Medo e falta de coragem como obstáculos
O tema de discussão da primeira Mesa-Redonda da Conferência HR, realizada a 16 de Março de 2011, foi “O medo e a falta de coragem como principais obstáculos ao desenvolvimento do talento nas Empresas”.
Os participantes na discussão foram José Manuel Silva Rodrigues, presidente da Carris, Manuel Mira Godinho, CEO da Clintt Global Intelligent Technologies, Manuel dos Santos Carneiro, presidente da Share e administrador da Randstad-Tempo Team, e Rui Semedo, presidente do Banco Popular.
HR: Até que ponto o medo e a falta de coragem podem funcionar como obstáculos ao desenvolvimento do talento e da genialidade nas empresas? Como deve ser contornado?
José Manuel Silva Rodrigues: Em 2003, ano em que iniciei funções na Carris, dei também começo a um projecto de mudanças profundas. Tínhamos que vencer o medo de fazer diferente. Mesmo quando existe a percepção de que o que anda a ser feito não é suficiente, há sempre obstáculos. Há que mudar o paradigma e a empresa estava envelhecida (tem agora 138 anos) e sem certezas do caminho que devia trilhar. O primeiro passo foi identificar um rumo e passado dois meses comunicá-lo internamente e transmiti-lo ao mercado em geral e aos stakeholders. Nessa altura tínhamos níveis de sindicalização de 98%, os colaboradores eram reaccionários. Chegámos a ter 27 greves com níveis de adesão de 98%. E depois da mudança não tivemos mais greves internas.
Todo este processo de mudança começou em Janeiro e terminou no Verão de 2004. Nunca tive medo, tinha a segurança que era este o caminho. Entraram 2 mil pessoas novas, mantivemos muitas pessoas e houve rescisões de contrato. Há que evidenciar que o trabalho e o mérito são o mais importante e saber tratar a diferença. Adoptamos um novo modelo de gestão que foi implementado gradualmente. Na altura havia 15% de absentismo, agora 4%. É importante seguir caminhos disruptivos. Num processo de mudança o ponto essencial é ter a percepção de que somos acompanhados, estivemos muito atentos em mobilizar e acompanhar. E dar algo em troca, aqui não me refiro só à remuneração em dinheiro, tem que ver com a credibilização do processo, com o facto de os colaboradores ganharem uma organização respeitada. Hoje a Carris está em palcos reconhecidos. Não é possível ter ruptura e paz social, em simultâneo. Há sempre resistência quando se quer passar da estabilidade para o desconhecido.
Manuel Mira Godinho: Se relacionarmos a liderança e o medo, existem dois estilos de líder: um que tira partido do medo, que marca o seu território e não partilha sucessos; outro que promove o diálogo, assume riscos e partilha sucessos. Infelizmente em Portugal, há líderes que convivem e vivem com medo. Temos que ter uma cultura de comunicação, fugir dos protocolos de tratamento de doutor e engenheiro, de encorajar e provocar as pessoas a saírem da zona de conforto. O medo quando bem gerido pode tornar as empresas criativas e dinâmicas. É o diálogo que encoraja as pessoas, a partilha de receios. Antes de vir para a conferência tive medo, pensei: “será que vou fazer má figura?” O medo ajuda a ser melhor! O medo de falhar é diário, já que estou a liderar uma empresa complexa.
Manuel Santos Carneiro: Trabalho há quase 50 anos, portanto não tenho medo. A experiência e a idade ajudam a enfrentar os medos. O meu percurso profissional passou, nos anos 70, por assumir a liderança da IBM, a empresa atravessava alguns problemas e chamava a atenção para nos focarmos nos Recursos Humanos. A IBM tinha bons produtos mas isso não chegava, tínhamos que vender o produto, mas também a pessoa que geria esse produto. Não existia produtividade, porque para haver talento, além das características inatas, há que desenvolvê-lo. A principal dificuldade é identificar o talento. A principal tarefa de um director-geral é ter boas equipas e desenvolvê-las. Há aqui um papel decisivo: identificar talentos. E, esta identificação tem que ser realizada por pessoas que tenham expertise e por estruturas com mobilidade interna, que permitam o desenvolvimento de talentos. Já o génio e o talento têm que ter paixão pelo que fazem, interesse e não terem medo. Um talento procura sempre outro talento, quem não quer talentos não o é. Mas sabemos que é difícil gerir talentos… criam controvérsia.
