São precisos mais 134 anos para se obter a igualdade de género. Na participação política sobe (muito)

Apesar de o mundo estar «melhor do que nunca» do ponto de vista formal, o hiato da discriminação entre homens e mulheres na participação política é de 169 anos. O alerta vem de Mónica Ferro, directora do escritório de Londres do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).

 

«Do ponto de vista formal, o mundo está numa situação muito melhor, estamos no melhor momento de sempre. Há um número crescente de países com leis que garantem a participação política das mulheres, com leis que eliminam as discriminações», sublinhou a representante, numa entrevista «à margem da 9.ª edição das Conferências do Estoril, no Campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, em Cascais, Lisboa.

«É uma virtude económica que é boa para a economia, pois a discriminação tem custos e a desigualdade tem custos e impactos muito sérios», salientou, admitindo que é nas componentes medíveis dos direitos das mulheres que tudo se complica, embora não sendo temporalmente tão longo.

Mónica Ferro indicou que, do ponto de vista do acesso à educação, o ‘gap’ entre homens e mulheres fecha-se daqui a 20 anos – «mesmo assim é maior este ano do que era o ano passado» – substancialmente menor do que os 169 que exigem a participação política – «mais sete do que em 2023».

Segundo dados do Fórum Económico Mundial, são precisos mais 134 anos para se obter a igualdade de género. «São cinco gerações de tempo perdido…», frisou Mónica Ferro, que desde 2023 chefia o escritório do Fundo de População das Nações Unidas na capital britânica.

«Significa que retrocedemos no caminho que estávamos a fazer na participação política. Depois, do ponto de vista da igualdade económica, de fechar o hiato na participação económica, o ritmo está mais acelerado, mas vamos continuar a precisar de cerca de 150 anos para lá chegar. Eu diria que não há tempo para esperar este tempo todo», sustentou.

Questionada sobre os direitos das mulheres em zonas de conflito e nos países de rendimento médio, médio baixo e baixo, Mónica Ferro frisou que a «pobreza» sustenta a maior discriminação das mulheres em relação aos homens, ao contrário da Europa, «a região do mundo onde a igualdade de género está cada vez mais próxima, mas ainda faltando muito tempo».

«A pobreza afecta mais as mulheres do que os homens, as alterações climáticas afectam mais as mulheres do que os homens, e, de facto, o fosso é quase inimaginável. Se se olhar para os conflitos em Gaza e na Ucrânia, para o Sudão e Afeganistão, acho que nem é possível fazer uma extrapolação de quando é que a igualdade de género vai ser possível nessas regiões, não só pela desigualdade profunda, pelo aumento da violência com base no género, pelo impacto que isto está a ter no acesso à educação», sublinhou.

«Dito de uma forma muito simplista, nos países africanos, nos países em crise económica ou nos países em conflito, quando se tem de escolher investir na saúde, na educação ou no empoderamento de um rapaz ou de uma rapariga, escolhe-se frequentemente investir na educação, no empoderamento e na saúde do rapaz, que é visto como um activo e a rapariga como um custo.»

À questão sobre quais são os principais factores que prejudicam os direitos das mulheres, Mónica Ferro respondeu ser «tudo muito contextual», havendo, contudo, «uma espécie de denominador comum», que tem a ver com padrões e normas sociais, comportamentos interiorizados pelas comunidades.

«Temos de desmontar esses comportamentos. Dizer que as mulheres não são boas líderes porque são muito temperamentais ou dizer que uma mulher que queira ter um determinado trabalho é uma mulher que está a furar padrões. Tem a ver com as normas de género, tem a ver com esta ideia de que as diferenças de competências não têm a ver com as diferenças de sexo», argumentou.

Mónica Ferro salientou também «outro grande obstáculo», que tem a ver com a autonomia sobre o corpo.

«Os nossos dados [da UNFPA] mostram que um quarto das mulheres não pode decidir sequer, não pode dizer que não a ter sexo com o seu parceiro ou o seu marido. Um quarto das mulheres não pode decidir procurar cuidados de saúde e uma em cada dez não pode decidir o método contraceptivo que quer usar. Ou seja, uma mulher que não controla o que acontece com o seu corpo, controla muito pouco na sua vida», explicou.

Apesar de tudo, Mónica Ferro disse haver esperança, «até porque o mundo sabe como resolver muitos destes problemas». «Há muitos países que têm tido um progresso acelerado. Primeiro porque começaram há mais tempo. Isto são processos de transformação de mentalidades, de transformação de modelos económicos e isso demora muito tempo. Mas eu acredito que inspirados nas boas práticas, inspirados nos resultados dos países que conseguiram fazer, com as adaptações culturais, isto é muito importante, há esperança. Nós não podemos continuar a negligenciar o potencial de metade do mundo», concluiu.

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