Entre colaboradores e empresas, o caminho tem que ser feito de “braço dado”. Mas com “amor firme”

A XXV Conferência Human Resources realizou-se ontem, dia 21 de Março, no Museu do Oriente, tendo como tema principal “Gestão de Pessoas: No centro do furacão. E afinal, quem manda aqui?”. Catarina Horta, directora de Capital Humano do novobanco; Margarida Cardoso, People and Culture head Europa da Tabaqueira/ Philip Morris International; e Catarina Azevedo, People and Culture director da KPMG, responderam à provocação “Afinal quem manda aqui”, tendo como foco o trinómio: Flexibilidade vs Responsabilidade vs Produtividade. Concordaram que os colaboradores estão a exigir mais. Mas isso não é necessariamente mau.

Por Margarida Lopes | Fotos NC Produções

 

Ana Leonor Martins, directora editorial da Human Resources e moderadora deste painel, começou por destacar a mudança de paradigma do trabalho e, consequentemente, a mudança na relação dos colaboradores eocm a entidade patronal.

Os colaboradores estão a exigir muito mas será que também estão a dar mais?
Catarina Horta (CH) – A vida é cíclica e estamos numa fase de pleno emprego, em que a lei da oferta e da procura funciona. Temos 20% dos profissionais de IT a trabalhar para fora de Portugal e, portanto, naturalmente as pessoas podem pedir mais, porque têm mais mercado e, de alguma maneira, nesse binómio estão a conseguir pedir mais e estão a exigir mais às empresas.

A pandemia contribuiu para este paradigma e, neste momento, estamos a adoptar autorregular-nos e a dizer «one size doesn’t fit all». Estamos a introduzir a flexibilidade, no sentido de incluir várias sensibilidades e daí tirar o melhor das pessoas. Sendo que, como digo à minha equipa, não sou responsável pela vossa felicidade, cada um de vocês é o maior responsável pela vossa felicidade e, numa equipa normal, temos 20% de facilitadores, 10% de detractores e isto acontecerá.

 

Margarida Cardoso (MC) – As pessoas estão a exigir mais das empresas e isso é extraordinário, porque as empresas querem pessoas com espírito crítico, pessoas que desafiem os processos, que acrescentem valor, que tenham uma insatisfação construtiva em relação àquilo que é o seu trabalho. E têm pedido imensa flexibilidade às pessoas, que desenvolvam as suas competências, que sejam ágeis a responder às necessidades do negócio que mudam a cada momento, que se ajustem aos tempos que vamos vivendo e as turbulências deste momento.

E as características que estamos a pedir que as pessoas apliquem ao trabalho, às vezes ficamos incomodados quando aplicam as mesmas no sentido de pedir mais, e de exigir mais às empresas. Acho que tem um lado positivo, não quer dizer que seja sempre fácil, até porque é difícil para as empresas terem uma resposta única, mas, de uma forma geral, acho que as pessoas estão a pedir mais, estão a olhar mais para dentro e perceber aquilo que lhes faz sentido na forma como estão no trabalho.

 

Catarina Azevedo (CA) – Acho extraordinário as empresas já não terem o poder total e completo da decisão. As empresas também têm de se esforçar para trazer um pitch que traga valor para as pessoas. Essa alteração das exigências das pessoas que estão a entrar no mercado de trabalho e também aquilo que estamos a pedir aos colaboradores faz com que as empresas também tenham esta responsabilidade de dar as condições para conseguirem operar.

 

Naturalmente, as gerações mais recentes, que estão a entrar no mercado de trabalho, querem tempo, não querem trabalhar cinco dias trabalhar, querem um dia para pensar noutras coisas. Se dermos flexibilidade com responsabilidade as pessoas são produtivas.

 

 

Antes da pandemia não se colocava tanto esta questão da flexibilidade no sector da banca. Como é que fizeram a transição e estão a equilibrar as variáveis de Flexibilidade vs Responsabilidade vs Produtividade, sendo que a responsabilidade é muito importante para o novobanco.
CH – Metade dos colaboradores do novobanco não pode fazer teletrabalho ou trabalho híbrido e há outra metade que o pode fazer, e é importante equilibrar estas duas vertentes. Neste trio tem ganhado a flexibilidade e não tanto a produtividade. Nos 20 últimos anos, o pib per capita era de 17 mil euros e, em 2029, o que não é fantástico, os salários subiram muito mais do que isto, 19 mil  É importante perceber como a produtividade sobe e ter os aumentos consoante essa subida.

O novobanco implementou uma política pós-pandémica e adoptou um regime de trabalho híbrido para antecipar o novo campus, porque vai mudar de edifício daqui a um ano e, a esse propósito, a aposta será a flexibilidade nas formas de trabalho.

O trabalho presencial é a base, pode ser híbrido ou totalmente remoto o horário pode ser flexível, posso trabalhar no jardim do campus ou nos espaços colaborativos. Esta mudança pretende alterar a cultura da empresa e a flexibilidade está a ganhar, mas não se pode descurar a produtividade.

