Requalificar pessoas é preciso, mas empresas também

O elefante da escassez de pessoas dificilmente sairá da sala, mas há formas de o fazer emagrecer. Ver onde está o talento, analisar os perfis, requalificar pessoas e empresas, continuamente, e quebrando dogmas são algumas das soluções apontadas pelos representantes da CUF, Floene e MSD na mesa debate da XXVIII Conferência Human Resources.

 

«Faltam pessoas ou faltam as pessoas certas?», foi com esta pergunta que Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, deu início à mesa de debate com Filipa Figueira, Country HR lead da MSD, José Luís Carvalho, director de Gestão de Pessoas da CUF, e Nuno Ribeiro Ferreira, director de Pessoas e Cultura da Floene.

No caso da CUF, não faltam pessoas, o desafio «estará mais no nível das competências», responde João Luís Carvalho. No mercado em geral, e segundo os gráficos apresentados ao início da manhã, o director de Gestão de Pessoas considera que o caminho está no investimento no desenvolvimento de competências.

Para Filipa Figueira, é impossível fugir a termas como «factores demográficos, baixa natalidade, envelhecimento da população», já para não falar «da fuga de talento, ou dos que estão cá dentro, mas a trabalhar para fora», sem esquecer a questão das pessoas 55+, a migração ou as pessoas com deficiência. A seu ver, há falta, sim, mas acima de tudo «das competências de que vamos necessitar e como fazer acontecer para as pessoas se manterem activas nas carreiras, agora como sexagenários».

Nuno Ribeiro Ferreira acrescenta uma terceira perspectiva. Apesar de uma população de 10,6 milhões, 5,1 milhões dos quais empregados, a taxa de desemprego no segundo trimestre foi de 6,1%, por isso crê que «existe alguma escassez» e sente que «há um desequilíbrio, seja de competências, idades, ou geografias» entre o que as empresas procuram e o que o mercado de emprego tem para oferecer.

Ainda que o tema das competências não seja novo e haja cada vez mais programas de reskilling e upskilling, o desafio na forma como as empresas vêem estas pessoas requalificadas é uma realidade, e estas têm um papel importante a desempenhar, principalmente se trabalharem em conjunto, refere o director de Pessoas da CUF, aludindo a fenómenos como a digitalização da banca e da grande distribuição. Sobre esse tema, partilha a participação da CUF no Pro_Mov, iniciativa do Business Roundtable Portugal em parceria com o IEFP, «que junta grandes empresas que olharam para estas pessoas que vão perder o emprego e criaram laboratórios de formação de várias áreas, como saúde, green jobs ou tecnologia» e que, à data, já contou com mais de 600 participantes. «Só para dar um pequeno exemplo, fui a uma sessão de entrega de diplomas e estava uma pessoa que foi caixa de um banco durante 20 anos e que, neste momento, estava realizada e motivada como auxiliar nos cuidados intensivos da CUF Tejo.»

 

Requalificação e flexibilidade

O facto de não haver taxa de desemprego zero demonstra que há pessoas disponíveis, mas serão todos os perfis reconvertíveis?

Para o director de Pessoas da Floene, «tudo é treinado, até mesmo as emoções», recordando o professor Jorge Araújo, com quem fez coaching. Não existem pessoas não requalificáveis, mas tem de haver «vontade e empenho nessa requalificação», defende. Realça, no entanto, que é importante «as condições serem adequadas às necessidades e aos desejos das pessoas e das suas expectativas». E dá o exemplo de «pessoas em idade da reforma e se sentem activas, têm valor, mas não querem estar oito horas por dia, cinco dias por semana num escritório», o que o leva a perguntar: «Serão também as empresa requalificáveis?»

É certo que «a legislação laboral é uma barreira à saída mas também o é à entrada», mas para resolverem o tema da escassez, as empresas têm de rever os seus modelos e dogmas para terem outros modelos que se adaptam melhor às necessidades dos profissionais. «Se houver este reequilíbrio, existirá muito maior capacidade de actuação», garante.

