O que deve mudar na Lei laboral em 2025 (Cerejeira Namora, Marinho Falcão): «Espera-se uma contra-reforma na legislação laboral»
Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em Direito do Trabalho da Cerejeira Namora, Marinho Falcão, faz uma antevisão das grandes prioridades da legislação laboral para o próximo ano.
Portugal viveu quase uma década sob a égide de governos de extrema-esquerda e, ultimamente, socialistas. As últimas eleições demostraram existir uma larga maioria sociológica não socialista. A legislação laboral tem de reflectir esse pensamento social-democrata, liberal e democrata cristão. Por isso se espera em 2025 uma contra-reforma na legislação laboral.
A primeira alteração que importa reverter diz respeito à remissão abdicativa. A Agenda do Trabalho Digno trouxe consigo uma alteração significativa em matéria de remissão abdicativa de créditos laborais: o legislador modificou o n.º 3 do artigo 337.º do Código do Trabalho, no sentido de não mais permitir a extinção de crédito de trabalhador por meio da referida remissão. O crédito de trabalhador, desde então, não é susceptível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transacção judicial.
Sucede que, na prática diária, e até Maio de 2023, a remissão abdicativa consubstanciava, para os empregadores, uma forma relativamente fiável de garantir que nada mais tinham a pagar aos trabalhadores após a cessação do contrato.
Ora, esta alteração legislativa veio “empurrar” empregadores e trabalhadores para os tribunais: ora porque os empregadores se sentem desincentivados a proceder ao pagamento de todos os créditos em dívida extrajudicialmente (face à possibilidade, que subsiste, de o trabalhador intentar uma acção judicial, no prazo de que dispõe para o efeito, em que reclama mais créditos), ora porque sentem maior segurança em efectuar o pagamento no âmbito de uma acção judicial, mediante uma remissão abdicativa válida.
Este aumento de litigiosidade, que em nada contribui para a tão almejada celeridade da Justiça, alerta-nos para a necessidade de reverter a alteração legislativa aqui em causa com urgência.
Assistimos a um desenvolvimento crescentemente da economia GIG. Os jovens que ingressam no mercado de trabalho procuram, cada vez, um contexto de trabalho flexível e que lhes confira liberdade nas relações laborais. Sucede que este quadro não se compadece com a rigidez estabelecida tanto no código do trabalho como nos instrumentos de regulamentação colectiva. Nesse sentido, impõe-se que o legislador tenha em atenção esta realidade e procure adoptar soluções que permitam ajustar-se às reais necessidades e contexto do mercado de trabalho.
O Código do Trabalho alterou recentemente as regras respeitante ao teletrabalho. Mas na verdade, existem temas que permanecem alvo de discussão e que merecem uma resposta legislativa a ser pensada com celeridade, sopesado o facto de a realidade pandémica ter acelerado a normalização do trabalho híbrido ou remoto.
Temas como as formalidades e regras associadas à responsabilidade pelo pagamento de despesas (numa realidade em que o teletrabalho pode beneficiar mais o trabalhador do que a própria empresa), o impacto da recusa de prestação de trabalho presencial na assiduidade do trabalhador e a potencial relevância da possibilidade de uma regulamentação grupal do regime de trabalho híbrido/remoto em vigor na empresa são hot topics que continuarão a ser tema face à cada vez maior relevância do teletrabalho na realidade laboral portuguesa.
O regime de prescrição de créditos laborais encontra previsão no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho que dispõe que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Ora, não obstante o n.º 2 do mesmo artigo introduzir uma válvula de escape, prevendo que o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo, a verdade é que o conceito de “documento idóneo” é altamente indeterminado, conduzindo a diversas interpretações sobre o seu sentido que podem flexibilizar ou dificultar a prova do trabalhador e, por inerência, a medida da condenação do empregador.
Pense-se, p.e., no caso do Code du Travail francês, que estipula, desde 2013, no seu artigo L3245-1 que a acção para pagamento de créditos laborais prescreve volvidos três anos sobre o dia em que o trabalhador teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dos factos que lhe permitiam exercer o respectivo direito.
Andou bem o legislador ao prever a possibilidade de a trabalhadora poder faltar ao trabalho por motivo de luto gestacional. Não obstante, entendemos que a solução consagrada no n.º 2 do artigo 38.º-A do Código do Trabalho devia ser revista, na medida em que condiciona a possibilidade de o progenitor faltar, igualmente, ao trabalho em virtude de luto gestacional à circunstância de a progenitora ter, também, faltado.
Assim, entendemos que o regime devia ser revisto de modo a permitir que o progenitor possa faltar ao trabalhador por motivo de perda gestacional, independentemente de quaisquer condicionalismos.
A crescente utilização de ferramentas de Inteligência Artificial nos processos de recrutamento, monitorização e avaliação de desempenho dos trabalhadores exige uma regulação específica para garantir a transparência, a equidade e a protecção dos direitos dos trabalhadores. A implementação de sistemas automatizados, por exemplo, no recrutamento, pode resultar na discriminação implícita se os algoritmos não forem devidamente calibrados para evitar preconceitos de género, idade, etnia, entre outros factores.
A regulação deve também assegurar que os trabalhadores sejam informados sobre as decisões relacionadas com o uso de Inteligência Artificial na sua monitorização e avaliação de desempenho.
Importa simplificar e alargamento temporal dos procedimentos de lay-off. Para fazer face à situação de crise motivada pelos desequilíbrios económico-financeiros que se têm vindo a fazer sentir, quer em Portugal, quer a nível global, os empresários têm vindo a recorrer cada vez mais ao mecanismo de lay-off, que lhes permite, sem despedir trabalhadores ou extinguir postos de trabalho, almejar a recuperação da empresa, reduzindo temporariamente o tempo de trabalho dos seus trabalhadores ou suspender os seus contratos de trabalho, com vista ao restabelecimento da empresa e à viabilização da sua manutenção no mercado. Contudo, a morosidade e excessiva burocratização associadas ao procedimento de implementação desta medida constituem um entrave as empresas.
O gender pay gap refere-se à diferença média nos rendimentos entre homens e mulheres no mercado de trabalho, onde, de acordo com as estatísticas actuais, para o exercício da mesma função, as mulheres ganham menos que os homens, o que tem mais incidência quando falamos de quadros superiores ou níveis de qualificação mais elevados. A eliminação destas diferenças remuneratórias deve ser uma prioridade política, que se tem vindo a densificar através da aprovação de medidas que visam diminuir esse gap, nomeadamente, através da implementação de políticas remuneratórias transparentes e também através da divulgação da informação no Barómetro da Igualdade Salarial, que é uma importante ferramenta de acesso público.
E mais. Muito mais. Uniformizar e clarificar o regime da parentalidade, maior adaptabilidade de tempos de trabalho e modos de trabalho para dar resposta ao desafio do equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, negociação dos critérios mínimos de representação de empregadores e sindicatos na publicação das Portarias de Extensão, revisão do estatuto do trabalhador cuidador, etc, etc.
Haja coragem e convergências parlamentares.