 

Na Tabaqueira, o processo de transformação também é uma realidade, mas como é que têm feito esta evolução em relação à produtividade.
MC – O tema da produtividade é muito relevante em Portugal, mas é muito curioso que levantemos o tema da produtividade quando falamos de flexibilidade. Porque eu pergunto como é que medimos o impacto de produtividade num sistema de controlo. Na nossa viagem, diria que não vemos impacto na produtividade.

Nos últimos três anos, a Tabaqueira foi exigindo e dando imensa flexibilidade às pessoas. Nos últimos três anos, a fábrica aumentou o volume de produção e as exportações. E deixou de ser apenas exportador de produtos para o grupo Philip Morris International e exporta também serviços. Ou seja, os indicadores são positivos, ao mesmo tempo que a empresa foi dando mais flexibilidade às pessoas. Seja às equipas de escritório, seja a dar mais flexibilidade e autonomia às equipas de produção, há equipas de produção que não têm um supervisor que permite terem mais autonomia.

 

Na consultoria, a flexibilidade não será propriamente uma disrupção, menos ainda na tecnologia, mas se calhar há diferença naquilo que os profissionais esperam das empresas. Tem sentido isso?
CA – Na KPMG há consultoria, auditoria e fiscalidade e as três áreas estão em transformação. O próprio papel do auditor está a tornar-se tecnológico. Estamos todos num processo de mudança. A KPMG tem uma nova campanha que se chama «muda com a KPMG», que pergunta às pessoas como querem mudar. Sabemos que a inovação é um pilar fundamental.

Todos os temas de ESG são fundamentais, há uma exigência de posicionamento, cumprimento e viver no dia a dia. Os temas da diversidade e inclusão estão em cima da mesa e inovação e tecnologia também. Por outro lado, a KPMG é uma empresa com três indústrias e é pedida cada vez mais mobilidade. O facto de poder movimentar as pessoas das três áreas (consultoria, auditoria e fiscalidade) dando resposta a alguns pedidos desta geração que procura sobretudo experiências, é um factor de retenção de talento.

 

A mudança não está só relacionada com o modelo de trabalho. Quais têm sido as premissas base para a Tabaqueira e como é que têm trazido os colaboradores para essa mudança?
MC– Os principais princípios têm sido a agilidade, conseguir rapidamente ajustar aquilo que o contexto for, a experimentação e este tem sido o princípio fundamental. E depois perceber que cada vez menos dominamos todas as variáveis e isto é comum e transversal independentemente da fase em que as empresas estão, é um foco no futuro mas com um pé no presente. E garantir um ambiente de colaboração e um ecossistema de competências que me permita ligar com qualquer desafio que surja e é por isso nesta trinómio apresentado, a flexibilidade é fundamental.

 

E no novobanco como é que têm trazido as pessoas para este novo alinhamento estratégico que é a vossa visão para o futuro? E se os comportamentos acabam por ser mais importantes que os procedimentos?
CH– O novobanco tem uma estratégia que se chama fazer futuro, e está numa fase de casar a estratégia com a cultura ou seja está a fazer uma transformação cultural em que se pretende que haja alinhamento estratégico entre o quê e o como. Em que se pretende mostrar às pessoas que nem todos os comportamentos são importantes ou aceitáveis, que há comportamentos que se pretende que sejam renovados no futuro.

O novobanco passou uma fase de sobrevivência  e os caminhos de sobrevivência acentuam comportamentos que nem sempre são desejáveis. É importante o lançamento de uma nova cultura. Foi lançada uma campanha interna que se chama «a sua voz conta» no positivo, com sugestões, melhorias e até inovação. E no negativo tudo o que é de conduta pode também ser reportado.

 

Na KPMG, qual é a prioridade neste momento?
CA- A prioridade em termos de gestão de pessoas está relacionada com esta diversidade de perfis que existe na empresa e o contexto actual. Uma solução não sere para todos e como é que conseguimos com perfis e necessidades tão diferentes dar resposta para garantir que os colaboradores gostam de nós e estão felizes a trabalhar connosco. Garantir alguma transversalidade nesta heterogeneidade de perfis tem sido o maior desafio nesta fase.

 

Então à pergunta quem manda aqui, podemos dizer que não temos um braço de ferro, mas sim um braço dado entre empresas e colaboradores.
CA- O caminho da convergência é sempre mais proveitoso. A KPMG está numa fase de mudança e estamos alinhados e a contribuir para que os nossos clientes tenham o melhor serviço e com certeza de braço dado, mas para isso temos de estar abertos a ouvir e integrar o que vamos ouvindo.

MC- Tem sido de braço dado, sendo que aqui, acho que o elo fundamental são sem dúvida as lideranças e é sobre elas que neste momento existe uma enorme pressão. E para os profissionais desta área tem de ser este o seu foco porque não vai haver outra forma de caminhar senão de braço dado.

CH– Acho que ouvimos mais, estamos mais sensíveis às necessidades dos colaboradores. Gosto do conceito de amor firme que se palica muito a pais e filhos. «Adoramos os nossos filhos queremos fazer o que eles desejam mas aplicamos amor firme e estabelecemos os limites». Também as organizações têm de estabelecer os seus limites.

Ler Mais