Poderão informática e empatia constituir um binómio?

«Contrariamente ao desejável, tem-se, nesta época “informatizada”, estado sujeitos a um afastamento presencial e obrigados a reequacionar formas inovadoras de promover a empatia.»

Por Susana Damasceno, presidente da direcção da AIDGLOBAL

 

Nestes imprevisíveis tempos, em que pais e filhos assumem novos papéis, é altura de se reflectir sobre o conceito de binómio. Etimologicamente, ele corresponde a um conjunto de dois elementos, ideias, conceitos que se excluem ou se unem, na tentativa de configurar uma realidade, mais ou menos universal ou uma verdade subjetivamente concebida.

No actual modo de viver e  trabalhar, é de questionar se será possível interligar dois termos como “informática” e “empatia”, referindo-se o primeiro ao conjunto de ciências que lidam com o tratamento automático, racional e sistemático da informação e o segundo à faculdade de compreender emocionalmente o “outro”, nas suas componentes afectiva, cognitiva e reguladora de emoções. É, então, compreensível que se coloque a seguinte questão: poderá a informática e a empatia, na sua diversidade, constituírem um binómio? A resposta está em cada um de nós!

Hoje em dia, vivenciamos uma aceitação laboral e relacional determinada por entidades globais em consonâncias de actuação.  A saudade ganha, então, novos contornos, porque, embora, em alguns casos, territorialmente juntos, estamos fora do alcance do olhar do outro, cativos de equipamentos informáticos. Devido às inesperadas circunstâncias do momento, somos obrigados a um certo confinamento territorial, para nossa protecção, se bem que afectivamente juntos, factores que nos têm colocado grandes desafios quer do ponto de vista pessoal quer profissional.

José Mário Branco recordou-nos, através do canto, que “todo o mundo é composto de mudança”, e a sabedoria popular lembra-nos que é em conjunturas de mudança que “a necessidade aguça o engenho.” Neste pulsar dos tempos, organizações do Terceiro Sector, a par de empresas e instituições, veem-se desafiadas a (re)criar novas formas de trabalho e de relacionamento, com recurso à informática, sem, contudo, perderem a capacidade de estabelecerem relações empáticas. O desafio é grande… No entanto, a necessidade de humanizar esta nova “estranha forma de vida” é maior, sob pena de se perder o vital capital da nossa existência e que nos particulariza e nos marca como humanos – a empatia.

O recurso inevitável às tecnologias de informação como estratégia de manutenção dos postos de trabalho e o incentivo à escola e à formação alternativa têm obrigado a um convívio informaticamente eficaz, em todas as esferas da nossa vida, mesmo no que diz respeito aos afectos. Essa situação pode constatar-se no âmbito das organizações de cariz social, das  instituições e das empresas que, nas suas missões, têm como objectivo trabalhar directamente com diferentes públicos-alvo, tal  como acontece com a  AIDGLOBAL (Organização Não-Governamentais para o Desenvolvimento). Prioritariamente,  actua em prol de crianças, jovens e docentes, em Portugal e em comunidades rurais de Moçambique, cujas actividades exigem a presença, o estabelecimento de relações de confiança, o desenvolvimento de laços afectivos e emocionais, geradores de compreensão mútua e motores de mudança de comportamentos, levando à melhoria da qualidade de vida daqueles com quem nos relacionamos.

Contrariamente ao desejável, tem-se, nesta época “informatizada”, estado sujeitos a um afastamento presencial e obrigados a reequacionar formas inovadoras de promover a empatia.

Esta é, para as relações humanas, uma das maiores demandas destes tempos, ainda mais quando todos antevemos o despoletar de uma crise social com dimensões gritantes, que irá exigir um maior acompanhamento e apoio a muitos daqueles que, sem recursos tecnológicos, financeiros, de saúde e emocionais, irão ser os mais afectados.

Há binómios difíceis de resolver. É preciso tentar e, para isso, é necessário que cada um de nós se reinvente na sua relação com o “outro”.

Inspirada no testemunho de uma colaboradora, sugiro que façam como ela: liguem o skype e trabalhem do outro lado da “linha”, na presença virtual de um ou mais companheiros, mesmo sem trocarem palavras. Permaneçam num silêncio acompanhado, tão-somente para ouvirem a respiração mútua que transmite o sentimento de proximidade reconfortante de que, qualquer um de nós, enquanto pessoa, tanto precisa.

É assim que a informática e a empatia, ao constituírem um binómio dinâmico, fortalecerão um advir estimulante, produtivo e auto-gratificante.

 

 

 

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