Que prioridades para a Lei Laboral? Gonçalo Pinto Ferreira (Telles) responde
Gonçalo Pinto Ferreira, sócio coordenador da área de Trabalho e Segurança Social da Telles, identificou quais deviam ser as prioridades do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e que medidas deveriam ser prioridade em termos de trabalho.
«Pouco mais de um ano após a entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho, volta ao debate a premência de uma revisão daquelas alterações, do seu impacto e consequências. Uma espécie de “stop and go” para ponto de situação e, já agora, para procurar trazer de novo ao circuito aqueles que a dado ponto ficaram de fora da corrida da Agenda para o Trabalho Digno.
Num contexto em que as normas laborais constituem, cada vez mais, um elemento potencialmente contingente para quem gere um negócio em Portugal e até, por vezes, desmotivador para investidores estrangeiros, parece importante transmitir estabilidade quanto ao rumo que se pretende seguir.
Na verdade, o processo de alteração do Código do Trabalho foi concluído há pouco mais de um ano, depois de vários meses de discussões e de inúmeras propostas, tendo a final introduzido e alterado mais de 150 normas. Seria, por isso, expectável que esta nova versão do Código do Trabalho pudesse estar mais bem preparada para os desafios globais e de competitividade e que, assim, não fosse agora uma prioridade uma nova revisão (que a mudança de quadrante político na governação por si só não justifique).
Certo é que este ano de implementação do Código do Trabalho alterado acabou por confirmar a razoabilidade e acerto de muitas das preocupações suscitadas em Maio do ano passado, perante uma legislação que se tornou mais rígida, menos flexível e, paradoxalmente, ainda menos apta a dar resposta aos reptos do actual mercado de trabalho.
Dificilmente se compreende que o normativo laboral em Portugal continue a olhar de soslaio para o mérito e para a produtividade. A competitividade do mercado português depende muito da capacidade de se reconhecer, de uma vez por todas, que há que proteger e premiar os trabalhadores que bem produzem, que bem trabalham, que estão comprometidos com a sua entidade empregadora, contribuindo para o esforço colectivo do projecto de que fazem parte. Seja através da implementação de medidas, designadamente ao nível da fiscalidade e de contribuições para a segurança social, que sirvam de incentivo à atribuição de bónus de produtividade, com expectáveis efeitos positivos na motivação dos colaboradores e na sua retenção, seja também através de uma maior e mais real responsabilização de quem apresenta, com recorrência, níveis insatisfatórios de performance, parece ser uma prioridade assimilar e reconhecer que as boas empresas se fazem de bons trabalhadores.
Também as normas de teletrabalho merecem alguma reflexão adicional, por parecerem não totalmente adequadas à realidade do trabalho remoto. Desde logo, a questão do pagamento das despesas associadas ao teletrabalho continua a estar na ordem do dia, dadas as dificuldades práticas que se colocam na sua implementação. É bom recordar que, na ausência de acordo, continuam a considerar-se despesas adicionais as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial, o que, na prática, se revela extremamente difícil de calcular e validar. Mas mais importante ainda será procurar uma maior adequação do regime legal aplicável aos sistemas híbridos, aos nómadas, a um mundo que vê na flexibilidade uma ferramenta essencial.
Falar de flexibilidade é falar também de horários de trabalho. É premente criar ou melhorar as formas de flexibilidade nos horários de trabalho. Para muitas empresas, a construção de um horário de trabalho transforma-se não raras vezes num exercício de quebra-cabeças difícil de solucionar. E se se compreende a preocupação com a protecção à parentalidade como incentivo à natalidade, não poderá deixar de merecer igual atenção a forma como estes mecanismos estão a ser implementados e interpretados, designadamente pelas autoridades de supervisão, pois estão, em muitos casos, a conduzir a situações absolutamente ingeríveis nas empresas.
Numa era em que o digital nos leva a novos patamares de desenvolvimento e onde a inteligência artificial entra todos os dias nas nossas vidas, é preciso acompanhar os tempos e perceber os desafios que se nos colocam. Portugal precisa de uma legislação laboral moderna e flexível, baseada no mérito e na produtividade, e que dê ferramentas às empresas para serem competitivas. Portugal concorre todos os dias com outros países pela atracção de investimento estrangeiro, pelo que não se pode permitir que a legislação laboral portuguesa seja vista como um factor de desincentivo ao investimento. Avaliar as alterações ao Código do Trabalho e ajustá-las face à experiência deste ano seria uma oportunidade para modernizar a nossa legislação laboral. Será que é desta?»
Este artigo foi publicado na edição de Junho (nº. 162) da Human Resources, nas bancas.
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