Rui Afeiteira, BI4ALL: «Numa era de enorme procura e escassez de talento, a IA facilita e optimiza o trabalho dos recrutadores»
A 3ª edição do evento anual organizado pela BI4ALL, Tomorrow’22, focou a importância da aplicabilidade da Análise de Dados e Inteligência Artificial nas organizações. Como podem aportar valor, aumentar resultados ou contribuir para encontrar o talento certo? A Human Resources Portugal conversou com Rui Afeiteira, Chief Information Officer na BI4ALL, sobre estes temas.
Por Tânia Reis
Acredita que os riscos associados a Data Analytics e Inteligência Artificial vão além dos mais falados, como segurança ou ética. Para o CIO da consultora tecnológica, a grande mudança nas organizações tem de acontecer no foco do desenvolvimento dos projectos nestas áreas. Em vez de surgirem como meros projectos tecnológicos devem ser considerados estratégicos e de negócio.
No vosso evento anual, Tomorrow, em Novembro, abordaram a importância e aplicabilidade da Data Analytics (DA) e da Inteligência Artificial (IA) nas organizações. Que principais conclusões destaca?
Destaco a extrema importância e impacto que ambos já têm, actualmente, nas nossas organizações. Mas, mais ainda, a importância que vão ter no futuro, a começar já por 2023, onde são das áreas que as organizações mais se preparam para investir. Tenho a certeza de que as organizações que seguirem esta estratégia vão ser as que melhores resultados vão apresentar nos anos que se seguem. É importante não esquecer a importância de investir em áreas como o Data Strategy e o Data Governance, que vão permitir que as organizações extraiam muito mais valor, e consigam iniciativas com elevadas taxas de sucesso e eficácia no Data Analytics e na Inteligência Artificial.
De que forma podem ambas contribuir para que as empresas sejam mais disruptivas, ágeis e inovadoras?
Nos dias que correm, para se manterem competitivas todas a organizações têm de abraçar o digital e sustentar nele os seus processos. O Data Analytics é um dos pilares que lhes permite realizarem esta transformação, de forma informada e consciente do seu impacto. Com base nestas informações, podem, antecipadamente, verificar se a transformação e a sua estratégia estão a tomar o rumo pretendido ou, por outro lado, fazer correcções à mesma, evitando perdas desnecessárias.
A Inteligência Artificial permite elevar para outro nível de excelência a transformação das organizações para o digital, permitindo antecipar, prever, corrigir ou optimizar a nossa estratégia sendo que, quando aparece como consequência de uma estratégia de sucesso de Data Analytics já em execução, consegue colocar as organizações num lugar de vantagem competitiva e de elevada maturidade digital.
Considera que as empresas estão conscientes das vantagens desses temas e apostam nas ferramentas certas?
Considero que a maioria já está consciente das vantagens desses temas e que, muitas delas, inclusive, já se encontram a tirar partido dessas ferramentas. No entanto, quando falamos em relação a apostar nas ferramentas certas, já não considero que as organizações estejam numa fase de maturidade tão elevada, pois na maioria das vezes ainda são as ferramentas a conduzir a aposta nos projectos de Data Analytics e Inteligência Artificial, e não o contrário. Muitos projectos nestas áreas ainda nascem como um projecto tecnológico e não estratégico e de negócio. É preciso mudar este mindset, é preciso primeiro olhar para os mesmos como projectos de negócio e estratégicos e não tecnológicos, perceber quais os problemas que queremos resolver nas nossas organizações, alinhar o mesmo com a estratégia e somente depois avançar para a escolha das ferramentas.
É nesta transformação de mindset que o Data Strategy pode ajudar, e quando as organizações começarem a olhar mais desta forma para estas áreas, vão retirar muito mais valor do que o que retiram hoje e as ferramentas irão aparecer naturalmente como os facilitadores para a implementação destes projectos. Trata-se mais de um projecto de transformação e gestão da mudança, do que um projecto sobre tecnologia e ferramentas.
Em que dimensões a DA e IA são mais relevantes (processos, modelos de trabalho, comunicação…)?