Temas como localização, obrigações parentais, habitação e outros da organização de vida pessoal nem sempre permitem aceitar determinado tipo de ofertas, por isso, está convicto de que se houver um ajuste nas soluções, é possível. Outro exemplo é o «caso do interior do país», em que há competências, mas uma maior dificuldade de mobilidade. Acontece que, a seu ver, as empresas ainda não estão preparadas e há um caminho a percorrer, mas Nuno Ribeiro Ferreira é peremptório: «Não podemos colocar só no lado do trabalhador esta necessidade de requalificação e reajuste.»

«Tem de haver uma grande reflexão de cada um de nós, mas também sobre o que podemos fazer nas empresas enquanto Recursos Humanos», corrobora a Country HR head da MSD, sublinhando que as aprendizagens ao longo do tempo podem ajudar. Na MSD, com «uma população com idade média de 45 anos e 15 de casa», esse tipo de mindset já existe e estão a trabalhar o tema do ajuste de competências. Destaca também a importância da capacitação das lideranças para estes temas, da requalificação e modelos mais flexíveis, por exemplo, de forma a «aproveitar melhor os recursos e encontrar outro tipo de soluções».

Outra solução passa por olhar para o talento que entra, mais do que o que sai, na balança migratória. Espanha, por exemplo, beneficia e tem sabido aproveitar a população vinda da América Latina há uma década, refere José Luís Carvalho, tal como o Reino Unido e a Índia. E deixa uma dica: «Talvez as universidades devam pensar neste mercado africano que fala português, que vai crescer.»

Outra dica é aproveitar melhor o talento que existe no interior. «A nossa dispersão geográfica permite-nos estar próximos dos institutos politécnicos, e fazemos muitas parcerias», conta Nuno Ribeiro Ferreira. «Os cursos técnico-profissionais e outros que permitem formar profissionais intermédios têm de ser mais explorados pelas empresas.»

Mais do que a longevidade das pessoas, outro factor relevante a não esquecer é a longevidade das funções, destaca. «Ainda não sabemos que funções vamos ter amanhã ou daqui a dois anos, mas todos nós teremos de andar a requalificar-nos todos os anos.» A Floene já o faz, também através da iniciativa Pro_Mov, em que estão a criar funções e a preparar profissionais para o que estimam que vá ser necessário dentro de três, quatro anos. «O tema do hidrogénio, por exemplo, vai demorar cinco anos a arrancar. Se não começarmos a prepará-las agora não vão existir nessa altura.» E deixa o aviso: «Temos de antecipar as necessidades, é uma obrigação nestas áreas de Gestão de Pessoas, porque vão surgir novas funções e será muito mais rápido.»

Complementando o papel das empresas, Filipa Figueira menciona o do próprio país, nomeadamente a nível de escolas e educação. «A aprendizagem para a vida vai existir, e em ciclos cada vez mais curtos.» E acredita que não vá ser possível reconverter todas as pessoas, já que «umas não vão querer e outras não vão conseguir», mas é imperativo analisar onde tal será possível, «ter as ferramentas necessárias para identificar perfis, adaptar funções e capacitar os líderes para este temas».

 

Tirar o elefante da sala será possível?

José Luís Carvalho mostra-se menos optimista e considera que será difícil, mas será um grande desafio. «Se conseguirmos torná-lo mais magro, vai ser muito impactante, e as empresas precisam da nossa ajuda para esta luta por pessoas competentes.»

Já Filipa Figueira acredita que é possível, sim, «mas não se faz num dia e não são só os Recursos Humanos» – tem de ser um esforço conjunto de todos, líderes e sociedade.

Para Nuno Ribeiro Ferreira, o elefante continuará na sala, mas «há vários temas a trabalhar», da adequação das empresas entre o que procuram no mercado e o que oferecem até um reequilíbrio da legislação laboral. «A pressão vai permanecer, e temos todos de reflectir sobre qual é o nosso papel e como ajudaremos a quebrar estes dogmas.»

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