que podem desempenhar na qualidade de vida dos colaboradores mais desfavorecidos.

 Por Tânia Reis

 

Mesmo tendo uma fonte de rendimento, esta não é suficiente para fazer face às exigências financeiras dos colaboradores e esta situação também é responsabilidade das empresas. Quem o diz é Mariana Ribeiro Ferreira, vice-presidente do GRACE, associação que conta com 260 empresas de vários sectores de actividade.

Capacitar os colaboradores mais vulneráveis é uma forma de promover a sua empregabilidade, mas defende que é preciso ouvir os colaboradores, trabalhar o “S” dentro de casa e ter políticas de recursos humanos fortes e consistentes, porque muitas vezes aquilo que os colaboradores precisam não é exactamente o que as empresas “acham” que eles precisam.

 

Segundo dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 32,9% dos pobres portugueses têm trabalho. Como interpreta uma percentagem tão baixa?

É preocupante e perturbador constatar que 32,9% dos pobres portugueses estão empregados. Essa estatística indica que, mesmo tendo uma fonte de rendimento, esta não é suficiente para fazer face às exigências financeiras.

E esta situação é uma responsabilidade que também é das empresas, e que estas podem ajudar a combater. Esta percentagem é um call to action para o governo, a sociedade civil, e as empresas. Devemos trabalhar juntos para enfrentar as causas subjacentes a esta realidade, promovendo condições de trabalho justas, educação acessível e investimentos que criem empregos sustentáveis e dignos.

 

Também de acordo com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, 11% das pessoas empregadas em Portugal vivem em situação de pobreza. A que motivos considera que tal se deve?

Existem várias razões que podem contribuir para esse cenário preocupante. Para já, infelizmente o contexto onde nascemos ainda é determinante para o nosso sucesso, por isso, não raras vezes as que pessoas vêm de contextos desfavorecidos, onde a pobreza – ou o limiar – vem já das gerações anteriores e não houve uma quebra neste ciclo; associado a isto vem a falta de literacia (financeira, digital, emocional, etc.), o que não ajuda – por exemplo num caso de subida de inflação – a fazer uma eficiente gestão do orçamento familiar, levando muitas vezes ao sobre–endividamento e, consequentemente, outros problemas a associados: depressão, baixa autoestima, diminuição do rendimento profissional, entre outras.

Para além disso, há outras razões que também contribuem para esta situação como:

  1. Remuneração inadequada: muitos empregos podem oferecer salários baixos, que não são suficientes para atender às necessidades básicas das pessoas e das suas famílias. A falta de um salário digno pode levar ao empobrecimento, mesmo quando se está empregado;
  2. Condições de trabalho precárias: algumas pessoas podem estar empregadas em sectores com condições de trabalho inadequadas, falta de benefícios sociais, insegurança no emprego. Estas circunstâncias também contribuem para acentuar vulnerabilidades.
  3. Desigualdades estruturais: as desigualdades socioeconómicas estruturais podem afectar a capacidade de as pessoas escaparem à pobreza, mesmo estando empregadas. Barreiras como a discriminação, a falta de acesso a oportunidades educacionais e de desenvolvimento profissional podem limitar as perspectivas de crescimento económico e social;
  4. Custos de vida elevado afectam muitas famílias, com rendimentos baixos, e até médios, dificultando a satisfação de necessidades essenciais a um nível aceitável de qualidade de vida;
  5. Circunstâncias externas e imprevistas, como o caso da pandemia ou da guerra, que culminaram numa subida da inflação, evidenciaram as dificuldades e os desequilíbrios sociais existentes.

 

As empresas estão verdadeiramente conscientes e sensíveis para o tema?

Reconheço que há um crescente movimento de consciencialização e sensibilização das empresas em relação ao tema da vulnerabilidade dos seus colaboradores e um investimento na responsabilidade social interna. Cada vez mais, as empresas estão conscientes que não se podem concentrar apenas nos resultados financeiros, mas também devem considerar o seu impacto na sociedade como um todo.

No GRACE temos vindo a assistir a este fenómeno de forma crescente, consciente e responsável. Nascemos, há 23 anos, da vontade de um grupo de empresas trazer estes temas – da sustentabilidade e da responsabilidade social – para “cima da mesa”, deixando de ser apenas temas de “reputação”, para serem temas estratégicos.

As empresas que se vão manter no futuro são aquelas que cuidam das suas pessoas, que criam impacto na comunidade, que são diversas e se preocupam – e trabalham – os temas da sustentabilidade integrados como um todo: financeiro, ambiental e social andam, hoje, lado a lado naquilo que é considerado o sucesso de uma empresa.

 

Que medidas estão a adoptar para apoiar os colaboradores mais desfavorecidos e melhorar a sua qualidade de vida?

O GRACE tem, actualmente, mais de 260 empresas associadas, dos vários sectores do tecido empresarial português e diversas dimensões. Não podemos falar como um todo porque os recursos diferem de empresa para empresa, mas uma coisa é certa: todas estão a adoptar medidas que permitem melhorar a segurança dos seus colaboradores e respectivas famílias. Algumas empresas estão a adoptar medidas que incluem, para além do estabelecimento de salários justos e benefícios adequados, seguros de saúde com boas coberturas e programas de bem-estar; programas de capacitação para desenvolver as competências dos colaboradores e aumentar as suas oportunidades de crescimento profissional; a promoção da saúde mental em contexto laboral, entre outras.

É de sublinhar que, com a subida da inflação, a maioria das empresas aumentou o salário dos colaboradores nesta medida.

 

E são suficientes? O que as impede de ir mais longe?

As medidas que as empresas estão a adoptar são importantes e impactantes, mas há sempre caminho a fazer.