De momento, não faz sentido escolher onde a DA e IA são mais relevantes, pois têm casos de uso e casos de sucesso em todas as dimensões. Inclusive, varia muito de organização para organização, com a estratégia de cada uma, quais as áreas ou dimensões onde tem mais ou menos maturidade digital, quais as áreas ou dimensões onde tem mais dores identificadas e onde conjugadas com a maturidade digital das mesmas, a DA e IA possam ser candidatas a serem os facilitadores para a solução ou ajuda na resolução destas dores.
Além dos benefícios, têm o outro lado da moeda. Quais são, para si, os principais riscos? E como podem as organizações proteger-se desses perigos?
Volto a identificar como principal risco continuarmos a ver estes projectos como projectos de tecnologia, e não processos de transformação organizacional e de estratégia em primeiro lugar. Isto leva-nos, muitas vezes, a ter projectos que não têm o sucesso desejado, pois não estão alinhados com a estratégia e passam a ser projectos de silos tecnológicos, que levam as organizações a ter um elevado custo com muitas tecnologias, das quais não estão a retirar todo o seu potencial.
É importante olhar para estes projectos de outra forma, e é por isso que, durante 2022, e ainda mais em 2023, começamos a ter cada vez mais projectos de Data Strategy e Data Governance, que permitem às organizações olhar para estas áreas de outra forma, sendo que, quando começamos os projectos nas áreas de DA e IA suportados e alinhados com projectos de Data Strategy e Data Governance, estamos também logo a ter em conta áreas como a segurança, privacidade, ética e alinhamento com a estratégia, que permitem conduzir estes projectos ao sucesso e mitigar o risco dos mesmos.
Que tendências se destacam actualmente no âmbito da análise de dados no mundo corporativo? No geral, qual o tipo de informação mais relevante para os vossos clientes?
Começando pela segunda questão, o tipo de informação mais relevante para os nossos clientes é a informação que lhes permita dirigir os seus negócios com base em factos, tornando-os numa organização Data-Driven. E como temos clientes nos mais variados sectores de actividade, essa informação varia de acordo com o seu negócio.
Ao nível das tendências, não posso deixar de falar de Data Democratization ou democratização dos dados, da informação, capacitando toda a nossa workforce para fazerem as suas próprias análises à informação, transformando informação em conhecimento, e permitindo a todos os trabalhadores retirarem insights e inserindo inteligência baseada em dados nos seus trabalhos, tornando-os mais eficientes e eficazes. Para suportar esta democratização da informação, não podemos deixar de falar de tendências como a Inteligência Artificial, Cloud, Data as a Service e de Real Time Data, que vão permitir todo o sucesso da tendência do Data Democratization.
Sem esquecer as tendências de Data Strategy, Data Governance, Data Regulation, Data Privacy, Data Ethics, Data Integrity, que fui referindo várias vezes ao longo desta entrevista, e que serão importantíssimos para o Data Democratization, pois serão estas que permitirão mitigar os riscos, garantindo o seu sucesso.
No que diz respeito à Gestão de Pessoas, de que forma podem a DA e a IA ajudar as empresas a encontrar o talento certo e a potencializá-lo? (Dê exemplos concretos)
Como em qualquer área, a Gestão de Talento não é excepção, e em qualquer parte do processo é possível aplicar DA e AI. O importante é cada organização identificar as dores, dificuldades ou oportunidades de melhoria no seu processo, analisando com pessoas especializadas na área como aplicar DA e IA para os ajudar a potenciar o seu processo de Gestão de Talento.
Não posso dar exemplos que suportem a afirmação de que vão funcionar ou fazer sentido para todas as empresas, mas posso mencionar alguns que já estão a ser aplicados: leitura automática de CVs, neutralizar o enviesamento (Bias), chatbots que permitem uma experiência diferenciada para candidatos e respostas mais rápidas, reduzir o workload de tarefas repetitivas dos profissionais de recrutamento, validação automática de grandes quantidades de documentos, reencaminhamento automático de candidatos para outras oportunidades, identificação de skills escondidas em CVs ou entrevistas, entre muitos outros possíveis casos que já estão a ser usados no dia-a-dia.
Em que áreas são esses benefícios mais relevantes?