Rui Semedo: Talento acontece quando as empresas têm lucro. O talento é, também, uma organização feita por pessoas. A minha receita pessoal, e o que acho mais adequado, é tentar que as pessoas sejam elas próprias. Ou seja, ao entrarem no Banco devem ser a mesma pessoa que acabou de deixar os filhos no infantário. O drama é que as pessoas se transvestem, porque a nossa vida na organização é composta por clichés, que reflectem um conjunto de teorias.
Temos excesso de génios, faltam pessoas normais a fazer coisas normais. Numa empresa temos que ter visão, focada no capital; concentrarmo-nos na tomada de decisões, isto é, saber interpretar; e por fim, executar. O problema não é ter ideias, mas sim a execução.
Trabalho há 30 anos, há 25 que sou gestor de pessoas, tive cerca de 30 chefes, 200 reportes directos, 7 mil indirectos. E sei que temos que nos focar no reverse managing, aprender com os erros, com os nossos e os dos outros. “É prova de insanidade humana fazer sempre o mesmo e esperar que o resultado seja diferente”, já dizia Einstein. Costumo fazer um exercício muitas vezes, já que trabalhei com Chineses e Espanhóis, comparo os vários estilos de trabalho. Para os Chineses o trabalho é indiferente, vivem a empresa com rotina, não falam com os colegas. Os Espanhóis são parecidos connosco mas são mais confiantes. Os anglo-saxónicos confiam, não têm tantos medos. O nosso problema é de desconfiança e de excessiva formalidade.. A palavra de ordem é confiança.
HR: Como se deve reter e desenvolver o talento na empresa?
José Manuel Silva Rodrigues: Só conseguimos ter sucesso depois de mobilizar as equipas, comunicar, fazer acções de team-building, envolver as chefias intermédias, participar em workshops. Na Carris temos a gestão por mérito, através de um conjunto de critérios de avaliação de pessoas que decorre do seu desempenho, estas tornam-se em referências na empresa. De há 7 anos para cá, todos os novos colaboradores são recebidos por mim. Com sessões de apresentação do que é a empresa. Temos a filosofia de que todos somos úteis na organização. A remuneração é um factor de motivação e retenção mas não só. O commitment, o orgulho em trabalhar na Carris é muito importante. A empresa também realiza roadshows, desde 2004, de forma a tornar a área mais sexy para os estudantes de licenciatura.
Rui Semedo: Também recebo todas as pessoas que entram no Banco e estou entre uma a duas horas com os novos colaboradores. A filosofia da gestão por mérito é também transversal. Um dos combustíveis que move a pessoa continua a ser a remuneração. O mérito tem que ser premiado com a contribuição. A banca tem uma característica diferente, trabalha com uma matéria que é terrível, com o património das pessoas e é um sector muito regulado, o que faz com que o peso das instruções internas seja avassalador. Quem não tem uma boa dose de bom senso sente-se avassalado com estas regras. Temos que dar espaço à criatividade. Os líderes devem estar em constante escrutínio. O framework em que trabalho é com a cultura do País, o estilo do Banco e a experiência e aprendizagem pessoal. E, claro, a legislação laboral, condicionante do funcionamento da empresa. O objectivo dos jovens é terem um contrato efectivo, mas isso já não dá garantias.
Manuel Mira Godinho: A Glintt resulta de várias culturas. Numa organização há que enfrentar os medos. Vejo a empresa como uma construção de Lego ou como uma orquestra, preciso de solistas, mas não só. A responsabilidade de incutir espírito de diálogo e segurança é da liderança. A Glintt não trabalha numa lógica do medo, tenho a sorte de trabalhar numa empresa em que a matriz é a cultura.
HR: O que é realmente importante?
Rui Santos: A excessiva estabilidade serve o propósito final de desenvolvimento e de construção de uma carreira? Comecei no Estado e quando quis sair, os meus pais preocuparam-se, mas quando contei que era para um banco, a preocupação desvaneceu-se. Sabemos que não há nada que ultrapasse a nossa motivação pessoal, o esforço e a dedicação individual. O inconveniente da excessiva estabilidade é que se internamente não temos o que encadeia a “efervescência”, a tal auto-motivação, motiva o “adormecimento” das pessoas. Temos que trabalhar num sistema regulado pela gestão do mérito, não se pode branquear o que é “meu” e prejudicar a dedicação. Por vezes, temos que fazer um esforço grande para gostar do que fazemos.
Manuel Santos Carneiro: Há que definir estratégias de desenvolvimento mais adequadas e claras.
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