Fazer diagnósticos frequentes e adequados para conhecer a situação e expectativas dos colaboradores é também uma fonte de informação bastante importante para o estabelecimento de medidas eficazes.

Mas não podemos ignorar que, por vezes, a pressão financeira e a procura de resultados a curto prazo impedem a adopção de medidas de apoio e a sua inclusão na estratégia corporativa.

 

Que outras medidas são urgentes e necessárias?

Entre as medidas urgentes e necessárias, destaco a promoção de parcerias entre empresas, governos e organizações da sociedade civil para desenvolver programas conjuntos de combate à pobreza. É fundamental que as empresas trabalhem em conjunto com outras partes interessadas para criar soluções mais abrangentes e sustentáveis. Este desafio foi lançado em 2015 pelas Nações Unidas e está bem patente na Agenda 2023 e nos seus 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Se não trabalharmos objectivos comuns, em partilha multisectorial, não vamos conseguir diminuir drasticamente a pobreza no mundo.

Neste âmbito destacaria as medidas na área da educação e da capacitação como um dos meios mais eficazes para diminuir as desigualdades e quebrar a pobreza geracional.

 

Com a rápida evolução da tecnologia e automação, muitos trabalhadores arriscam ver as suas funções desaparecer ou ser substituídas. Como podem as empresas contornar esta situação?

A rápida evolução da tecnologia e automação é um desafio para a sociedade, e as empresas podem ter um papel fundamental em salvaguardar a situação dos trabalhadores mais vulneráveis. Investir em programas de requalificação e actualização de competências pode permitir que os colaboradores se adaptem a estas mudanças do mercado de trabalho e encontrem outras oportunidades, idealmente com uma maior valorização do ponto de vista das condições remuneratórias.

O investimento em programas de reskilling e upskilling são essenciais para permitir uma transição tecnológica sustentável e sem impactos negativos para as pessoas. No GRACE, por exemplo, temos o Cluster do Futuro do Trabalho onde discutimos e partilhamos propostas exactamente nestes temas: profissões do futuro, requalificação, envelhecimento activo, etc.

 

Também a população cada vez mais envelhecida pode ficar para trás, nomeadamente no que às competências digitais diz respeito. As empresas estão a apostar nos seus colaboradores mais senior? De que forma?

As empresas estão mais conscientes da importância dos colaboradores mais sénior e vemos que muitas estão a adoptar medidas que apostam neste talento mais experiente. Seja através de programas de aquisição de novas competências, incluindo as competências digitais, ou de programas de mentoria inversa, onde colaboradores mais jovens ensinam competências digitais aos mais velhos e incentivam a participação em programas de desenvolvimento profissional.

 

Regra, a franja da população mais carenciada possui níveis de educação e qualificação mais baixos. Como podem as empresas contrariar esta tendência?

Para contrariar a tendência de níveis mais baixos de educação e qualificação entre a população mais carenciada, as empresas podem desempenhar um papel importante. Isso pode ser feito por meio de parcerias com instituições de ensino, onde as empresas podem oferecer programas de formação profissional e estágios remunerados. Além disso, as empresas podem investir em programas de educação corporativa e formação interna para desenvolver novas competências nos colaboradores, e promover a inclusão e a mobilidade. Ao fornecer oportunidades de capacitação, as empresas podem ajudar a elevar o nível de qualificação da população mais vulnerável e estarão a ser promotoras da sua empregabilidade.

 

É inegável que nenhuma empresa sobrevive sem produtividade. Como podem as empresas contribuir para a solução do tema dos trabalhadores em situação de pobreza sem enveredar por um caminho “paternalista” ou “assistencialista”?

É verdade que a produtividade é fundamental para a sobrevivência de uma empresa. No entanto, as empresas podem contribuir para a solução do tema dos trabalhadores em situação de pobreza sem adoptar uma abordagem paternalista ou assistencialista. Em vez disso, podem adoptar práticas de trabalho justo, que incluem salários adequados, benefícios sociais, ambiente de trabalho saudável, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e oportunidades de desenvolvimento profissional. Além disso, as empresas podem implementar políticas de diversidade e inclusão, promovendo a igualdade de oportunidades para todos os colaboradores. Ao criar um ambiente de trabalho que valoriza e apoia seus colaboradores, as empresas podem ajudar a romper o ciclo da pobreza de forma sustentável, e também estão a contribuir para colaboradores mais motivados, produtivos, qualificados, melhorando o seu capital humano e melhorando a sua competitividade. E, atenção, muitas vezes aquilo que os colaboradores precisam não é exactamente o que as empresas “acham” que eles precisam. É preciso ouvir o colaborador, fazer auscultação, trabalhar o “S” dentro de casa e ter políticas de recursos humanos muito fortes e consistentes que permitam ao colaborador sentir-se seguro, escutado e apoiado.

 

Esta quinta-feira, dia 25 de Maio, o GRACE promove o evento intitulado “O Papel das Empresas no combate à Pobreza”. Que principais objectivos pretendem alcançar?

Este evento, em parceria com a ACEGE e EAPN, tem como principais objectivos consciencializar as empresas sobre a sua responsabilidade e também sobre o seu poder no combate à pobreza. Será também uma oportunidade para apresentar uma ferramenta de apoio às empresas no desempenho deste papel – o Semáforo Anti Pobreza, desenvolvido pela ACEGE e já implementado em algumas das empresas nossas Associadas. O evento pretende, assim, inspirar e mobilizar as empresas a adoptarem práticas responsáveis e sustentáveis, contribuindo para um impacto positivo na sociedade. É preciso falar sobre o tema: sensibilizar para agir. É um “call to action”.

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