São relevantes em todas, depende é de cada organização, dos casos de utilização que são identificados, e como os mesmos são aplicados. Claro que podemos sempre fazer menção ao caso do recrutamento, pois nesta altura em que assistimos a uma escassez de talento e uma enorme procura pelo mesmo, a IA pode ajudar muito os recrutadores no seu trabalho, facilitando e optimizando o mesmo.
Numa era de rápidos avanços tecnológicos, quais as competências mais valorizadas para os recrutadores?
Neste ponto, no caso da BI4ALL, as competências que mais valorizamos são as soft skills, nomeadamente: capacidade de aprender e de ser ensinado (coachable), empatia, pensamento crítico, criatividade e foco. Estas são as competências mais valorizadas por nós, pois permitem que os colaboradores rapidamente se adaptem a novas hard skills que estão constantemente a surgir nestas áreas.
Adicionalmente, hard skills como Python, Pyspark, Powerbi, Agile, Databricks, Terraform, Devops, Deep Learning, entre muitas outras, são valorizadas. No entanto, reforço que as soft skills mencionadas são realmente as mais valorizadas, pois daqui a seis meses todas as competências técnicas podem ter mudado ou estar em mudança e precisamos que os colaboradores acompanhem essas mudanças. E essa competência e capacidade de as adquirir, só pode ser suportada com as soft skills correctas.
A BI4All conta com mais de 350 colaboradores, qual o perfil do vosso colaborador no geral?
Temos uma variedade de perfis devido à especificidade das áreas em que trabalhamos, que exigem cada vez mais um nível de especialização e excelência diferenciador. No entanto, o que caracteriza o que procuramos em todos os nossos colaboradores (actuais e futuros) é um continuous growth mindset suportado por uma abordagem de lifelong learning.
Avançamos para uma realidade onde as máquinas terão as “hard skills” e os colaboradores as “soft skills”? Justifique.
Não, penso sim que avançamos para uma realidade onde as máquinas terão as hard skills que sejam repetitivas e possíveis de automatizar, que não requerem criatividade na sua execução e aplicação. Os colaboradores terão as soft skills que suportam um constante aprimoramento das hard skills, o que as tornam cada vez mais especializadas, tal como, uma constante aquisição de novas hard skills necessárias nestas áreas, que vão estar em constante surgimento, e que depois irão sempre ser aperfeiçoadas, levando a um ciclo de constante especialização com aquisição e aperfeiçoamento de novas hard skills.
Com informação disponível a nível global à distância de um clique, como podemos fazer uma triagem eficaz e relevante?
É sempre difícil de responder, pois temos dois níveis de utilização da informação, ao nível organizacional ou a nível pessoal. No entanto, podemos sempre utilizar os pilares mais elementares do Data Management: uniqueness (a existência ou não de informação duplicada), timeliness (se a informação ainda é actualizada ou já se encontra desactualizada), validity (se a informação partilhada corresponde à sua definição), accuracy (se a informação é precisa ou incompleta), consistency (se a mesma informação é idêntica em diferentes locais) e completeness (se a informação se encontra completa). Claro que estes princípios são muito mais fáceis a nível empresarial, embora ainda estejam muito descurados à data de hoje, e este é um dos porquês de o Data Governance estar a ser cada vez mais falado, para que estes princípios passem a ser aplicados a toda a informação que acedemos. A nível pessoal, podemos sempre tentar adquirir literacia, perceber estes conceitos e tentar aplica-los à nossa procura diária por informação. E com isto alimentarmos o continuous growth mindset, tal como fazemos na BI4ALL.
Se tivesse de identificar três, por ordem de importância quais diria que são as mudanças mais urgentes no nosso país a nível de DA e IA?
Primeiro a mudança de mindset, que permite o segundo, que é olhar para o DA e IA como um projecto de negócio e transformação, e não de tecnologia, e em terceiro perceber que as tecnologias e as ferramentas são o facilitador para estes projectos, e não a razão pela qual se iniciam estas tipo iniciativas.
Que tendências aponta para os próximos anos nestas duas áreas?
Apontaria para as tendências que fui mencionando ao longo da entrevista, no entanto, com a velocidade a que esta área tem vindo a evoluir e com a perspectiva de que continuará a acelerar, diria para me perguntarem novamente daqui a dois ou três meses.